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Folha de assentos

Este fim-de-semana vamos a votos. São escolhas locais, mas que permitem perceberforças e fraquezas a meio da legislatura. Enquanto a economia recupera, a política revela novas dificuldades. É preciso audácia para enfrentar as tormentas.

António José Teixeira 29 de Setembro de 2017 às 13:00
tormento. A campanha autárquica tem centenas de embates locais, mas ganhou evidência pelo contorno nacional que os líderes partidários lhe deram. As autárquicas acontecem a meio da legislatura e servem também para avaliar a governação e a oposição. Vários cartões amarelos passaram e chegou a demitir-se um primeiro-ministro: António Guterres. Não será agora o caso de António Costa. Os ventos sopram de feição, a economia ajuda (e muito) e a oposição não tem argumentos para grandes feitos. Passos Coelho está em campanha para renovar a sua liderança do PSD. Por estranho que seja, um mau resultado no domingo pode não chegar para o apear, mas não serão fáceis as semanas que faltam até ao congresso do partido. Assunção Cristas procura um novo alento. Descolou do PSD e dos tempos da anterior governação, ganhou iniciativa. O PS terá razões para estar confiante. Veremos como saem os seus parceiros deste embate. Faltam poucos dias para o Governo apresentar o Orçamento e uma onda de greves está no horizonte. Não é fácil governar. Por vezes, é um "tormento", como confessava esta semana o secretário de Estado da Saúde. 

jamaica. Ganhando, Angela Merkel perdeu muito terreno. Ainda assim, fez questão de deixar claro que pode formar governo e que ninguém poderá formar governo contra ela. Bateu à porta de liberais e verdes para encontrar uma solução política maioritária. Será muito difícil chegar à coligação Jamaica, tais as contradições quanto à Europa ou à Defesa. Merkel poderá também governar sozinha com apoios parlamentares. Não são de excluir geometrias variáveis que assegurem governabilidade. Em qualquer caso, teremos uma chanceler com menor margem de manobra interna e externa. Já se antevê mais paralisia política, menos ousadia europeia, quando se precisava tanto dela. Os parceiros sociais-democratas perderam copiosamente porque hipotecaram diferença e alternativa. O SPD confundiu-se com a CDU. A Alemanha ganhou estabilidade ao mesmo tempo que perdia afeição política. O centro recuou como há muito não se via. Os sociais-democratas tinham de perder para ambicionarem ganhar no futuro. Mas Merkel fará tudo para os cativar de novo. 

secretas. O país político agitou-se por causa de um "documento secreto", atribuído a "serviços de informações militares". O tema era o desaparecimento de armas e munições dos paióis de Tancos. Os destinatários terão sido a Unidade Nacional de Contraterrorismo, da Polícia Judiciária, e os Serviços de Informações e Segurança. O "documento secreto" não é inocente. Muita imaginação para pouca utilidade. Os culpados vão da Máfia ao Daesh, passando pelos seguranças da noite do Porto… Mas, admitem, pode não ter havido assalto! Quem se riu do ministro pode continuar… Quem o escreveu e divulgou sabe que não será responsabilizado. Sabe que é inútil para a descoberta dos responsáveis, embora faça um esforço curioso para espalhar pistas. O mais importante a retirar do relatório, que foi lido sem sentido crítico, é que há um objectivo claramente político: militares sem rosto a criticar o seu chefe e o Governo da República. O resto é nevoeiro para dissimular responsabilidades. Será que este relatório também é uma "encenação", como se diz que pode ter sido o "assalto"? Será que precisamos de militares para o comentário político, mas que não sabem guardar paióis? Afinal, quem assaltou Tancos? 

audácia. Emmanuel Macron foi eleito com um discurso de forte convicção europeia. Esta semana foi à Sorbonne pugnar por iniciativa. Durante uma hora e meia desfiou ideias e ambição. Do alargamento da taxa sobre as transacções financeiras ao ministro das Finanças da Zona Euro, da força comum de defesa à imigração, do digital à inovação, das listas transnacionais para o Parlamento Europeu ao envolvimento da juventude, contrapôs audácia ao degelo europeu. Propostas que merecem ser ponderadas, mas que dificilmente encontrarão eco em boa parte dos Estados-membros, mais preocupados consigo próprios do que com partilhas de soberania. Macron volta a falar numa Europa a várias velocidades, que já existe, e que poderá permitir outros avanços. Há urgências flagrantes nas políticas de imigração, no reforço do orçamento comunitário, no reforço da segurança face ao terrorismo. Merkel precisava de um reformador europeísta em França e ele apareceu. Macron precisava de uma chanceler politicamente reforçada e ela não surgiu. O discurso audaz de Macron fica à espera que Merkel vença a inércia alemã. 

raio. O centrão desguarneceu muitas das suas hostes e atraiu um raio ao Bundestag: a Alternativa para a Alemanha, um partido contraditório de extrema-direita, xenófobo e com traços nazis. Terceiro partido nacional, segundo na antiga RDA, a região mais pobre, despovoada e menos competitiva, a AfD é a pedra de toque para a dignidade alemã. Prova de que se instalou um vazio, um desconforto, um receio do outro, uma disponibilidade para convocar velhos demónios. Borges diz que os alemães são grandes soldados enquanto crêem na possibilidade da vitória, mas parecem incapazes de lutar por uma causa perdida. Passado e presente atravessam-se na encruzilhada europeia. Uma Alemanha enfraquecida e céptica é uma má notícia para a Europa. As forças desagregadoras ganham espaço quando se esperava ambição e um novo alento. 

carrilho. André Carrilho é um virtuoso em expressões várias: no cartoon de imprensa ou animado, no desenho, na ilustração. Um dos nossos melhores. O seu traço e a sua leitura do mundo são reconhecidos em todo o mundo. Ganhou prémios importantes e um espaço próprio de observação e opinião. Nos últimos anos, o desenho à vista documenta as suas deambulações a oriente e ocidente, por cá, e também pelo seu círculo mais próximo. Há três anos, "foi ali ao Cabo das Tormentas ver se encontrava Boa Esperança" e publicou um livro: "Inércia". Continuou a desenhar. E agora mostra-nos esses desenhos no n.º 40 da Rua da Horta Seca, em Lisboa. Vale a pena dar uma olhada e perceber o "Atrito", assim se chama a exposição de André Carrilho. 


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