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Vivemos entre acusações e proclamações. Os reveses não serão definitivos nem os sucessos eternos, palavras presidenciais tão óbvias como desafiadoras. Há corridas e viagens com sinal de partida enquanto acertam contas com um passado estranhamente incerto. Esperanças com pouca acção.

António José Teixeira 13 de Outubro de 2017 às 13:00
desconforto. José Sócrates foi acusado de 31 crimes: corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais. É a primeira vez que um ex-primeiro-ministro português é acusado de delitos tão graves. Dos indícios e das suspeitas, da investigação e do inquérito, passámos à formalização de uma acusação, algo mais objectivo que necessita, porém, de ser provado e submetido a contraditório da defesa. Justiça, afinal. Mesmo tendo em conta a lentidão e os processos menos lineares, estamos perante um caso que nos obriga a um escrutínio exigente. Provem-se (ou não) acusações tão pesadas, pouco ficará como dantes na política e na justiça. O tempo que falta até ao final do processo porventura dissolverá o seu impacte. Mas o que aqui está em jogo põe à prova o estado de direito e a democracia. Talvez por isso, ao ser conhecida a acusação, o líder parlamentar do PS tenha dito que é "desconfortável" para os portugueses que esteja em causa um antigo primeiro-ministro. 

ppd/psd. Está de regresso o homem que mais gritou pelo PPD/PSD. O partido, fundado em 1974 por Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, começou por chamar-se Partido Popular Democrático. Dois anos depois, mudou para Partido Social Democrata. Sá Carneiro quis filiá-lo na Internacional Socialista (associação de partidos social democratas), mas Mário Soares bloqueou-o. Afirmar-se do PPD/PSD era reivindicar o legado político de Sá Carneiro, uma antiguidade precursora, uma nostalgia do espírito liberal dos fundadores. Nada de ideologicamente muito nítido, mas talvez próximo da mescla social em que se enraizou o partido. Um partido popular, transversal, feito de pequenos proprietários, comerciantes, funcionários públicos… O PSD é o mesmo partido. Não há uma clivagem clara, até porque mudou de nome muito cedo. A recuperação da sigla inicial serve sobretudo para convocar memórias e emoções passadas. Pedro Santana Lopes volta a reclamar-se do PPD para se distinguir de Rui Rio. O PPD mais liberal, mais à direita. O PSD mais social democrata, mais à esquerda. Não é por acaso que Santana Lopes sublinha que não é de esquerda e que não quer um bloco central. PPD/PSD? Ou PPD contra o PSD? Regresso ao passado? 

agir. "É hora de agir", proclama Rui Rio, candidato à liderança do PSD, depois de Pedro Passos Coelho ter concluído que não tinha condições para continuar. Agir é fazer, realizar, pressupõe ser consequência de um pensamento, de um debate, de uma escolha. Por enquanto, compete aos candidatos apresentarem-se e dizerem ao que vêm. É verdade que Rio pensa há muito neste desafio. Preparou-se, fez contactos, fez rede, fez críticas e revelou algum pensamento, contudo insuficiente para se perceber por onde quer ir e levar os militantes e simpatizantes do PSD. Não basta dizer que o PSD não é de direita ou muleta de poder. Agir é o contrário de ficar à espera de um qualquer diabo. Agir significa que se pode contrariar a velha máxima de que o poder se perde, não se ganha. Rui Rio quer mudar a agulha, mas convém que, antes de agir, o PSD pense e discuta os roteiros que lhe propõem. Ser mais social-democrata do que o PS? Que posicionamento na União Europeia? Que papel do Estado? Que fará o PSD melhor do que o PS?... Pensar, e só depois agir. 

reveses. Do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa no 5 de Outubro ficou a ecoar uma frase: "Não há sucessos eternos nem reveses definitivos". O dito rivaliza com o adágio: "Não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe". E serve para sublinhar uma evidência. Os que ganharam, os que cresceram, não estão livres de perder; os que foram derrotados, não estão condenados por um qualquer destino. O consolo presidencial aos reveses da fortuna será um estímulo para a construção de uma alternativa à governação, preferível - disse Marcelo - às "ambiguidades diluidoras". O novo ciclo político pós-autárquicas abre novos cenários não mais arriscados do que os que se colocaram na primeira parte da legislatura, quando se levantaram todas as desconfianças, internas e externas. Agora, vem aí uma direita renovada e uma esquerda mais calculista. Sem fatalidades, como nestes dois anos, Marcelo Rebelo de Sousa continuará a ter de ser o equilibrador do sistema. Para já, garante o Presidente, o Orçamento do Estado não trará "solavancos nem crises". Depois logo veremos. 

catalexit. A Catalunha está num impasse. A Espanha está num impasse. A declaração de independência da Catalunha, logo auto-suspensa, é uma declaração política com significado. Está ferida de Direito, mas nem por isso deixa de ser relevante, no sentido em que confirma o conflito duro e aberto de duas legitimidades: a de uma parte significativa (e com representação) da Catalunha e a do Estado espanhol. É um conflito inabalável em que não se vislumbra recuo. Carles Puigdemont, o presidente da Generalitat, proclamou e suspendeu a República da Catalunha. Não deixa de estar proclamada, mesmo que suspensa do diálogo. Mas a suspensão não agrada a alguns dos aliados de Puigdemont, que já o acusaram de traidor. Nem sequer ao governo espanhol. O impasse corrói a Catalunha e a Espanha. Instabiliza a sociedade e a economia. Agita os demónios nacionalistas e o sonho europeu. Do Brexit para o Catalexit. Não tardarão as convocatórias de eleições em Espanha e na Catalunha. 

cidade. Estreou em Junho, volta agora após um interregno. "Toda a Cidade Ardia" é uma peça de Marta Dias, baseada em poemas de Alice Vieira. Peça rara. Desde logo porque parte da vida de uma mulher cheia de vida, de palavras e de sonhos, uma mulher dos nossos dias. Mas também porque, falando da Alice ou do Mário, fala de nós, dos amores e das perdas, de memórias e esperanças, do Maio de 68 ao 25 de Abril. É raro assistirmos a uma dramaturgia com a sua referência central sentada ao nosso lado. Jornalista e escritora, Alice Vieira tem dezenas de obras publicadas, sejam de literatura infanto-juvenil, contos, romances, crónicas ou de poesia. Uma história de muitas histórias em que nos podemos rever e projectar. No Teatro Aberto, em Lisboa.


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