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Cargo: CTT - Correios de Portugal, CEO (desde 2019); Manuel Champalimaud SGPS, CEO (15-17); Cotec, presidente (2012-15); Academia de Engenharia, VP e presidente (2011-22); Efacec, CEO (2011-15); Brisa, diretor executivo (2000-11); EDP, não executivo (2000-03); prof. catedrático do IST (2000-)Formação: Doutorado em Engenharia Civil, Imperial College
Entregam a maior parte das encomendas da Amazon e são, para já, o único distribuidor da marca Temu, por exemplo. "Podemos fazer tudo ou partes de toda a cadeia de valor do comércio eletrónico", afirma o CEO dos CTT. Ao mesmo tempo, olham para a sua rede de retalho no país como um meio para alargar a prestação de serviços às comunidades, especialmente as mais remotas. Hoje distribuem correio, entregam encomendas, mas também são "uma rede de distribuição de seguros, de dívida pública, de pagamento de vales de pensões e de serviços bancários". E o Banco CTT, a prazo, pode não ser o único nos balcões dos Correios, admite João Bento. Convidado das Conversas com CEO, integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, nesta entrevista de mais de meia hora, aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, o gestor fala-nos do futuro e da estratégia de sustentabilidade dos Correios de Portugal.
Tem uma vasta carreira na liderança de empresas. Que conselho daria a um jovem que quisesse ser gestor?
É uma pergunta difícil. Preparei-me para ser cientista e académico, como fui metade da minha vida profissional, mas já passou outra metade. O que mais conta, como em tudo, é manter a lucidez e ser sensato. É talvez isso que por vezes torna pessoas relativamente banais em gestores bem-sucedidos. Bom senso, uma certa humildade e sermos exigentes com o que fazemos, para nos dar legitimidade de o sermos com as equipas que lideramos.
É mais exigente a vida de gestor do que de académico?
É muito diferente. O que mais me fascinou quando experimentei ser gestor [na Brisa], foi uma grande diferença, diria mesmo radical, entre ter ideias, tomar uma iniciativa e ver as consequências. É fascinante e foi também muito impactante para mim, que era académico e estava habituado a coisas mais etéreas e menos consequentes, apesar de ter sido feliz.
Como vê o grupo CTT daqui a 10 anos?
Daqui a 10 anos os CTT vão ser um operador logístico de comércio eletrónico e um agente muito ativo na vida digital das empresas e das pessoas. Estamos a concluir uma fase de transformação, presente em muitos operadores postais no mundo inteiro. A importância social e económica do correio está em profunda queda. Entregávamos em 2001 cerca de 1.400 milhões de cartas e no ano passado caiu para 420 milhões de cartas. Perdemos dois terços do que tivemos. As economias que se digitalizaram antes da nossa tiveram quedas mais cedo, o que nos permite ver o que nos vai acontecer.
Quer dar um exemplo de uma empresa que os CTT quer ser?
Vai ser mais parecida com alguns dos operadores globais de logística. Mas não há verdadeiramente ainda empresas como a que queremos ser, por uma razão simples. O advento do comércio eletrónico, acelerado pela covid, alterou a forma como as pessoas fazem compras. Em países como a China e a Coreia do Sul a esmagadora maioria das compras são hoje feitas online. As lojas são cada vez mais bonitas, mas são montras. Portugal está relativamente atrasado na adoção de comércio eletrónico, a um terço da média dos países do hemisfério Norte. E os operadores postais convencionais estão a migrar aceleradamente para, além de cartas, entregarem encomendas. Nós queremos cobrir toda essa cadeia de valor. Já temos hoje contratos muito relevantes, de armazenamento, preparação, entrega, mas também de gestão.
Quais são esses contratos? Com a Amazon?
Entregamos a maior parte das encomendas da Amazon em Portugal. Somos um operador também relevante em Espanha. E somos o distribuidor, para já único, de marcas como a Temu em Portugal. Podemos fazer tudo ou partes de toda a cadeia de valor do comércio eletrónico, o que significa marketing eletrónico ou físico, entregar catálogos, fazer Google AdWords e campanhas digitais e até a própria construção da loja online com tecnologia CTT. Temos a nossa companhia de pagamentos Payshop. Depois o armazenamento, a preparação e a entrega, aquilo que fazemos mais e há mais tempo. Na Península Ibérica temos 17 mil pontos para as pessoas receberem as suas encomendas.
Os CTT são sistematicamente acusados de falhar os objetivos da qualidade do serviço postal universal. Vão passar a cumprir os novos objetivos?
Temos muito orgulho na nossa condição de prestador de um serviço público, o único que não custa nada aos contribuintes portugueses, que é financiado pelos seus clientes, por quem compra correio. Tivemos desde 2001 um contrato de concessão baseado numa ideia errada: aquilo que chamamos critérios de qualidade não eram estabelecidos no contrato entre o concessionário e o concedente, ficou numa terceira parte, no regulador, a Anacom. Isto correu sempre bem até o regulador ser protagonizado pelo Dr. Cadete de Matos, que resolveu fazer algo de muito estranho. A maior parte dos países [com a descida do correio] foi aliviando os critérios de exigência, dando contrapartidas através de subvenções e subsídios ao serviço público e permitindo aumentos de preço que de algum modo compensavam os menores volumes, para manter sustentável esse serviço público. Portugal fez o contrário disso.
Tornou-se mais exigente.
Passou de 11 para 24 indicadores, uma boa parte deles com um nível de exigência de 99,9%. Ficou muito claro que isto era impossível de cumprir. O desempenho dos CTT não se alterou. Com o mesmo nível de exigência e os mesmos indicadores, continuávamos a cumprir.
