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Entre o sonho e a realidade

Philip K. Dick foi um dos maiores visionários do século XX. E o seu mundo não se resume à obra que deu origem a “Blade Runner”. Como se pode perceber neste livro da década de 60.

13 de Janeiro de 2018 às 09:30
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Philip K. Dick
Os três estigmas de Palmer Eldritch
Relógio D'Água,
227 páginas, 2017

Numa terra de finais do século XXI, o calor é abrasador. Ninguém consegue estar ao sol depois das primeiras horas da manhã. Há colónias em diversos planetas, mas aí só é possível sobreviver através de uma droga, a Can-D, que permite sonhar. Num mundo controlado pela ONU, um empresário vende a droga que permite essa pretensa felicidade, como o messias. Mas é então que surge um concorrente inesperado, Palmer Eldritch, com uma droga nova e mais poderosa, a Chew-Z.

É neste complexo mundo, onde a ficção permite ultrapassar os condicionalismos da realidade, que se cruza esse empresário de dentes metálicos, Palmer Eldritch - que consegue controlar os utilizadores num mundo ilusório onde é omnipresente e omnipotente como um Deus - e um funcionário com poderes de leitura do futuro, Barney Mayerson. O dilema vai colocar-se de forma trágica: Barney percebe que só poderá acabar com o esquema de Eldritch se sacrificar a sua própria vida.

Em Marte, Mayerson, refugiado e ao serviço do seu patrão Leo (o empresário que vende miniaturas que funcionam como o isco da droga Can-D), percebe que a humanidade não poderá ser redimida por Deus e que o próprio homem não merece a redenção. Esta é a fase em que Philip K. Dick parece ter desistido de criar livros onde há alguma esperança. Aqui, Barney Mayerson está refém da criação: "Ou é isto ou o vazio."

O que aqui encontramos, num daqueles livros que talvez seja dos mais incompreendidos de Philip K. Dick, é que ele busca as fronteiras da moralidade, algo que terá muito de autobiográfico. Funcionará também como um divã da sua vida pessoal - basta olhar para a relação de Mayerson com as diferentes mulheres que julga amar.

Por outro lado, parece estarmos a ver aquilo que se desenvolve nos nossos dias: no meio das tormentas (o fim do sonho de uma vida futura melhor, o aquecimento global, a descrença na política, as elites cada vez mais poderosas e longe da realidade), os homens procuram soluções que os divirtam. Pense-se na relação da droga aqui utilizada em fantasias comunais à volta da droga Can-D e bonecos Perky Pat (como se fossem Barbie e Ken) com o que sucede hoje com os telemóveis.

A função de Barney Mayerson, como funcionário da empresa do ganancioso empresário Leo Bulero, é identificar objectos que possam ser populares, devido aos seus poderes cognitivos, para que possam ser colocados no mercado como acessórios. Perky Pat. Mayerson divorciou-se da sua mulher Emily para manter a sua posição na Perky Pat Inc, e a culpa dessa decisão (e de ter levado a que ela abortasse do seu primeiro filho) persegue-o. As suas emoções são erráticas e tenta mesmo sabotar as possibilidades artísticas da sua ex-mulher.

A maior parte do livro leva-nos a um Mayerson que tenta sempre redimir-se das suas actuações no passado. E atira-nos para o dilema de que os alucinogénicos e a religião nos colocam: a realidade é inferida, mas nunca percebida totalmente. E fica sempre num território cinzento, no meio entre as duas realidades ou sonhos.



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