O gaming, as plataformas de conteúdos, como a Netflix, a HBO ou o Youtube, e as redes sociais abrem as portas a novos mercados e audiências. Nestes meios, celebridades ou influenciadores têm o poder de humanizar as marcas e estabelecer relações emocionais e de confiança com os consumidores. O que as marcas procuram é continuar a crescer e chegar a novas audiências.
Essa é uma das linhas orientadoras do "Media Trends: What’s Next?", uma iniciativa lançada pela Medialivre, com especialistas de grandes agências de meios, que pretende dar a conhecer as principais tendências de media na era digital e ajudar a descobrir como a tecnologia está a revolucionar a forma como as marcas comunicam com os consumidores.
O Omnicom Media Group (OMG) foi o segundo parceiro desta iniciativa, debatendo o tema "Universos paralelos: AI, Gaming e Entertainment". Para explicar as suas visões estiveram presentes João Epifânio, chief sales officer B2C da Altice Portugal, Ricardo Domingues, presidente da Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO), em representação do grupo Betclic, Catarina Tomaz, marketing director, Portugal ViaOutlets, e Paulo Vaz Tomé, head of Communication and Brand do novobanco.
Os quatro intervenientes, num debate moderado pelo CEO do Omnicom Media Group, Luís Mergulhão, analisaram as novas formas de comunicação das marcas com os clientes, potenciadas pela inteligência artificial, além dos media tradicionais. A conclusão? Mais do que nunca, as novas gerações procuram uma relação emocional e pessoal com as marcas, o que pode ser conseguido pela infiltração das empresas nos grandes domínios de entretenimento.
Os convidados refletiram ainda como, apesar de a IA estar cada vez mais evoluída, o ser humano e os seus instintos primitivos permanecem iguais. Num mundo de chatbots e avatares, continuamos a ser criaturas impulsivas movidas por sentimentos, altamente sugestionáveis (e até, por isso, previsíveis). Como tal, o fator humano continuará a ser determinante na produção de campanhas. Agora e no futuro, as marcas bem-sucedidas serão aquelas capazes de usar a IA como alavanca para os seus criativos.
A componente emocional das marcas
João Epifânio, chief sales officer B2C da Altice Portugal, inaugurou o debate destacando que há pouco tempo leu num artigo que o ser humano toma cerca de 35 mil decisões por dia, conscientes e inconscientes, todas elas influenciadas pelo contexto que nos rodeia. Por exemplo, algo tão simples como o estado do tempo pode determinar o que vestimos ou onde vamos nesse dia. Nesse sentido, a mensagem que uma marca nos transmite, ao invés de outra, pode levar-nos à compra.
"Somos uma plataforma de distribuição de conteúdos, mas somos primeiro uma empresa que tem de entender as pessoas e os seus processos de decisão, os seus hábitos de consumo. As marcas têm de aprender a direcionar as decisões dos consumidores", referiu João Epifânio a respeito da Altice Portugal.
O chief sales officer explicou como em 2018 a empresa tomou a decisão de alterar a sua assinatura de "o mundo é MEO", algo totalmente centrado na marca e não projetado para os consumidores, para "humaniza-te". Uma ideia baseada no conceito de humanização das marcas, e como estabelecer uma relação de proximidade com os consumidores influencia o processo de escolha e de compra.
O profissional refletiu ainda como a expansão da IA cria novas oportunidades, mas simultaneamente desafios. "Não basta sermos competentes naquilo que fazemos no dia a dia. As pessoas procuram a dimensão superlativa das marcas. Quando o cliente se depara com três ou quatro marcas, assume, à partida, que todas elas serão competentes e por isso procura algo mais que o faça optar, quase uma projeção pessoal." Acrescentando: "Na Altice, queremos estar presentes na componente emocional e mais inconsciente das pessoas para que quando haja um processo de escolha, este possa ser feito a nosso favor."
Sobrevivência das marcas: estar onde os clientes estão
As marcas já não estão restritas a transmitir anúncios na televisão ou na rádio, existem inúmeros canais de difusão que permitem alcançar inúmeras audiências. Porém, paradoxalmente, Ricardo Domingues, presidente da APAJO – Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online, em representação do grupo Betclic, referiu como este mundo de oportunidades pode gerar fragmentação e tornar cada vez mais complexo o contacto das marcas com os consumidores.
"Nós enquanto marca temos de estar presentes onde os consumidores estão, isso é absolutamente imprescindível e deve ser feito de uma forma orgânica", disse.
A Amazon é um exemplo desse ecossistema complexo, tratando-se de um caso disruptor no universo das marcas. Ricardo Domingues partilhou uma experiência pessoal que viveu recentemente. Mudou de casa e recorreu à Amazon para encontrar diversos produtos que necessitava, rapidamente pelo tipo de pesquisas que fazia a Amazon conseguiu antecipar as suas necessidades.
"O papel das marcas foi nulo, fiz as minhas compras com base em necessidades muito básicas. Não procurei marcas, a Amazon foi-me sugerindo outras necessidades para as quais fui despertando. Ou a marca é muito forte, é uma marca âncora, ou quando chegamos a uma plataforma com essas características é suprimida", explicou.