Não há aqui uma cedência do poder político às pressões dos CTT? Retirando competências ao regulador?
De maneira nenhuma. Quem tem legitimidade política para estabelecer as condições em que um serviço público é prestado são os governos. O que o governo fez foi, no espaço disponível da diretiva europeia, adequar a lei postal para chamar a si os direitos e as obrigações para estabelecer as condições do contrato de concessão. A lei Postal foi alterada e o novo contrato de concessão estabelecido. Quer a lei, quer o contrato estabelecem a natureza dos indicadores, assim como o mecanismo de formação do preço. Ficou estabelecido que o regulador deve propor ao governo indicadores em linha com a média dos países da União Europeia. Entretanto, temos uma nova equipa na Anacom e uma nova presidente. Há uma nova proposta já apresentada ao Governo. É nossa convicção que a breve trecho o Governo estará em condições de estabelecer qual será a nova bateria de indicadores.
Os CTT têm usado as juntas de freguesia, os supermercados, as tabacarias. É a melhor forma de relação com a comunidade, fecharem as lojas e usarem as infraestruturas dos outros?
Não, isso penso que não. Hoje, todas as sedes de concelho têm lojas de CTT. Que não tinham de ter por imposição contratual. Temos cerca de 2.300 pontos de presença, dos quais 570 são lojas do CTT e os restantes são agentes, de acordo com as exigências do nosso contrato de concessão, que aliás também é muito mais exigente do que em Espanha. Temos a maior rede de retalho do país e estamos onde muitos outros agentes económicos deixaram de estar, em particular nas áreas remotas. O facto de termos esta presença e de podermos facilitar um conjunto de outros serviços é também um dos elementos da estratégia de transformação dos CTT.
Pode ser a vossa vantagem competitiva, terem uma rede pelo país?
É uma das vantagens competitivas e multiplamente positiva. Permite-nos tirar partido da enorme confiança na marca CTT e, ao mesmo tempo, servir clientes tão importantes como o IGCP, o Banco CTT, que por acaso é nosso, a Generali, com quem temos um acordo de distribuição de seguros, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que paga os seus vales de pensões, a Prosegur, que consegue vender alarmes e dar segurança às pessoas. Ter uma plataforma de proximidade que leva serviços às zonas do país onde não há outras redes é uma ideia que nos é muito cara e sobre a qual também assenta a nossa estratégia.
Como é que estão a reduzir a vossa pegada, começando pela mobilidade?
Encontrei uma situação de grande consciência ambiental quando cheguei aos CTT. Somos muito castanhos, queremos ser verdes e acelerar esta mudança de cor. Temos um objetivo de redução em 55% da pegada carbónica em 2025 e estamos em plena convergência.
E a estratégia passa pela mobilidade elétrica?
Passa em grande medida pela mobilidade elétrica. Acabaremos este ano com 1.200 veículos elétricos, cerca de 32% da nossa frota, a maior do país. Acabámos de instalar a maior rede de carregamento própria do país, cerca de 520 carregadores. Temos, desde há bastante tempo, uma aquisição integral de eletricidade certificada verde e esgotámos a capacidade dos telhados e das coberturas dos nossos edifícios. Celebrámos com a EDP, em 2023, uma parceria para 40 bairros solares, dos quais 20 já estão em funcionamento e depois mais uns quantos com a Greenvolt. Temos uma ambição de ter 100% da nossa frota de distribuição eletrificada até 2030 e 50% até 2025. O que é que nos falta? Algo que o mundo ainda está a procurar resolver, que é o longo curso e a aviação. No longo curso regular estamos a fazer as primeiras experiências com o elétrico, mas também com biocombustíveis e metano. Temos também os materiais. Tínhamos como objetivo ter até 80% de reciclados ou recicláveis dos materiais usados em correio até 2025, mas já excedemos esse valor em 2023 e vamos agora rever. E os coletes dos nossos carteiros são, a partir deste ano, feitos integralmente a partir de fardamentos reciclados. Temos uma parceria com uma startup que se chama To Be Green, do Minho, que recicla, recupera e produz fibras com esses fardamentos.
O Banco CTT ainda faz sentido?
O banco faz muito sentido, é um cliente da rede de retalho. Queremos posicionar a rede de retalho como uma plataforma de serviços. Quais são os serviços mais importantes que presta? Correio e expresso, em particular o serviço universal, mas também é essencial para as pequenas empresas. É uma rede de distribuição de seguros, de dívida pública, de pagamento de vales de pensões e de serviços bancários. E qual é o banco? Hoje, o Banco CTT.
Significa que podem prestar serviços a outros bancos?
Significa que poderíamos prestar serviços a outros bancos. Regressando ao início da nossa conversa, sobre o que seremos daqui a 10 anos, a nossa exposição ao banco não precisa de ser tão elevada quando formos ainda mais um operador de logística de comércio eletrónico. Este banco pode operar sobre esta rede e outros também.
Ou seja, podem dizer a outros bancos ‘venham também para aqui’?
Sim. E não precisamos sequer de ser o dono. Quando a Generali tomar os 9% [do Banco CTT] que estão agora acordados, passaremos a ser apenas maioritário. Podemos reduzir a nossa exposição, mas não há nenhuma razão para que, operando na nossa rede, não continuemos a estar ligados a este banco.
O Banco CTT seria um de muitos bancos com serviços prestados nos balcões do CTT?
Seria um de muitos clientes da nossa rede, porventura um de vários bancos.
(Notícia corrigida: Onde se lia "não há nenhuma razão para que, operando na nossa rede, continuemos a estar ligados a este banco" deveria ser "não há nenhuma razão para que, operando na nossa rede, não continuemos a estar ligados a este banco")