Notícia
A violência do Islão segundo Adonis
Uma das vozes maiores da cultura árabe reflecte, neste livro contundente, sobre as origens da violência do Islão, a repressão das mulheres e o previsível fracasso da Primavera Árabe.
Adonis, "Violência e Islão" Porto Editora, 190 páginas, 2016
Adonis, nascido na Síria em 1930 sob o nome de Ali Ahmed Said Esber, é um dos grandes nomes da cultura árabe. E talvez o grande poeta vivo dessa cultura. Desde a juventude que foi desfilando a sua integridade nómada entre diferentes exílios. Apaixonado pela língua árabe foi um militante do Partido Nacionalista Sírio, uma formação laica que defendia a criação de uma "Grande Síria", que englobaria Chipre e a Península do Sinai. Preso, tem de se exilar em Beirute a partir de 1955 e, mais tarde, acaba por ir viver para França.
Adonis realça a violência sistemática sobre as mulheres, algo que percorre todo o livro. Nesse aspecto é demolidor: "Não existem problemáticas árabes porque o Islão dominou a visão do mundo árabe. O muçulmano vê o mundo através da visão islâmica, que é antiga e fechada. O Islão não precisa do mundo, nem do outro, nem da cultura, visto que é a cultura absoluta. Permanece inalterado, e isto até ao fim dos tempos." Isto porque, acrescenta: "O Islão cresceu no seio de uma cultura tribal baseada no comércio e no poder. (…) De facto, foi o poder que transformou tudo. O Islão nasceu num lugar de comércio: Meca. Essa sociedade de comerciantes tinha necessidade de um único dirigente para fazer triunfar o espírito mercantil. Era uma sociedade que desejava unir as tribos sob o estandarte de um poder único."
A essência do Islão está aqui e por isso foi incapaz de se adaptar à modernidade e à democracia, já que estava bloqueada pela essência da lei religiosa. Talvez por isso, quando muitos falaram dos novos tempos da Primavera Árabe, Adonis viu sempre nela o regresso ao período mais sinistro e tenebroso do passado. Diz: "E, em vez de uma mudança portadora de esperança, vivemos um autêntico desastre. E ainda por cima não há uma palavra sobre a liberdade da mulher. Será possível falar de uma revolução árabe se a mulher continua prisioneira da xaria? O recurso à religião transformou essa primavera num inferno. Esta última foi interpretada e utilizada para fins ideológicos." Por isso, ele acha que não há um Islão verdadeiro e outro falso: há um único e é a fonte de tudo o que está a acontecer.
Para ele o Corão é um texto extremamente violento, até porque apenas pede ao indivíduo que o siga sem o questionar. Para Adonis percebe-se assim perfeitamente a lógica do Daesh, já que o Islão foi fundado na lógica do espírito de tribo, de conquistas e do poder do dinheiro. O Daesh segue estes princípios porque o Islão segue um princípio de domínio em vez do conhecimento do homem. E isso só se consegue através da submissão e do afastamento de todos os que se interrogam sobre a sociedade ou o poder. E aí a mulher, encarnação do desejo, tem de ser dominada e submetida.
Adonis tem um sonho: "A minha esperança é que o Daesh seja o último estertor desse Islão. Como uma vela que, nos últimos instantes, tem um sobressalto antes de se extinguir. (…) Os árabes devoram-se uns aos outros." São estas reflexões contundentes que fazem deste livro uma grande obra de reflexão.