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Inês Lima: “Estamos a sentir o ano como mais difícil, com o consumidor mais contido”

A redução do consumo e um maior cuidado com os gastos começa a ser visível, afirma a diretora-geral da McDonald’s Portugal

15 de Maio de 2024 às 12:30
Sérgio Lemos
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    Bilhete de identidade Idade: 53 anosCargo: McDonald’s Portugal, diretora-geral (2020 - atualmente); McDonald’s, diretora de Marketing e Comunicação (2014 - 2019); EDP, diretora de Marketing e Clientes (2003-2014); Oniway, diretora de Market Insight (2001-2003); Mondelez International, "brand manager" (1998-1999); Mars (1995-1997)Formação: MBA, Insead, licenciada em Administração e Gestão de Empresas, Universidade Católica 

    O desafio mais complexo no domínio da sustentabilidade é o da reciclagem, considera Inês Lima, convidada das "Conversas com CEO". Porquê? Porque existem leis diferentes município a município, o que torna difícil perceber o que fazer no caso de uma empresa como a McDonald’s, que "pretende tratar as coisas de uma forma padronizada. No objetivo que têm, de todos os resíduos irem para a reciclagem em 2025, uma das maiores dificuldades que enfrentam é "perceber o ponto de partida dos 200 restaurantes, para sabermos como podemos fazer algo em termos nacionais na gestão de resíduos". Numa entrevista de mais de meia hora que pode ser ouvida na íntegra em podcast e que está enquadrada na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, a diretora-geral da McDonald’s Portugal partilha as medidas que já adotaram e que estão a aplicar nos resíduos, energia, promoção de uma dieta mais saudável e na relação com os fornecedores e colaboradores. Quando falamos sobre as perspetivas para este ano, o que vê é um consumidor mais preocupado com o que gasta.

     

    Que diferenças identifica entre as funções de marketing que desempenhou no passado e o que faz hoje?

    Quando fui tirar Gestão e queria trabalhar em empresas pensei que o marketing já era o mais parecido com diretor-geral. Achava que gerir um produto ou uma marca implicava gerir um pequeno negócio. Obviamente era uma abordagem um bocadinho ‘naive’, mas sempre achei que o marketing era mais do que marca ou produto, inclui também a estratégia, a sustentabilidade do negócio. E já nessa altura considerava que era útil perceber o consumidor. 

    O negócio e as empresas que não conseguirem fazer esta transição vão deixar de ser relevantes.

    E que tendências existem neste momento? 

    Há uma continuidade nas tendências dos consumidores, na ideia de cada vez maior conveniência.  Querem mais a qualquer hora, em qualquer lugar, da maneira que quiserem. Esta flexibilidade vai continuar em todas as indústrias. O próprio consumidor tem dentro de si vários consumidores consoante a ocasião. E estas gerações entendem que as marcas têm de os conhecer. Isto vai continuar nos próximos anos. Depois, a sustentabilidade, mas focada no planeta, que veio para ficar. As gerações mais novas são muito mais sensíveis a esse tema. Se pensarmos na sustentabilidade como ir atrás da lei, estamos muito enganados. É uma necessidade do negócio.

     

    É ir atrás do consumidor?

    É ir atrás do negócio. O negócio e as empresas que não conseguirem fazer a transição deixarão de ser relevantes. Toda a gente está mais sensível, mas as gerações mais novas estão muito mais. A sustentabilidade é um tema já tratado na McDonald’s há mais de 10 anos. Mas cada vez tem mais importância no momento de escolher empresas ou marcas.

     

    Uma das críticas à McDonald’s está relacionada com os efeitos negativos na saúde. Há ainda medidas para adotar?

    Já foi mais tema, muito sinceramente. A McDonald’s já foi mais ‘fast food’, é muito mais restauração rápida no sentido de ser conveniente e prática. Através de uma ementa diversificada, conseguimos dar a opção mais certa para aquele consumidor naquele momento. Quando há 10 anos oferecemos sopas ou quando hoje estamos a lançar saladas novas para o verão, quando temos sempre fruta, acabamos por disponibilizar produtos vegetarianos, frango, e os hambúrgueres de vaca, obviamente. Há mais de 10 anos que comunicamos toda a informação nutricional dos nossos produtos.

