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João Esteves: “Vamos levar de Braga até Faro este programa [de formação] para jovens”

Com o Imagine, jovens em risco de exclusão fazem formação com a Diverge desenhando e colocando à venda os ‘sneakers’ que criaram. João Esteves quer fazer uma expansão “significativa” deste programa.

Helena Garrido | Bruno Colaço - Fotografia 28 de Fevereiro de 2024 às 12:30
Bruno Colaço
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    Bilhete de identidade Idade: 47 anosCargo: Diverge, CEO e Cofundador, desde Abril de 2019; Sport Zone, Diretor (2016-2019); Unicer, Diretor (2010-16); TIMWE Group, Diretor de Marketing (2007-10); GCI, CEO (2006-07)Formação: Programa de Competitividade Estratégica, INSEAD Licenciado em Gestão, Universidade Católica (1993)

    Faz "sneakers" apenas por encomenda, combatendo assim o desperdício, um dos maiores problemas da indústria da moda, e promovendo o consumo responsável e o impacto social. Nascida em 2019, a Diverge lançou-se num programa de formação de jovens em risco de exclusão social, o Imagine. "Já tivemos cerca de 54 jovens a percorrer o projeto, vendemos 308 pares de ‘sneakers’ [desenhados por eles] em 27 geografias diferentes e já distribuímos cinco mil euros" por eles, revela o presidente executivo da Diverge. E é nesta formação que vai incidir a aposta da empresa, olhando para a venda por encomenda como uma "maratona". O objetivo é chegar a mil jovens, levando este programa a todo o país, "porque trabalha competências para a empregabilidade". João Esteves é o convidado desta semana das "Conversas com CEO" integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. Nesta entrevista, o presidente executivo e cofundador da Diverge fala do modelo da empresa, como faz frente às grandes marcas de ténis e como pode ser também interessante para o segmento de luxo. E nesta fase os objetivos de maior crescimento da empresa estão no projeto de impacto social, o Imagine, mas igualmente na parceria que tem com o Manicómio. 

     

    A sua carreira tão diversificada em setores foi uma mais-valia para lançar um negócio?

    Gosto de pensar que foi uma grande vantagem. Antes do projeto, foram 20 anos na área de do marketing, comunicação, gestão em bens de consumo. Fiquei com um conjunto alargado de experiências em setores diferentes, desde os brinquedos à cerveja.

     

    A Diverge faz ténis que podemos customizar.

    Temos sempre esta questão regional em Portugal, por isso, acabamos por utilizar "sneakers" como designação, para unir o país e simplificar, porque muito do nosso mercado é internacional. Fazemos ténis, sapatilhas que promovem impacto ambiental e social, mas que querem também ser um instrumento de autoexpressão.

     

    Esta é uma área de elevada concorrência e há marcas, como a Nike, que também permitem que se desenhem os ténis. Qual é a vossa vantagem?

    Vimos uma oportunidade de criar uma marca inovadora na maneira como se apresentava e como entregava o seu produto. Quando estava na Sport Zone testemunhei a introdução de produtos de inspiração desportiva no vestuário do dia a dia. E onde isso mais se viu foi no calçado. Quando podemos calçar uma coisa confortável que, ainda por cima, nos faz sentir mais jovens, dinâmicos, com mais energia, é muito difícil voltar atrás. Vimos que era um mercado em clara expansão e que havia espaço para uma marca com uma narrativa e proposta de valor diferentes. Não era a customização por si só que ia assegurar isso, ainda que existam nuances. Se customizar uns Nike, vêm com todos aqueles elementos, que são gigantes. Quisemos criar uma marca de empoderamento da pessoa, mas que a desafiasse a pôr um pouco de si, pelas suas escolhas de design, de materiais, de cores, mas também por permitir que se possa escrever uma pequena frase, que pusesse a pessoa em primeiro lugar e a marca apenas como um facilitador.

     

    E porque é que a vossa marca faz menos desperdício do que as outras?