O mesmo ocorre em plataformas como, por exemplo, o Ebay ou a Temu. Os clientes procuram estes grandes aglomerados pelo serviço que proporcionam (desde entregas em menos de 48 horas, ao fim de semana, preços mais baixos…) e as marcas perdem importância.
No caso da Betclic, que está dentro da área do e-sports, o presidente da APAJO acredita que grande parte dos seus potenciais clientes estão simultaneamente no gaming e no gambling. As fronteiras não são claras e acabam por variar de país para país. Ainda assim, de certo modo essa distinção torna-se irrelevante quando consideramos que os estímulos são iguais no cérebro. "Num nível primitivo não interessa se é gaming, gambling ou entretenimento", mencionou Ricardo Domingues. Neste sentido, por mais que a tecnologia evolua, certos paradigmas mantêm-se: o ser humano vê nas marcas um lado aspiracional, de algo que quer para si, que vai muito além da real necessidade de determinado produto e sim da satisfação emocional que ganha.
Atrair os consumidores e as marcas
"Cada vez mais é uma equação complicada chegar aos consumidores. Embora os desafios do marketing permaneçam iguais ao longo do tempo, os meios de resposta e as soluções são diferentes", começou por dizer Catarina Tomaz, marketing director, Portugal ViaOutlets.
Sem rodeios, a profissional descreve o seu negócio de forma simples: "Vendemos metro quadrado, os nossos primeiros clientes, são as marcas e as lojas." O Portugal ViaOutlets tem um posicionamento próprio, que ainda privilegia a presença física em vez da virtual, e procura nas marcas que engloba reforçar esse mesmo posicionamento.
"Tenho um negócio muito mais tradicional, é ‘tijolo’, o que queremos vender é uma visita a um espaço físico. Todos os dias recebo empresas que acham estranho não termos um e-commerce, mas nós sabemos o que queremos que a nossa empresa seja. Num momento em que toda a gente fala do digital, do virtual… nós falamos cada vez mais de estarmos presentes fisicamente. Sabemos que este é o nosso diferenciador, o nosso core e que no nosso caso funciona", explicou Catarina Tomaz, acrescentando: "Ainda não há inteligência artificial que defina o nosso negócio por nós, mas acredito que haveremos de lá chegar."
Para o Portugal ViaOutlets, o capital humano continua a ser assim fundamental, visto que parte da experiência do cliente são os vendedores presentes nas lojas que proporcionam um serviço que faz os clientes regressarem.
"Os chatbots poderão vir a ser uma realidade, mas acreditamos que as relações humanas continuarão a fazer a diferença", concluiu a marketing diretor.
IA, regulação e reputação
Aplicada em tudo o que fazemos a IA também já chegou ao setor da banca. Paulo Vaz Tomé, head of Communication and Brand do novobanco, descreveu como os bancos utilizam cada vez mais técnicas do domínio da inteligência artificial, sobretudo nos âmbitos da gestão de risco, interação com os clientes e gestão de fraude e otimização de processos.
No caso da cibersegurança, o nível de rapidez e complexidade das técnicas utilizadas pelos atacantes, também elas assentes em inteligência artificial, obrigam a uma resposta ajustada dos bancos, sob pena de os seus controlos se tornarem não efetivos.
"Nesta era digital, o setor da banca tem a obrigação de salvaguardar as pessoas que lhes confiam as suas poupanças", observou Paulo Vaz Tomé.
O head of Communication and Brand considera que os bancos têm de aprender a comunicar e a fazer o marketing dos seus produtos, tendo em consideração este novo mundo da inteligência artificial que está em permanente mudança. O que por sua vez resulta na atualização consecutiva de medidas de regulação que protejam os interesses do consumidor.
"Temos de nos ajustar e adaptar perante os novos desafios colocados pelos reguladores. A verdade é que andamos consecutivamente a correr contra o prejuízo, mas o nosso objetivo é sempre salvaguardar os dados e interesses dos nossos clientes", sublinhou.
Paralelamente, Paulo Vaz Tomé acredita que as funcionalidades que a IA proporciona aumentam não só a proximidade dos consumidores às marcas, mas também as suas expectativas. Ou seja, além de implementarem tecnologia de ponta, as empresas têm de ter funcionários que dominem e saibam utilizar essa tecnologia da melhor forma.
"Vivemos numa época em que, com razão, os clientes estão cada vez mais intolerantes ao erro. Com as redes sociais, por exemplo, qualquer falha pode levar a uma situação descontrolada e provocar a perda de reputação da marca", acrescentou.
No fundo, apesar das novas ferramentas que a IA oferece, nomeadamente novas formas de chegar às audiências e de antecipar as suas necessidades, os clientes continuam a procurar nas marcas uma identidade própria, narrativas apelativas, solidez, confiança, uma reputação exímia e, claro, um produto sólido. Qualidades que, pelo menos por agora, só o ser humano, que pensa mas também se emociona, pode garantir.