Atingir a neutralidade carbónica em 2050 só é possível com esforços conjuntos. "O nosso planeta terra está numa encruzilhada, enfrentando uma tripla crise planetária, de alterações climáticas, de perda de biodiversidade e de poluição. A Europa está na vanguarda dos esforços para enfrentar estes desafios, mas ainda há muito por fazer", afirmou Leena Ylä- -Mononen, diretora executiva da Agência Europeia para o Ambiente (AEA), numa mensagem de vídeo que serviu de introdução para a mesa redonda: "Está a Europa a Responder à Emergência Climática?".
O debate foi moderado pela professora e investigadora Luísa Schmidt, e contou com a participação de Eero Yrjö-Koskinen, diretor executivo do IEEP – Institute for European Environmental Policy, Justin Wilkes, diretor executivo do ECOS – Environmental Coalition on Standards e Stephan Morais, Managing General Partner da Indico Capital Partners.
A responsável da AEA salientou ainda que diminuir e gerir os resíduos é uma tarefa de importância vital e que, nesse sentido, o setor das embalagens tem um papel fundamental para desempenhar. "Desde 1994, a União Europeia desenvolveu um conjunto abrangente de legislação sobre resíduos, com um foco particular nas embalagens. As regras abordam temas que vão desde a restrição aos sacos de plástico até ao estabelecimento de metas ambiciosas de reciclagem e implementação de medidas que responsabilizam o produtor".
Alertando para a necessidade de reduzir o consumo de matérias- primas virgens, Leena Ylä-Mononen referiu um estudo desenvolvido pela União Europeia (EU) que concluiu que 40% dos plásticos e 50% do papel utilizados pelos países da UE são usados para produzir embalagens. "É imperativo que abordemos o impacto ambiental do setor e aumentemos a sua sustentabilidade. Estudos recentes preveem um aumento do uso de embalagens, particularmente de plástico, em toda a UE. Estas tendências são contrárias ao Pacto Ecológico Europeu e ao Plano de Ação para a Economia Circular", frisou, notando, porém, que um novo regulamento está perto de ser aprovado pelo Parlamento e Conselho Europeu, o que representará uma mudança significativa de abordagem. "As embalagens são um elemento chave num conjunto de mudanças complexas na nossa sociedade. Avançar para uma economia circular significa abandonar os modelos lineares de produção e de consumo, prevenindo e reduzindo o desperdício e prolongando a vida útil dos produtos", concluiu.
diretora executiva da Agência Europeia para o Ambiente (AEA)
"O Pacto Ecológico Europeu é a jóia da coroa da Comissão Europeia" disse Eero Yrjö-Koskinen. "A União Europeia está em plena transição verde, que é essencial para o nosso futuro. Infelizmente, o que estamos a fazer não é suficiente. Enfrentamos ameaças existenciais, a um nível global, que ainda têm que ser resolvidas. Mas muito já melhorou e tenho uma visão otimista. Apesar de estarmos longe de atingir os objetivos de Paris, nos últimos oito anos já conseguimos o excesso de aquecimento global em um grau. Não chega, mas significa que estamos a ir na direção certa. A EU lidera o que está a ser feito no mundo para mitigar os efeitos das alterações climáticas. Mas ainda há muito a ser feito".
Quanto às embalagens "estamos no bom caminho para atingir as metas", acredita o responsável do IEEP – Institute for European Environmental Policy. Mas já se torna mais difícil quando se fala do objetivo global de ter, em 2050, uma economia circular na Europa. "Uma economia circular europeia total implica que todos os setores cumpram a sua parte e, nesse aspeto, não estou tão certo de que o consigamos atingir. Nem todos os setores estarão prontos para ir nessa direção.
Atingir a circularidade no setor da energia, mudar das energias fósseis para as energias limpas, parece-me complicado e um desafio enorme. Não temos matérias-primas na Europa, metais e minerais, para o fazer". Há uma conjugação de esforços e negociações multilaterais que terão de acontecer para responder à emergência climática global.