    Só produzimos por encomenda. Um dos maiores problemas da indústria da moda em geral é a sobreprodução. De acordo com o estudo da McKinsey, Fashion on Climate, a indústria da moda tinha de poupar, para chegar às metas do Acordo de Paris, 1.676 milhões de CO2 e, desses, 158 milhões são de sobreprodução. São produtos que não têm procura e andam a aumentar a sua pegada ecológica de armazém em armazém, até acabarem nos desertos do Atacama. Por causa dessa questão e embora sabendo que isso por vezes nos pode fazer perder vendas, optámos por produzir só por encomenda.

    A palavra sustentabilidade tem sido muito maltratada na moda em geral, usada em demasia e descontextualizada.

    Têm um perfil do vosso cliente?

    Em termos de vendas, 95% são para fora de Portugal. Ainda assim, Portugal é o nosso quinto maior mercado. A Alemanha é o primeiro em rigor, Estados Unidos o segundo e Reino Unido o terceiro e estamos a falar de quase 50% das vendas, 49%. Já vendemos em 78 países. Sabíamos que não íamos conquistar imediatamente os jovens, que ainda precisam da marca que conhecem para se sentirem parte da tribo a que querem pertencer. O nosso consumidor está entre os 30 e os 45. É alguém que já sabe bem o que quer, sabe expressar-se, já está mais seguro da sua individualidade para fazer as suas próprias escolhas e já não precisa da grande marca. Até gosta de poder estar a contar uma história sobre esta marca que só produz por encomenda, certificada como B-Corporation, que tenta ter um impacto positivo no ambiente e na sociedade.

     

    Prometeram que iam desenvolver uns ténis totalmente recicláveis. Já o fizeram?

    Ainda não. Esta é uma temática sempre complexa nesta indústria. A palavra sustentabilidade tem sido muito maltratada na moda em geral, usada em demasia e descontextualizada. A nossa preocupação é a escolha dos materiais, a qualidade e durabilidade. De que nos vale fazer um par de "sneakers" que depois duram 3 ou 4 meses, têm de ser deitados fora, o que obriga a comprar outros? Ajudamos mais numa ótica de consumo responsável. Criamos algo que tem em conta a utilização de matérias-primas, daí só produzimos por encomenda, mas que permite que passado 2 ou 3 anos ainda se possa usar. Vamos introduzindo materiais reciclados à medida que forem verdadeiramente amigos do ambiente. Fala-se do cato, do ananás, mas há muito pouca oferta real de qualidade, a preços que possam ser incorporados pela indústria. Preferimos trabalhar, por exemplo, peles. Não usamos peles exóticas, é tudo produto da indústria alimentar como vaca, porco… Porque em termos de durabilidade e de conforto ainda não têm paralelo. 

    Quisemos pegar nesta plataforma e colocá-la ao serviço da comunidade.

    Não é fácil convencer uma fábrica a fazer só um "sneaker".

    É um desafio. Tem de haver um grande alinhamento conceptual, um bom entendimento do que é o nosso projeto enquanto oportunidade comercial, por um lado, e organizacional, por outro.

     

    Qual é o objetivo do vosso projeto Imagine de combate à exclusão social?

    Nascemos com uma lógica de alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Quisemos pegar nesta plataforma e colocá-la ao serviço da comunidade. Em particular para quem tem desafios muito específicos e os "sneakers" são muito relevantes: os jovens entre os 16 e 24 anos, que estão a transitar para a vida profissional e que, infelizmente, têm muitos desafios para superar. Fizemos um piloto no Bairro do Zambujal, em Alfragide, acelerados pela Casa do Impacto da Santa Casa da Misericórdia. E foi aí que vimos que tínhamos uma solução muito relevante para estes jovens. Já fizemos em Marvila, acabámos agora um no Estoril, fizemos em Felgueiras, perto de Torres Novas também. Já tivemos cerca de 54 jovens a percorrer o projeto, já vendemos 308 pares de "sneakers" [desenhados por eles] em 27 geografias diferentes e já distribuímos cinco mil euros pelos jovens.

    (…)os jovens têm um bichinho de empreendedorismo.

    E o que fazem no projeto? Candidatam-se?