     

    E os consumidores estão a escolher produtos mais saudáveis?

    O consumo de carne de frango e de produtos vegetarianos tem aumentado. Este ano demos outro passo com o Happy Meal vegetariano, porque as famílias de gerações mais novas têm mais cuidado e literacia em nutrição. Agora, os volumes ainda são mais pequenos do que os dos produtos ‘core’.

     

    Não é que a empresa seja uma espécie de educadora do consumidor, mas deve também ter alguma preocupação em oferecer produtos que não façam mal à saúde?

    E a McDonald’s tem assumido essa responsabilidade. Por exemplo, já reduzimos 50% do sal das batatas fritas. Só que fazemos isso de forma faseada, sem alterar muito o sabor. É importante que não haja um ‘trade-off’ entre o prazer de uma refeição e a parte nutricional. Temos feito pequenas reformulações para reduzir gorduras ou o sal. E quase todas as nossas bebidas são 0% de açúcar. O pão praticamente já não tem sal. Curiosamente, as pessoas agora pedem-nos sal. Há todo um caminho que tem de se ir fazendo sem ir contra os consumidores. Se formos muito drásticos nas alterações elas são rejeitadas. O mais importante é a literacia, a variedade e a escolha. E estamos sempre à procura de produtos novos.

     

    A base da oferta da McDonald’s é o hambúrguer de vaca. Acompanham a forma como os vossos fornecedores de carne fazem a exploração bovina?

    Completamente. A McDonald’s, não só em Portugal, mas global, tem a noção de que tem o poder de influenciar comportamentos. Temos um conjunto de fornecedores locais e outros que não o são, até porque é difícil fazer toda a cadeia de abastecimento a partir de Portugal porque certificamos os nossos fornecedores. Por outro lado, a McDonald’s é uma marca de grandes volumes. São 200 restaurantes em Portugal. E, muitas vezes, os fornecedores são demasiado pequenos para nos garantirem um abastecimento regular com uma qualidade constante. Temos de garantir o que toda a gente espera da McDonald’s: que o produto seja sempre igual e a experiência seja sempre parecida. O hambúrguer sabe sempre ao mesmo porque a quantidade de gordura e de proteína é sempre igual, independentemente da origem da carne de vaca.

     

    Nos colaboradores, a regra é o salário mínimo?

    Sentimos a responsabilidade de termos 10 mil colaboradores em Portugal. E mais de metade tem menos de 25 anos, uma responsabilidade acrescida, porque para muitos é o primeiro emprego. Pagamos sempre acima do salário mínimo – neste momento o salário de entrada é de 850 €. Além disso, preocupamo-nos com a flexibilidade de horários para que estes jovens continuem a estudar. E cada restaurante tem pelo menos uma bolsa que atribui por ano. Damos mais de 250 bolsas por ano para conclusão dos estudos universitários. 

    Estas [novas] gerações entendem que as marcas os têm de conhecer.

    Já têm exigências de utilização de energia renovável?

    Temos como meta reduzir as nossas emissões em 50% até 2030. E em Portugal, em Pombal, temos um [projeto-]piloto europeu, aberto há um ano, onde aplicámos o que de melhor sabemos em termos de redução de energia: equipamentos mais eficientes, painéis solares no edifício e no parque de estacionamento baterias para guardar alguma da energia solar para usar à noite. É um caso que está a ser monitorizado, para percebermos que medidas vão passar a ser um ‘standard’. Mas diria que os painéis solares vão passar a sê-lo.

