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Márcia Pereira:“Estamos a aprender muito” com a Geração Z

A nova geração distingue bem a vida pessoal de profissional e ajuda até a ultrapassar a falta de produtividade dos ‘workaholics’, afirma a CEO da Bandora Systems

09 de Outubro de 2024 às 12:30
Luís Manuel Neves
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    Bilhete de identidade Idade: 43 anos
    Cargo: Fundadora e CEO da Bandora Systems; consultora de projetos de Energia na ADENE e Glintt entre 2007 e 2016
    Formação: Engenharia Mecânica, Instituto Superior Técnico (2006); Sistemas de Energia Sustentável, Programa MIT Portugal (2022) 

    Preocupa-se com as questões ambientais desde a adolescência e admite que sofria de ansiedade ambiental. Hoje lidera uma empresa, que fundou, para poupar energia gasta pelo ar condicionado dos edifícios, usando modelos de inteligência artificial, com uma tecnologia já com patente registada. Márcia Pereira é a convidada das "Conversas com CEO" integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, numa entrevista que pode ser ouvida na íntegra em podcast. Durante mais de meia hora, a CEO da Bandora Systems partilha os projetos que tem, nomeadamente o de alargar a plataforma à iluminação inteligente. Integra uma "agenda mobilizadora do PRR, um projeto liderado pela Bosch para uma casa sustentável, confortável e saudável". Na sua empresa, onde os colaboradores têm todos formação superior, impressiona-a a capacidade que a Geração Z tem de separar a vida pessoal da profissional.

    O que levou uma engenheira mecânica a interessar-se pela sustentabilidade na energia?
    Na engenharia mecânica, para além de produção, automação e robótica, tínhamos termodinâmica aplicada, em que, entre outros temas, discutíamos políticas de sustentabilidade, renováveis, otimização e projeto de sistemas de ar condicionado. E foi isso que me apaixonou. Mas este interesse começou muito antes, quando era adolescente, com a introdução da separação dos resíduos domésticos em casa.

    Obrigou os pais a fazerem-no?
    Tal e qual. Atualmente eles já não conseguem fazer de outra maneira. Também quando em 95 compraram um carro com ar condicionado foi um drama por causa dos gases com efeito de estufa.

    Mas sofria da ansiedade climática como hoje alguns jovens e adolescentes?
    Sim, porque na altura os media faziam uma cobertura bastante ampla e quase até obsessiva da problemática do buraco do ozono. Claro que agora temos as alterações climáticas.

    Qual foi o projeto mais interessante que fez?
    O primeiro foi o desenvolvimento de uma micro-hídrica, no rio Lis, num moinho em Leiria.  Outro, muito interessante, não tanto pela inovação, mas mais pelo impacto social, foi o fornecimento de energia numa maternidade e numa rádio numa região remota, o Zumbo, em Moçambique. As parturientes, precisavam de atravessar o rio para irem à Zâmbia ter os bebés. Com a nova maternidade isso deixou de acontecer, mas como a energia vinha da Zâmbia, entre as 10h e o meio-dia havia um corte de energia e não era possível haver partos. Então, instalámos um sistema solar fotovoltaico com baterias para aquele horário. E a rádio, onde se falava português, permitiu também trazer a língua portuguesa àquela região remota.

    E como é que surgiu depois a ideia de criar a Bandora? Porque já estava na Glintt.
    Exato. Com 26 anos fui cofundar um departamento de energia na Glintt. De alguma forma sentia alguma inquietude, porque tinha atingido rapidamente o ponto alto da minha carreira. Pensei em criar um projeto pessoal, mas, entretanto, fui convidada para desenvolvimento de negócio de uma startup do grupo EDP. Foi aí que vi pela primeira vez o mundo das startups e na altura estavam a surgir os primeiros algoritmos de inteligência artificial. Pensei então que o problema não estava no hardware, que o que podia fazer a diferença era o software e trabalhar em algoritmos inteligentes para suportar a tomada de decisão. E porque não ir para aquilo que consome mais energia num edifício, o ar condicionado? Foi aí que surgiu a ideia da Bandora.

    Existe uma imposição legal para que os edifícios tenham um histórico de dados de cerca de seis anos. […] Ninguém cumpria a lei.

    É possível ter um edifício 100% sustentável e autónomo, com zero de pegada de carbono?
    Sim, é possível. Claro que é um caminho. O conceito de edifício autónomo tem um paralelo com os veículos de condução autónoma, em que não existe um condutor. Num edifício autónomo, a gestão e a tomada de decisão é feita com inteligência artificial. Conseguem orquestrar o número de ocupantes, as necessidades de conforto, a previsão meteorológica, sabem a decisão que consome menos energia e depois atuam no edifício. Contribui para uma das decisões que mais causa ansiedade nos técnicos de manutenção: quando mudar do aquecimento para o de arrefecimento. 

    Mas que contributo é que isso pode ter para reduzir a pegada do edifício?
    Tem um contributo grande. Infelizmente o problema está no modo como os edifícios são geridos. Um edifício, por exemplo, de serviços, tem provavelmente uma equipa de manutenção subcontratada. Todo o conhecimento dessas pessoas é perdido a cada renovação de contrato. A Bandora tenta mimetizar 40 anos de experiência de uma pessoa, que sabe exatamente quanto tempo demora um edifício a aquecer 1 °C, tendo em conta o número de ocupantes e a previsão meteorológica.

    Onde vão buscar os dados?
    Existe uma imposição legal para que os edifícios tenham um histórico de dados de cerca de seis anos. Quando fundei a Bandora foi com essa base. Porque para treinar modelos de inteligência artificial precisamos de uma massiva quantidade de dados. O que é certo é que começámos a fazer as primeiras provas de conceito e os dados não existiam.