"A Europa não pode resolver sozinha as ameaças climáticas globais. Estamos a liderar em vários aspetos mas há outros continentes e regiões que têm que dar um passo em frente. O problema é que, para se dar resposta, é preciso abdicar de outras coisas essenciais para o desenvolvimento e nem todos o estão dispostos a fazer – o que é compreensível", referiu, por sua vez, Stephen Morais, quando questionado por Luísa Schmidt sobre se estamos a investir o necessário para atingir a neutralidade carbónica em 2050. É necessário ter um orçamento robusto e investir fundos consideráveis. "A nível tecnológico, a União Europeia não está a liderar. Somos bons na regulação mas, ao mesmo tempo, é importante não impor demasiadas regulações, para que as negociações respeitem as várias visões, e evitar as retaliações – que já existem. Há muitos movimentos contra, em várias regiões e países, incluindo os Estados Unidos, contra as regulações". Boa parte da resposta estará no investimento privado em novas tecnologias.
"As novas tecnologias estão a ser desenvolvidas mas é preciso investimento, com capitais privados, para que possamos usufruir delas. Na Europa, precisamos de fundos privados para transformar a pesquisa que está a ser feita em produtos e soluções que possam dar resposta a estes problemas levantados pelas alterações climáticas. Não podemos ter apenas fundos públicos a financiar o desenvolvimento de novas tecnologias", concluiu Stephen Morais.
O padrão das políticas públicas
Para Justin Wilkes, diretor executivo do ECOS – Environmental Coalition on Standards, as políticas públicas são extremamente necessárias para guiar os mercados livres, de forma a que estes sirvam a sociedade e os consumidores da melhor forma. "No que toca às embalagens, as empresas precisam de normas e diretivas que lhes permitam produzir corretamente e cumprir o necessário para ir de encontro aos critérios de sustentabilidade. As políticas públicas têm de ser usadas para guiar o mercado. A economia circular não é, nem pode ser, um fim em si mesma, deve servir para garantir a sustentabilidade".
Managing General Partner da Indico Capital Partners
Regulação que, como aponta Eero Yrjö-Koskinen, tem de ser atualizada, uma vez que há muitas discrepâncias na forma como é aplicada pelos vários Estados membros, estando sujeita a interpretação. "É preciso que os Estados membros que estão a ficar para trás na implementação destas novas regras usem amplamente os fundos disponíveis para que possam acelerar e juntar-se ao grupo que lidera na aplicação da legislação europeia".
Melhorar na reciclagem total
Mas serão as embalagens assim tão relevantes para responder à emergência climática, questiona Luísa Schmidt. "Sim, porque 40% dos plásticos usados na UE e 50% do papel vão para as embalagens. É extremamente importante que a reciclagem destes materiais melhore e eventualmente consigamos atingir a reciclagem total", respondeu o diretor executivo do IEEP.
Mas será a reciclagem um setor interessante e atraente do ponto de vista do investimento? voltou a questionar a investigadora. "Absolutamente. Quando olhamos para oportunidades de investimento queremos ver novas soluções, que sejam melhores que quaisquer outras, em mercados com grande potencial. E o mercado da reciclagem é bastante grande. Costuma-se dizer que quando há uma necessidade, há uma solução a ser criada. Os capitais privados podem ser uma solução para problemas públicos ou para tragédias públicas, como é a emergência climática. Há aqui uma grande oportunidade de mercado. E também uma obrigação para se investir nesta área. Não há outra forma de responder a esta crise", afirma Stephan Morais, salientando que as soluções verdes não implicam menores lucros. "Se há quem esteja disposto a pagar, como é o caso, o lucro é o mesmo. Os investidores globais querem soluções verdes, não só por serem a escolha certa mas porque são um bom negócio".
Além disso, e com os olhos postos no futuro, o responsável da Indico Capital Partners conclui: "Há muitos empreendedores ligados à ciência e à engenharia que fazem parte de uma geração em que os temas da sustentabilidade e da emergência climática estão no topo das suas preocupações. E portanto o seu trabalho tem esses temas como foco. Assim surgirem novas soluções, e que houver necessidade no mercado dessas soluções, o dinheiro irá chegar. É preciso investir no talento. A ciência e os cientistas são a resposta para os desafios colocados pelas alterações climáticas".