     

    O outro desafio da restauração é a gestão de resíduos e até a economia circular…

    Talvez seja o grande desafio. Há mais de dez anos que a McDonald’s Portugal tem tido iniciativas para reduzir resíduos. Tirámos a palhinha, que era de plástico, e só damos a pedido em circunstâncias especiais. Agora também retirámos a tampa dos copos e só damos se for mesmo preciso. E é ainda de plástico porque nos líquidos é muito difícil ser 100% de papel. Tínhamos como objetivo tirar 100% dos plásticos das embalagens até 2025 e estamos praticamente lá. Correndo dois riscos: os custos são três, quatro vezes mais e os consumidores nem acham a experiência assim tão interessante. As marcas têm de ir ponderando os equilíbrios. Estamos sempre à procura de melhores materiais e essa talvez seja a grande dificuldade mundial. É que muitas vezes não há materiais alternativos em escala.  

     

    E os objetivos para 2025 quais são?

    Temos dois objetivos para 2025. Um é as embalagens serem ou de fontes certificadas ou recicladas. E o outro é todos os nossos resíduos irem para a reciclagem. Há muitos anos que já temos separação de resíduos, mas há pouca literacia. Uma vez que já conseguimos a substituição de todas as embalagens, até os copos já são de papel, este ano e em 2025, o nosso foco vai ser melhorar a informação da separação. Vai ser mais fácil perceber, nos caixotes, que material vai para onde. Estamos também a ajudar os consumidores a levarem para casa essa aprendizagem. Portugal está muito longe das suas metas nos resíduos.

     

    É um dos graves problemas que temos.

    Exatamente. E o nosso papel de marca pode ser a literacia. Estamos a alterar toda a sinalética dos caixotes de lixo. É uma medida de Portugal, porque cada país tem as suas nuances. Temos todos os mesmos objetivos, mas o ponto de partida e o de chegada não são os mesmos. A beleza de sermos uma marca global é podemos ter as melhores práticas da Holanda ou de Inglaterra. Nós, com o tal restaurante em Pombal, somos muito sofisticados na parte da energia solar e da eficiência energética. Se calhar podemos aprender com os nossos colegas da Holanda, que estão mais avançados na gestão dos resíduos e estamos a fazê-lo. 

     

    Qual é o desafio mais complexo de vencer?

    É o da reciclagem, porque não depende de nós. Existem leis diferentes município a município. Para uma marca como a nossa, nacional e que pretende tratar as coisas de uma forma padronizada, é muito difícil perceber o que fazer se as soluções são diferentes quase cidade a cidade. Varia se existem ou não empresas que vão buscar o lixo, se é um trabalho da câmara ou se são empresas privadas, se há taxas ou não. É diferente quase restaurante a restaurante. Uma das coisas que está a ser mais difícil é conseguir perceber o ponto de partida dos 200 restaurantes, para sabermos como podemos fazer algo em termos nacionais na gestão de resíduos.

     

    Vivemos dois conflitos à volta da Europa e há perspetivas de abrandamento da economia. Como vê este ano?

    Desde a covid aprendemos que dificilmente o plano que temos para o ano é o que vamos implementar. Ganhámos uma grande flexibilidade e jogo de cintura. Este vai continuar a ser um ano de estar permanentemente a perceber o que está a acontecer e a adaptar-nos. Estamos a sentir o ano como mais difícil, com o consumidor mais contido, mais cuidadoso com os seus gastos, talvez com mais receio do futuro.

     

    E a reduzir o consumo?

    A reduzir o consumo, sim. Já se notam algumas variações ao longo do mês, ou seja, uma maior exuberância no início do mês. Foi sempre assim no passado, mas agora estamos a sentir mais. Tem a ver com o menor rendimento disponível para lazer. 

     

    Estão a alterar a oferta para enfrentar este maior aperto do orçamento familiar?

    Temos sempre planos que vão variando todos os meses. Este ano estamos mais preocupados com pacotes para famílias, grupos de duas, três pessoas, porque sentimos que o valor total é algo que racionalmente tem mais peso. E depois sabemos que os jovens que gostam de nos visitar e passar ali a tarde também estão mais sensíveis a promoções. Estamos a dar mais visibilidade ao que temos, mais do que a alterar o que temos.
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