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A Operação Influencer poderia ter sido evitada se o lobismo já estivesse regulamentado? Podia não impedir, mas ficava a saber-se quais "os interesses devidos e os indevidos". E hoje não se sabe porque nada está registado. Assim o diz a presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Conselho em Comunicação e Relações Públicas (Apecom) e presidente executiva da Wisdom. Convidada desta semana das "Conversas com CEO" integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, Domingas Carvalhosa, que preside igualmente ao júri do Prémio de Sustentabilidade no pilar Comunicação em Sustentabilidade, diz que não existe alternativa que não a regulamentação do lobismo, já que a perceção de credibilidade dos políticos é cada vez mais baixa e a de corrupção cada vez mais alta. Na sua perspetiva os media estão hoje "muito mais fracos" do que há 30 anos e o jornalismo económico é mais independente do que o político.
Um dos temas que tem marcado o setor é a regulamentação do lobismo. Porque optaram pela autorregulamentação antes de conhecerem os resultados eleitorais?
A regulamentação do lobismo é uma história com mais de 10 anos. O setor quer mais transparência, uma democracia mais participativa, mais forte e um legislador e decisor mais esclarecidos. E isso só é possível com a regulamentação do lobismo. Esta direção [da Apecom] disse que se o Estado não regulamentasse, iríamos criar regras de boas práticas no relacionamento entre entidades privadas e públicas. Saudamos o facto de a maior parte dos partidos, à exceção da CDU e do BE, terem apresentado no seu programa eleitoral a regulamentação do lobismo. Mas achámos que estava na altura de apresentarmos um código que autorregulamentasse o setor para uma maior transparência. E antes das eleições, para não condicionar quem viesse a ganhar.
E a sua expectativa é que agora venha a ser regulamentado?
Não há grande alternativa porque a perceção sobre a credibilidade dos políticos é cada vez mais baixa. A perceção de corrupção em Portugal é cada vez mais alta e para bem da classe política, é bom que se torne a política mais transparente.
A Operação Influencer nunca teria acontecido se o lobismo já estivesse regulamentado? Ou não a iria impedir?
Pode não impedir. Não estou a par de tudo. Eventualmente, alguns passos na Operação Influencer não teriam acontecido, outros sim. Eventualmente, algumas pessoas que, nos meios de comunicação social foram referidas como lobistas, não teriam legitimidade de se registarem como tal, porque trabalhariam com gabinetes do Governo e não teriam condições por incompatibilidade com um conjunto de critérios. Se tiver ligações, se prestar serviços a gabinetes do Governo, não se pode registar como lobista. Mas uma empresa, um investidor, que está a negociar com o Estado um projeto muito útil para o país tem o direito de negociar com o Governo condições que sejam úteis porque há emprego, há investimento. Se a regulamentação do lobismo já existisse hoje saberíamos exatamente quais os interesses devidos e os indevidos. Não sabemos porque nada está registado.
Quais os critérios que gostaria que a regulamentação tivesse?
Uma das coisas que já pedimos é que o registo fosse facilitado, online, gratuito e universal.
E acessível a qualquer tipo de empresa? Por exemplo, os advogados?
[Para] os advogados era fundamental. Vamos ter aí um problema. Era fundamental que a bastonária, de uma vez por todas, explique qual é o posicionamento da Ordem dos Advogados. Dizem que os advogados não fazem lobismo e que, portanto, não precisam de se registar. Não é totalmente assim. Quando estão a desenvolver atos próprios da advocacia, obviamente, não têm de se registar. Mas quando estão a representar interesses, que é o que também fazemos, devem registar-se. É o que acontece na União Europeia, onde há muitos advogados registados, até portugueses, em Bruxelas. Portugal não será diferente dos outros países.
Já falaram com a Ordem?
Não temos de falar com a Ordem porque somos "players". O Estado é que tem de definir.
Quem deve ou não registar-se…
Exatamente. O que não podem dizer é que os advogados não fazem lobismo e é injusto que não possam fazer. Imagine um advogado – e acontece muito – que está num conselho de administração de uma empresa e que, nessa qualidade, vai reunir com um membro do Governo ou com um deputado.
Uma das críticas dos partidos de esquerda é que querem institucionalizar o tráfico de influências. Porque não é assim?
O tráfico de influência não tem nada a ver com o lobismo. É um desconhecimento total, é tentar enviesar uma atividade. Lobismo só tem a ver com comunicação, entre uma entidade privada e uma pública para influenciar uma legislação ou uma decisão administrativa. Não tem qualquer tipo de captura, é troca de informação.
Não há aqui um risco de agravamento da desigualdade de acesso ao poder?
É o contrário. Não havendo a regulamentação do lobismo, quem ganha é quem tem amigos no poder, que é o que acontece agora. Só quem conhece pessoas no Parlamento é que tem acesso.
Mas os partidos não recebem as pessoas que pedem?