    […] Submetemos no mês passado uma patente […] que já está registada, a Expert Controller.

    Ninguém cumpria a lei?
    Ninguém cumpria a lei. Mas a necessidade aguçou o engenho. Decidimos gerar os dados. Desenvolvemos modelos tridimensionais dos edifícios, gémeos digitais. Com a réplica digital do edifício simulamos com dados meteorológicos e conseguimos fazer um largo espetro de cenários para um edifício, na sua operação normal, com 20, 21 graus de conforto. A nossa tecnologia é um conjunto de três vetores: os modelos tridimensionais, o vetor do conhecimento de termodinâmica e de performance energética nos edifícios e por último de inteligência artificial. É isso é que nos torna únicos. Submetemos no mês passado uma patente sobre o tema que já está registada, a Expert Controller.

    Têm algum cliente que tenha sido um caso interessante?
    Vários. Temos um caso de cadeia de "fast food". O edifício, um pequeno restaurante, tinha um consumo de ar condicionado de cerca de 20 mil euros anuais. Isto começou em outubro de 2021. E em novembro tivemos uma redução de 60%. O que foi incrível. É o nosso cliente mais antigo, aceitou ser quase o ‘beta tester’ da Bandora. Claro que a otimização do edifício não era feita. O ponto de partida estava um pouco mais atrás e por isso é que conseguimos as poupanças. Mas temos outras experiências em ambiente de escritório, em que tivemos já 70% [de poupança] em alguns meses.

    O vosso edifício também está otimizado?
    Estamos numa incubadora da Universidade do Porto e mudámos recentemente para um segundo edifício, que utiliza geotermia: faz a troca de calor com o solo. Um outro polo da Universidade do Porto, o do mar, em Matosinhos, utiliza a permuta de calor, mas com a água do mar.

    Quantas pessoas são?
    No total 16 pessoas, todas com formação superior.

    Como conseguem manter as pessoas nesta área em que se trabalha com inteligência artificial? Têm uma grande taxa de rotação?
    Não temos grande taxa de rotação, as pessoas têm-se mantido. Em grande parte é devido ao impacto positivo da empresa.

    Não têm de pagar acima da média para os manter?
    Não. Pagamos dentro da média. Sendo uma startup, também temos outras vantagens, como ‘stock options’. Estamos agora a trabalhar nisso, foi uma promessa após a ronda de investimento e o objetivo é concretizar até ao final do ano. Acima de tudo, temos uma grande transparência. Todos os anos falamos dos objetivos, resultados da empresa e envolvemos [a equipa] em todas as decisões importantes. E promover um bom equilíbrio entre vida pessoal e o trabalho. É curioso que esta geração é muito rígida com os horários.

    Identifica isso? A Geração Z chega à hora e ‘vamos embora’?
    Sim, sim. Eu, como ‘early millennial’, não fazia isso. Quando comecei a trabalhar, eram 18h30, e ninguém levantava a cabeça do computador. Eu dizia: "18h30, tenho que ir a uma consulta, peço desculpa por sair". Aconteceu muitas vezes. E agora não. E acho ótimo, acho incrível como é que eles conseguem definir essas fronteiras entre trabalho e vida pessoal. Claro que quando há um prazo, um cliente, um problema, ficam fins de semana se for preciso. Estamos a aprender muito com eles [a Geração Z].

    A nova geração são os filhos dos ‘workaholics’.
    Acho muito bem até para ultrapassar a falta de produtividade dos ‘workaholics’. Aliás, quando fui mãe fui obrigada a ter horários mais rígidos e isso obrigou-me a ser mais eficiente.

    Levantaram agora 1.500 milhões euros de capital. Onde vão investir? Qual o vosso objetivo a cinco anos?

    Cinco anos na vida de uma startup é muito tempo. Neste momento, estamos focados em vários mercados. Quando pensámos na Bandora foi para ser um produto aplicável em qualquer parte. Onde existir um ar condicionado, conseguimos integrar a nossa solução. O foco é estabelecer operações, criar parcerias com empresas instaladoras, de manutenção, fazer formação, criar uma academia para estarmos presentes nesses mercados. Estamos já com parcerias na Colômbia, República Dominicana, EUA, Emirados Árabes…

    E o próximo passo?
    O próximo passo é o desenvolvimento de novas funcionalidades na nossa plataforma. Além do a condicionado como fazemos, queremos incluir outras componentes, como a iluminação, por exemplo. Estamos numa agenda mobilizadora do PRR, um projeto liderado pela Bosch para uma casa sustentável, confortável e saudável, em que estamos a aplicar a nossa plataforma para o ambiente residencial. Vamos incorporar outros componentes como carregadores de veículos elétricos, abertura e fecho de janelas automáticas, também para promover a qualidade do ar interior. Vamos transferir o conceito do edifício autónomo para uma casa autónoma e eficiente.

    Identifica obstáculos que, removidos, poderiam acelerar esta transformação dos edifícios, tornando-os mais amigos do ambiente?
    Temos desafios tecnológicos, na medida em que nem todos os edifícios estão preparados. Num edifício dos anos 90 que tenha um sistema de ar condicionado, ou aquilo que chamamos de AVAC, é muito difícil integrar a nossa solução. Por outro lado, há uma tentativa da União Europeia de normalizar a forma como os sistemas de Internet das Coisas comunicam, para que empresas de software, como a Bandora, facilmente se integrem e comuniquem. Essa também é uma dificuldade porque cada fabricante tem os seus próprios protocolos de comunicação e para passar para uma forma de comunicação ‘standard’ é preciso mais hardware ou muitas vezes não é possível de todo.

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