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No registo dos dias, sobretudo das quintas-feiras, assinala-se o regresso de Cavaco Silva, empenhado num acerto de contas com a História. Memórias inestimáveis de um homem de finanças, transbordante de autoestima. Outro homem de finanças, Mário Centeno, deixou-se enredar em "erros de percepção".

17 de Fevereiro de 2017 às 13:00
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inestimável. Que não se pode estimar ou avaliar; incalculável, inapreciável; que se tem em grande estima ou apreço. Recorro ao Aurélio para destapar o adjectivo com que Cavaco Silva se congratula do seu magistério presidencial. Memórias em livro, lançadas esta semana, que avivam os 10 anos de Presidente da República, sobretudo os que partilhou com o primeiro-ministro José Sócrates. Seja, ou não, um acerto de contas, saúde-se o testemunho e a partilha de informação, fundamental para a interpretação do tempo político. E sublinhe-se o registo típico de um político com uma grande autoestima. Cavaco levou-se sempre em grande conta e por isso não espanta que se repitam, com poucas páginas de intervalo, auto-elogios aos seus "hábitos de rigor e de trabalho", contrapostos às fragilidades de Mário Soares, José Sócrates ou Passos Coelho. A impopularidade com que terminou os seus mandatos de primeiro-ministro e de Presidente da República não o incomoda, ciente que está de ter "prestado um inestimável serviço à democracia"…

américa. Tomar consciência de que Donald Trump é, e será, o Presidente dos Estados Unidos da América durante quatro anos é um pesadelo, todos os dias desafiador da racionalidade e do que pensávamos ser o adquirido civilizacional. Um presidente ignorante, que desafia as leis e a justiça, que actua como homem de negócios, dos seus negócios, que propaga deliberadamente mentiras, é um perigo incomensurável, tal o poder que está nas suas mãos. Muito do que publicita serve para nos distrair. De que nos distrai? Do desregramento, da desregulação, do alargamento das desigualdades, dos privilégios nos negócios… Numa entrevista a Isabel Lucas, no Público, o escritor Paul Auster olha para os EUA como um país desde sempre dividido. De um lado, os que acreditam que vivem numa sociedade e se responsabilizam uns pelos outros. Do outro, os que acreditam que não têm que se importar com mais ninguém além deles próprios. São estes que se reconhecem em Trump. É por isso que Auster diz: "O futuro da América está em risco e a República está sob assalto."

marine. A França é o próximo palco de um combate em que a vaga populista colocará à prova a resiliência democrática. A campanha presidencial trouxe muitas surpresas e percalços e deixou em campo, até ver, dois candidatos à vitória que não pertencem ao centro político tradicional. Marine Le Pen vem da extrema direita (Frente Nacional) e Emmanuel Macron não tem partido. Macron foi ministro com os socialistas e formou o movimento "A França em Marcha", por enquanto bastante ambíguo. Tem carisma, arrasta jovens e descontentes, à direita e à esquerda. Poucos acreditavam, mas é ele quem pode travar a ascensão de Marine Le Pen ao Eliseu. Pode. Mas está longe de o garantir. A favorita, para já, é o rosto da Frente Nacional. Bem implantada no tecido eleitoral, tem uma mensagem clara, expressa nos "144 compromissos presidenciais": referendo à saída do euro, combate à imigração, proteccionismo económico à maneira de Trump… Mostra convicção e tem sabido aglutinar os frustrados com sucessivas governações. Patriotas contra os adeptos da mundialização. Saberá Macron, que corre por fora do "establishment", mobilizar os desiludidos sem enjeitar a globalização e o projecto europeu? É a grande dúvida e a esperança que resta.

aeroporto. Não vem aí um novo aeroporto de Lisboa, mas a opção por uma estrutura complementar da Portela parece sensata e ajustada às capacidades financeiras e contratuais existentes. No Montijo já há uma base e as acessibilidades a executar serão relativamente simples. Depois de projectos megalómanos, ou pelo menos desajustados aos nossos recursos, o realismo governamental é prudente. Ainda há muitas etapas a ultrapassar para chegarmos ao Montijo, que obrigarão, entretanto, a melhorar a eficácia da Portela, mas desta vez tudo indica que a controvérsia não irá longe. A galinha dos ovos de ouro, que é o turismo, precisa de amparo. 

esquerdas. André Freire é um dos grandes estudiosos da representação política em Portugal. Acaba de publicar um conjunto de ensaios sobre as esquerdas portuguesas, desde o fim da guerra fria até aquilo que classifica como "a queda do Muro de Berlim 26 anos depois em Portugal". O livro chama-se "Para lá da 'Geringonça'" e tem um prefácio de António Costa datado de há poucas semanas. Talvez ainda não refeito da clivagem que o processo do aumento do salário mínimo provocou nos seus parceiros, nem por isso o primeiro-ministro parece menos convicto nas virtudes da chamada "Geringonça". Pelo contrário. Transborda confiança na quebra da "dinâmica assimétrica que favoreceu a governabilidade da direita" nas últimas quatro décadas. E tem resposta para os que lhe apontam as contradições em matérias fundamentais como a Europa. Costa defende, por exemplo, "uma ruptura quanto à urgência e natureza da reforma da União Económica e Monetária". Não chegará para comprometer as esquerdas à sua esquerda, mas é a prova de que o consenso europeu deixou de ser óbvio. Tal como o "arco da governação".

centeno. Os números positivos da economia e das finanças públicas não chegam para apagar a fragilidade política em que se deixou colocar na gestão do caso António Domingues. Mário Centeno foi importante para o programa eleitoral do PS, para a negociação dos acordos com os parceiros à esquerda, para alcançar as metas orçamentais do Governo, mas deixou-se enredar numa teia de "erros de percepção" na contratação de um gestor. Pior, não soube explicar-se com clareza e ficou à mercê da boa vontade do Presidente da República. Todos sabemos que a boa vontade em política é, por natureza, precária. E a ideia expressa de que o Presidente só aceitou o voto de confiança do primeiro-ministro no seu ministro das Finanças "atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira" deixa-o numa posição de enorme fraqueza. Quando Marcelo faz questão de escrever que "a interpretação autêntica das posições do Presidente da República só ao próprio compete" isto é uma censura objectiva a Mário Centeno. Ninguém sai bem deste novelo de equívocos, incluindo o Presidente, sendo certo que a legislação alterada para enquadrar a administração da Caixa não deixa de obrigar - e bem - os gestores a apresentar as suas declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional.


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