Não é de acesso fácil. Se perguntarmos às pessoas na rua se já foram reunir com algum deputado ou se sabem como é, ninguém sabe, ninguém vai. Eventualmente as grandes empresas podem ter uma consultora que as ajuda a pensar numa estratégia. Já acontece com os advogados. Se uma grande empresa tem um escritório de advogados, porque não pode ter uma consultora de lobismo?
Ou seja, facilita o acesso ao poder, não o limitando a quem tem amigos?
Exato. A opacidade é a maior amiga da corrupção e do amiguismo, porque ninguém sabe o que se passa por detrás do pano. É o que acontece hoje. Quando vejo o PCP e o BE dizerem que assim é que é bom, tudo a passar-se por detrás do pano, não consigo perceber.
Outra área das agências de comunicação é a relação com os jornalistas, onde podem existir igualmente riscos éticos. Como têm combatido esses riscos?
Estou nesta profissão há 30 e nunca tive questões com jornalistas. Hoje já não acontece, mas há mais de 20 anos havia clientes que me perguntavam: ‘tem amigos jornalistas?’. E eu dizia: ‘não e nem preciso’. Ou tenho matéria-prima interessante ou não adianta nada. A minha relação com os jornalistas é profissional. E não consigo seguir esse raciocínio dos riscos. Temos acesso a informação que os jornalistas não têm, porque muitos dos nossos clientes têm alguma insegurança em passar algum tipo de informação aos jornalistas e muitas vezes nem sequer sabem onde está aquela que interessa. E conseguimos dar coragem a alguns clientes para fazerem entrevistas que eventualmente não fariam. Mesmo em caso de crises em que eles acham que lhes vão fazer perguntas muito complicadas.
E como tem visto a evolução dos media? Os jornalistas estão cada vez mais dependentes da informação dada pelas agências de comunicação?
Acho que sim, muito mais do que quando comecei, quando vivíamos um tempo em que os media eram fortes. E gosto de trabalhar com medias fortes.
Mas hoje são fracos?
São muito mais fracos.
Em que sentido?
Em todos. Vejo os media com grupos pequenos de jornalistas experientes e uma lista muito grande de menos experientes. Vejo meios mais tendenciosos, menos independentes.
Politicamente?
Politicamente.
E comercialmente?
Comercialmente ainda os vejo independentes. Politicamente menos.
Vê o jornalismo económico mais independente do que o político?
Vejo. Há uma coisa no jornalismo económico que sempre vi, e isso acontece em quase todos os setores: as empresas-estrela [é] que fazem sempre as capas. Mas isso é assim até nas revistas cor-de-rosa.
Que sinais a levam a concluir que o jornalismo político é menos independente do que o económico? É na relação com eles?
Vejo como espetadora, como leitora. Não tenho feito campanhas de marketing político, portanto, não vejo do ponto de vista profissional. Hoje consigo olhar para um meio de comunicação e ver qual é a tendência.
As "fake news" são um problema grave. Como é que o vosso setor pode contribuir para este combate que tenderá a agravar-se com a inteligência artificial?
Não podemos fazer muito, já que trabalhamos da forma tradicional. Segundo um estudo da Reuters, 39% dos jovens entre os 18 e 24 anos informam-se nas redes sociais, o que é dramático. Apenas 34% vão aos sites dos media e apenas um terço confiam nas notícias. E o que mais interessa hoje aos jovens são notícias de celebridades, entretenimento.
É um retrato assustador?
As "fake news" estão a atacar o mundo. A inteligência artificial também pode contribuir para combater as "fake news". Mas prevejo um futuro bastante negro. Temos de estudar profundamente como é que no futuro vamos controlar esta questão da informação, porque prevejo o pior.
E no caso da sustentabilidade, como podemos combater esta tentação do "greenwashing" e do "socialwashing"? Há maior consciência?
Já foi pior. E não é por maior consciência, infelizmente, não vai lá por consciência, mas por legislação. Dia 17 de janeiro de 2024 foi votada uma diretiva que proíbe que um produto seja promovido como amigo do ambiente se as características não puderem ser provadas. Também as etiquetas de sustentabilidade passaram a estar reguladas. Há vários tipos de questão. A do produto – é "greenwashing" quando vendemos maçãs dizendo que são sem produtos químicos e depois estão num saco de plástico. Ou casos como um, no Brasil, de um carro que se dizia com pneus "supergreen", mas esqueceu-se de informar que depois eram desfeitos da forma menos sustentável possível. E temos também empresas que não desenvolvem internamente práticas sustentáveis e fazem campanhas com os seus produtos. É fundamental estarmos atentos.
Haverá cada vez menos empresas a fazer "greenwashing"?
Não ia tão longe. Há um fator grande que pesa no "greenwashing", que é o desconhecimento. Embora em Portugal haja um conjunto de entidades e de associações, como é o caso do Grace, que têm feito um ótimo trabalho para formar as empresas nesse domínio. A tendência vai ser para haver cada vez mais cuidado. Mas vai continuar a haver "greenwashing".