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Etnografia: O que documenta Tiago Pereira

Um trabalho fantástico, de identificação e visibilidade da música tradicional portuguesa, mostra aos investidores que existem vários domínios que podem apoiar com sabedoria.

28 de Janeiro de 2017 às 10:15
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Há que ter a exacta noção da grandiosidade comovente do projecto do jovem Tiago Pereira e saudá-lo com a devoção que merece. Depois de alguns documentários, de uma série televisiva, de vários acontecimentos musicais, e de mil e uma outras manifestações, o jovem Pereira reuniu, e vai reunindo, toda a pesquisa que fez, e irá continuar a fazer, na morada digital aberta http://amusicaportuguesaagostardelapropria.org

O trabalho de Tiago Pereira tem vindo a ser comparado ao de Michel Giacometti, outro grande andarilho que, a partir de 1959, andou pelos trilhos nacionais a registar os nossos sons genuínos. Mas creio que será de lhe dar ainda mais reconhecimento, e o estatuto de etnografia maior, à semelhança das etnografias que realizaram Dias, Vasconcelos e outros.

De facto, é importante não perdermos de vista que o fim maior de Pereira e o da sua equipa é o de "criar uma consciencialização para o conhecimento e importância de um património vivo e muitas vezes esquecido de tradição oral, cantigas, romances, contos, práticas sacro-profanas, músicas, danças e também gastronomia. Esta consciencialização, que é essencialmente um mecanismo de alfabetização da memória, lembra-nos de que é urgente documentar, gravar e reutilizar fragmentos da memória de um povo".

Com este objectivo, estiveram já nos mais variados recantos de 28 distritos e ilhas, concretizaram 1621 projectos de gravação visual e oral, registaram 5125 instrumentos e milhares de histórias, canções e sons, de que foram feitos, até ao momento, 2522 vídeos. Impressionante é uma classificação modesta.

Existem várias coisas que assaltam imediatamente o olhar e a mente quando se percorre a morada digital. A primeira é a do profundo fosso que existe entre a música da maioria, assente nas formas dominantes globais, e a música da periferia portuguesa, não apenas ouvida mas principalmente só conhecida por minorias. Porque é que algumas culturas, como a do Mali, conseguiram transformar música de periferia em música global, e nós ainda não, com a excepção do fado e de algum cante? É uma questão que merece resposta.

A segunda questão é a de que todo este património está em vias de extinção, por proximidade da morte dos mestres e executantes, por falta de transmissão do conhecimento, por falta de edição, por falta de público. É mais um crime nacional, como outros que temos vindo a anotar neste escrito. Por outras palavras, é tempo de os investidores fazerem o seu trabalho.

Como investir em música tradicional

A boa notícia é que existem inúmeros modos de um investidor interessado na música tradicional portuguesa fazer o seu papel. Apoiar o trabalho de Tiago Pereira e de outros é um bom começo, porque a visibilidade gera reconhecimento, que por vezes gera acção. Um segundo modo é financiar a edição de música, porque a descoberta e a audição geram públicos, que se reproduzem.

Um dos modos mais importantes é criar museus para os instrumentos, mas também apoiar cursos que ensinem novos artesãos. Finalmente, a edição de cancioneiros e outro tipo de publicações é muito importante. 




*Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.

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