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Uma semana consumida pelo fogo com Portugal ao lume. O País arde. Arde muito, como se fosse inevitável, incapaz de evitar a morte de tantos dos seus. Falhou o Estado. Falhámos nós. Não é inevitável.

António José Teixeira 23 de Junho de 2017 às 19:00
estrada. Chamam-lhe "da morte". Em poucas centenas de metros o fogo matou mais de quatro dezenas de pessoas. Não era inevitável, mesmo que vários incidentes extraordinários se tenham conjugado. Não era inevitável, mesmo que os fenómenos atmosféricos sejam indomáveis. Não era inevitável, porque não podemos aceitar a incapacidade manifesta de protecção das pessoas. Não era inevitável, porque perante um tão grande incêndio nem sequer conseguimos bloquear a circulação de pessoas e veículos. Não era inevitável, porque não fizemos tudo ao nosso alcance para prevenir a tragédia. Plantámos árvores em cima da estrada nacional 236, esquecemos que a estrada deve ser ela própria corta-fogo e não um túnel de fogo. Quantas estradas da morte estão por aí, cercadas de mato e arvoredo?

fogo. Chamam-lhe um desprendimento de calor e luz. A combustão queima, devora e mata. Paradoxalmente, ou não, simboliza a purificação e a regeneração. Há ritos de purificação pelo fogo de longa memória. Aos incêndios dos campos sucedem revestimentos verdes. Também há fogo enquanto símbolo demoníaco. Um inferno que queima sem desfazer, que sufoca e castiga sem redenção. Na doutrina hindu o fogo é um elemento central. Fogo de absorção e destruição. Fogo de deslumbramento, purificação e morte. O fogo que nos assola e invade arrasa de cinza a floresta e os animais. Tem pouco de doutrinário, religioso ou espiritual. Talvez seja um rito, tal a sua repetição. Tem direito a época, mesmo que não a respeite. É tão brutal como inesperado. O fogo mata sem piedade, sobretudo quando a incúria lhe abre as portas. Portugal está ao lume. Arde. Muito. Como se fosse inevitável.

responsabilidade. Porque é que Portugal arde? De quem é a culpa? Dos incendiários. Quem são os pirómanos? Os raios das trovoadas secas? O aquecimento global? O eucalipto e o pinheiro-bravo? O desordenamento florestal? A fragmentação imparável da propriedade? A falta de cadastro da propriedade? O desleixo dos homens? Os políticos? Resposta fácil: todos. E decerto mais alguns. Resposta séria: todos. E mais uns do que outros. Ano após ano, década após década – está tudo estudado –, protelamos o cumprimento das regras básicas existentes. Nem vale a pena falar de uma estratégia que resista à proclamação fácil: ‘No próximo ano é que é!’. O básico da limpeza da mata ou das margens das estradas e do perímetro à volta das casas está longe de adquirido. Tal como a segurança dos homens. O que se lamenta no Verão esquece-se no Inverno. E nem tudo renasce das cinzas. Os homens e a floresta justificam a necessidade da política. Importam-se de fazer da política uma responsabilidade de defesa do Homem no seu território?

repentino. "Foi tudo muito repentino", diz o primeiro-ministro citando a GNR. O repentino dura muitas horas, dias, meses, anos, décadas. O repentino significa que em 35 anos ardeu o equivalente a um terço do território. Os governos duram quatro anos, e nem todos. Escapa-lhes a longa duração do território e das suas gentes. Semeiam pouco. Não são apenas os governos. Somos todos nós. 98% da floresta é privada. Boa parte está abandonada. Mesmo desordenada, o valor da floresta na riqueza nacional é muito significativo. E como estamos aquém do produto necessário ao nosso bem-estar convinha que olhássemos para a floresta com outros olhos, sobretudo quando parte significativa do território se despovoa. Ordenar e gerir a floresta à medida da nossa geografia, diversificando espécies adequadas ao nosso clima, é a melhor resposta à tragédia que nos enluta e a melhor prevenção dos fogos "repentinos".

confusão. "Meti-nos nesta confusão, vou tirar-vos dela." As palavras são de Theresa May, depois de o seu partido ter perdido a maioria absoluta que a apoiava no Parlamento. Com as tragédias do fogo e do terror, que consumiram uma torre em Londres e alimentaram o medo, a fragilidade política britânica tornou-se mais evidente. Esta semana iniciou-se a negociação do Brexit e são muitos, à direita e à esquerda, os que receiam o desastre do Reino Unido. May e seus pares arriscam-se a sair da União Europeia sem um acordo. Ficar de fora do mercado único e da união aduaneira assusta muitos empresários. Com outras lideranças porventura haveria capacidade política para reverter o Brexit. Não se vislumbra convicção na saída. Só o orgulho e a fraqueza política mantêm a teimosia, que pode custar caro ao Reino Unido, também ele em risco de se desunir. A confusão é grande. Theresa May agravou-a. 

igualdade. É possível? E é desejável? Onde nos trouxe a luta pela igualdade? As perguntas são de sempre e ganharam uma ênfase particular no pensamento contemporâneo. Este o tema central do mais recente número da revista XXI Ter Opinião, da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Platão e Aristóteles consideravam a desigualdade natural e desejável. A referência serve de ponto de partida para quatro convicções da directora Bárbara Reis: "1 - Quando falamos de igualdade, é melhor decidirmos primeiro sobre o que vamos falar. 2 - A desigualdade prejudica o funcionamento das regras de competição democrática. 3 - Em vez de ‘quotas’, devíamos falar em ‘paridade’. 4 - É possível – e mais fácil do que parece – fazer correcções significativas na desigualdade contemporânea." A ler. Para ter opinião.
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