Notícia
Entre o sonho e a realidade
Philip K. Dick foi um dos maiores visionários do século XX. E o seu mundo não se resume à obra que deu origem a “Blade Runner”. Como se pode perceber neste livro da década de 60.
Philip K. Dick
Os três estigmas de Palmer Eldritch
Relógio D'Água,
227 páginas, 2017
Numa terra de finais do século XXI, o calor é abrasador. Ninguém consegue estar ao sol depois das primeiras horas da manhã. Há colónias em diversos planetas, mas aí só é possível sobreviver através de uma droga, a Can-D, que permite sonhar. Num mundo controlado pela ONU, um empresário vende a droga que permite essa pretensa felicidade, como o messias. Mas é então que surge um concorrente inesperado, Palmer Eldritch, com uma droga nova e mais poderosa, a Chew-Z.
É neste complexo mundo, onde a ficção permite ultrapassar os condicionalismos da realidade, que se cruza esse empresário de dentes metálicos, Palmer Eldritch - que consegue controlar os utilizadores num mundo ilusório onde é omnipresente e omnipotente como um Deus - e um funcionário com poderes de leitura do futuro, Barney Mayerson. O dilema vai colocar-se de forma trágica: Barney percebe que só poderá acabar com o esquema de Eldritch se sacrificar a sua própria vida.
Em Marte, Mayerson, refugiado e ao serviço do seu patrão Leo (o empresário que vende miniaturas que funcionam como o isco da droga Can-D), percebe que a humanidade não poderá ser redimida por Deus e que o próprio homem não merece a redenção. Esta é a fase em que Philip K. Dick parece ter desistido de criar livros onde há alguma esperança. Aqui, Barney Mayerson está refém da criação: "Ou é isto ou o vazio."
O que aqui encontramos, num daqueles livros que talvez seja dos mais incompreendidos de Philip K. Dick, é que ele busca as fronteiras da moralidade, algo que terá muito de autobiográfico. Funcionará também como um divã da sua vida pessoal - basta olhar para a relação de Mayerson com as diferentes mulheres que julga amar.
Por outro lado, parece estarmos a ver aquilo que se desenvolve nos nossos dias: no meio das tormentas (o fim do sonho de uma vida futura melhor, o aquecimento global, a descrença na política, as elites cada vez mais poderosas e longe da realidade), os homens procuram soluções que os divirtam. Pense-se na relação da droga aqui utilizada em fantasias comunais à volta da droga Can-D e bonecos Perky Pat (como se fossem Barbie e Ken) com o que sucede hoje com os telemóveis.
A função de Barney Mayerson, como funcionário da empresa do ganancioso empresário Leo Bulero, é identificar objectos que possam ser populares, devido aos seus poderes cognitivos, para que possam ser colocados no mercado como acessórios. Perky Pat. Mayerson divorciou-se da sua mulher Emily para manter a sua posição na Perky Pat Inc, e a culpa dessa decisão (e de ter levado a que ela abortasse do seu primeiro filho) persegue-o. As suas emoções são erráticas e tenta mesmo sabotar as possibilidades artísticas da sua ex-mulher.
A maior parte do livro leva-nos a um Mayerson que tenta sempre redimir-se das suas actuações no passado. E atira-nos para o dilema de que os alucinogénicos e a religião nos colocam: a realidade é inferida, mas nunca percebida totalmente. E fica sempre num território cinzento, no meio entre as duas realidades ou sonhos.
Os três estigmas de Palmer Eldritch
Relógio D'Água,
227 páginas, 2017
Numa terra de finais do século XXI, o calor é abrasador. Ninguém consegue estar ao sol depois das primeiras horas da manhã. Há colónias em diversos planetas, mas aí só é possível sobreviver através de uma droga, a Can-D, que permite sonhar. Num mundo controlado pela ONU, um empresário vende a droga que permite essa pretensa felicidade, como o messias. Mas é então que surge um concorrente inesperado, Palmer Eldritch, com uma droga nova e mais poderosa, a Chew-Z.
Em Marte, Mayerson, refugiado e ao serviço do seu patrão Leo (o empresário que vende miniaturas que funcionam como o isco da droga Can-D), percebe que a humanidade não poderá ser redimida por Deus e que o próprio homem não merece a redenção. Esta é a fase em que Philip K. Dick parece ter desistido de criar livros onde há alguma esperança. Aqui, Barney Mayerson está refém da criação: "Ou é isto ou o vazio."
O que aqui encontramos, num daqueles livros que talvez seja dos mais incompreendidos de Philip K. Dick, é que ele busca as fronteiras da moralidade, algo que terá muito de autobiográfico. Funcionará também como um divã da sua vida pessoal - basta olhar para a relação de Mayerson com as diferentes mulheres que julga amar.
Por outro lado, parece estarmos a ver aquilo que se desenvolve nos nossos dias: no meio das tormentas (o fim do sonho de uma vida futura melhor, o aquecimento global, a descrença na política, as elites cada vez mais poderosas e longe da realidade), os homens procuram soluções que os divirtam. Pense-se na relação da droga aqui utilizada em fantasias comunais à volta da droga Can-D e bonecos Perky Pat (como se fossem Barbie e Ken) com o que sucede hoje com os telemóveis.
A função de Barney Mayerson, como funcionário da empresa do ganancioso empresário Leo Bulero, é identificar objectos que possam ser populares, devido aos seus poderes cognitivos, para que possam ser colocados no mercado como acessórios. Perky Pat. Mayerson divorciou-se da sua mulher Emily para manter a sua posição na Perky Pat Inc, e a culpa dessa decisão (e de ter levado a que ela abortasse do seu primeiro filho) persegue-o. As suas emoções são erráticas e tenta mesmo sabotar as possibilidades artísticas da sua ex-mulher.
A maior parte do livro leva-nos a um Mayerson que tenta sempre redimir-se das suas actuações no passado. E atira-nos para o dilema de que os alucinogénicos e a religião nos colocam: a realidade é inferida, mas nunca percebida totalmente. E fica sempre num território cinzento, no meio entre as duas realidades ou sonhos.