    Não há candidatura. Trabalhando ou com câmaras ou instituições, pedimos que nos apresentem a jovens interessados, entre os 16 e 24 anos. E desenvolvemos conteúdos dados por nós, equipa de gestão. Eu dou componentes de marketing. São cerca de 40 horas de formação nas mais variadas áreas, desde comunicação interpessoal, gestão de conflitos e de problemas. Hoje, fruto também das redes sociais, os jovens têm um bichinho de empreendedorismo. Porque acham que aquele ‘influencer’, que lançou uma marca de roupa e ficou rico, é uma coisa ao alcance deles. Os temas são-lhes queridos e relevantes. E, quando dúvidas há, aquela coisa de "no fim vais fazer o teu ‘sneaker’" acaba por fazer com que aguentem [a parte teórica]. Fazem os seus ténis na nossa plataforma, escolhem o modelo, os materiais, o que querem que diga. E depois dão a cara pelas suas criações. Há uma sessão fotográfica em que são maquilhados, vestidos e andamos quer nos bairros onde estão, quer em sítios de que gostem. E lançam no site da Diverge os seus ténis em nome próprio. E sempre que aquele "sneaker" de um deles é comprado o grupo, geralmente de 15, recebe parte das receitas. A partir daí, há que olhar para as vendas, ver porque é que um vendeu e o outro não.

     

    E fazem esse exercício?

    Fazem. Criamos aqui uma razão para continuarem a acompanhar, num registo de mentoria. O objetivo é procurar que estes jovens percebam que é uma oportunidade de ter projetos de vida mais ambiciosos. Quando começam a ver algumas das vendas, dizemos ‘este sneaker vendeu em Nova Iorque, este vendeu em Munique’… é um orgulho incrível. 

     

    E o projeto com o Manicómio. Mantém-se?

    Mantém-se. É uma parceria com um projeto incrível, o Manicómio, um estúdio de arte que emprega e trabalha com artistas com problemas de saúde mental. Possibilitamos que um artista do Manicómio possa colocar a sua arte nos nossos "sneakers". Imprimimos no "sneaker" a arte de um dos artistas, que é o Bráulio. E, na mesma lógica, damos-lhe 20% da receita.

     

    Encontram muitos jovens com grande potencial?

    Tenho encontrado jovens que me têm surpreendido. Já desafiei alguns a estagiar ou trabalhar connosco. Temos visto jovens a lutar pelo seu futuro e que dentro de contextos complicados, adversos, difíceis, vão superando as suas dificuldades. Ainda que ache que um dos maiores desafios desta geração é a resiliência. São resilientes, porque o seu dia a dia assim os obriga, mas baixam rapidamente as expetativas. Desistem, porque acham que a variável sorte é a maior determinante do seu sucesso.  Enquanto cofundador de um projeto, tenho tido várias dificuldades para o fazer crescer e muitas vezes partilho com eles. Porque a ideia de que lançamos uma coisa e automaticamente ela faz magia e ouvimos o barulho da caixa registadora é impossível.

     

    Como é que vê a Diverge daqui a cinco anos?

    Queremos fazer uma expansão muito significativa do Imagine. Até agora tivemos 54 jovens. O objetivo é chegar aos 600 a 1.000 jovens até ao final de 2026 e já estamos em marcha para isso. Felizmente, entre câmaras municipais, associações e até no mundo corporativo, temos tido muito apoio para expandir o programa de norte a sul.  E é isso que estamos a fazer. Vamos levar de Braga até Faro este programa [de formação] para jovens, que é inovador, porque trabalha competências para a empregabilidade. De um ponto de vista comercial, o objetivo é ganhar maior expressão nas vendas dos "sneakers" destes jovens. E estamos a olhar para o "e-commerce" típico como uma maratona, em que vamos deixando que as pessoas conheçam a marca, a história, o que consumir, a produção responsável, as histórias dos miúdos. Além disso, a nossa proposta de valor é também muito interessante para hotéis e marcas de luxo, que querem fazer pequenas unidades. Para fazer uma coisa na China vão-lhe dizer "se quiserem mil unidades, nós trabalhamos convosco". Nós possibilitamos que façam só três pares para dar, por exemplo, a um convidado.
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