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Duarte Cordeiro: “Não podemos aceitar que projetos estratégicos demorem tantos anos para serem concretizados”

Ex-ministro do Ambiente regressou ao setor privado. Não vê conflito por trabalhar em áreas que não tutelou. Defende ainda que há divergências que acabam por bloquear medidas.

11 de Setembro de 2024 às 12:30
Tiago Sousa Dias
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    Bilhete de identidade Idade: 45 anosCargo: Shiftify, Estratégias de Sustentabilidade, sócio, desde Junho de 24, Ministro do Ambiente e Acção Climática (22-24), Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (2019-22), Vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa (2013-19)Formação: MBA, ISCTE, Licenciado em Economia, ISEG
    Fez uma pausa na sua vida política "também por algum desconforto relativamente a um prolongamento de suspeitas que depois não são esclarecidas no tempo". Em causa está a operação Influencer em que se viu também envolvido. E 20 anos depois de ter deixado o setor privado para se dedicar à política cria a sua própria empresa, a Shiftify, Estratégias de Sustentabilidade, focada nos setores mais difíceis de descarbonizar e nos países em desenvolvimento. Duarte Cordeiro, ex-ministro do Ambiente e da Ação Climática, marca a estreia da quarta temporada das "Conversas com CEO", integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. Durante mais de meia hora, numa entrevista que pode ser ouvida na íntegra em podcast, falamos da sua experiência como ministro, da herança que deixou, dos desafios que se colocam no caminho das políticas ambientais e dos objetivos que tem para a sua agora atividade empresarial.
     
    A sua carreira política acabou? Ou está em pausa apenas?
    A minha carreira política resulta de desafios que foram surgindo. Comecei no setor privado e o envolvimento que na altura tive na juventude do PS puxou-me para a participação no setor público. Também houve aqui o facto de ter feito parte das equipas de António Costa que se tornou na pessoa que se tornou na vida política. Existe a ideia, muitas vezes demonizada, de uma carreira na vida política. Mas o pior que pode haver é políticos impreparados. Há aqui um equilíbrio entre ir ganhando experiência no exercício de cargos públicos e procurar realizar a vida profissional no privado. Já me aconteceu quando saí da Faculdade, volta a acontecer agora.
     
    Quase 20 anos depois. O caso Influencer teve influência nesta sua decisão de sair ou fazer uma pausa da política? 
    Quando exercemos cargos públicos e, no meu caso, de alguma exigência e responsabilidade, não é negativo uma pessoa distanciar-se e, se houver alguma questão e dúvida sobre o exercício das nossas funções, procurar que seja totalmente esclarecida. O último período da nossa vida coletiva, relativamente a essas questões, não é muito positivo, nem para muitas pessoas ficarem na vida política, nem para outras se sentirem desafiadas para tal. Mas quero acreditar, e espero, como sociedade, que consigamos ultrapassar e não criar bloqueios desnecessários à participação na vida política. No meu caso, foi uma opção que tomei também por algum desconforto relativamente a um prolongamento de suspeitas que depois não são esclarecidas no tempo. Fiz uma reflexão sobre a minha participação na vida política nos últimos anos, em que é que eu podia continuar a fazer diferença e foi aí que evoluí para a ideia da constituição de uma empresa.
     
    Foi Ministro do Ambiente e criou uma empresa nesta área.  Porque pensa que não há aqui conflito de interesses?
    É ler a lei, que é clara. Por vezes gostamos de falar, mas esquecemo-nos de ler a lei. A descarbonização, a sustentabilidade, atingirá todos os setores da economia. E há setores em que este processo exige apoio para ser acelerado. A nossa empresa dirige-se a setores de áreas que não tutelei. Não vejo onde é que existe o conflito em áreas como a logística, o agroalimentar, a indústria… A questão foi de que forma podia contribuir, através de um projeto empresarial, para acelerar o processo da descarbonização e a mudança de mentalidades.  E as áreas que identificámos - ultrapassadas obviamente as questões a que estamos atentos das incompatibilidades – foram os setores difíceis de descarbonizar em áreas que não tutelei. Mas também ajudar no desenvolvimento de políticas ambientais em países em desenvolvimento. 
     
    E porque escolheu a Shiftfy os setores mais difíceis de descarbonizar?
    Porque são os que precisam de mais ajuda no processo de mudança. Há muitos setores difíceis de descarbonizar, toda a parte dos transportes, marítimo ou rodoviário de mercadorias, a indústria, o agroalimentar ou a aviação.
     
    No ranking dos maiores emissores de CO2 da Associação Zero temos a Galp, o setor cimenteiro, a TAP e também a EDP. 
    Não trabalharei com empresas do setor de energia pelas razões das incompatibilidades. Em Portugal, neste momento, as maiores emissões são no setor dos transportes, que ultrapassou a energia.  Qualquer empresa, qualquer setor vai ter de desenvolver respostas em três dimensões. Na eficiência, procurando consumir menos energia, na mudança tecnológica, e depois, no fim, a parte da compensação.
     
    Quer dar um exemplo? 
    Um bom exemplo é o da logística de transportes. Hoje as empresas destes setores começam a ter pressão dos seus clientes que querem perceber qual é a pegada dos seus fornecedores. Um segundo nível de pressão vem da banca, que também hoje já começa a classificar as empresas em função de riscos ambientais. 
     
    Durante a sua carreira política o que identificou como medidas mais difíceis de tomar?  
    Muitas vezes desvalorizamos o facto de o processo de execução das políticas ser complexo. Estamos muito focados no momento da apresentação das políticas e achamos que o processo está concluído. Mas entre a apresentação e a execução é muito normal existirem mudanças na forma como os projetos estão a ser executados e revisão de objetivos. E muitas vezes, o país, na dimensão da execução, tem dificuldade em conviver com a diferença de opinião. Procuramos sempre, estranhamente, que tudo tem de ser consensual para poder avançar. E não tem de ser assim. Temos de evoluir, temos de compreender que as políticas não conseguem agradar a todos.  Não podemos continuar a aceitar que determinados projetos estratégicos do país demorem tantos anos para serem concretizados.  Há uma tendência para dar destaque à parte divergente das medidas e, por vezes, com uma dimensão e eco que as bloqueiam. 

    De onde é que vem esse bloqueio?  Dos protagonistas?  Dos grupos de interesse?
    Por vezes vem dos protagonistas, que podem sentir-se intimidados com a dimensão de uma crítica à execução de um projeto, e recuam.  Por vezes vem da forma como facilitamos, digamos assim, a litigância e que também bloqueia a ação. No ambiente, por exemplo, enfrentamos o que conhecemos como NIMB [Not In My Backyard], em que, às tantas, existe dificuldade de colocar no território uma infraestrutura de natureza ambiental. É verdade que tem de se ter em conta a preocupação com o território, mas isso deve ser compreendido, mas não inibidor de uma decisão se por acaso existirem interesses conflituantes. Têm de se assumir as decisões.

    Temos de tentar prolongar temporariamente os aterros, (…) apenas nos sítios onde existem mais dificuldade.
    Estamos bastante atrasados na gestão de resíduos. O que aconteceu? Até parece que que retrocedemos.
    Pelo contrário, houve um conjunto de decisões muito importantes que vão permitir que este setor avance. Uma delas foi criar o sistema de depósito com reembolso, com máquinas para colocarmos as embalagens de plástico e termos um retorno da nossa atitude cívica. Isso vai permitir aumentar substancialmente a reciclagem de embalagens de plástico. Houve também uma alteração no sistema de incentivos, nomeadamente aos municípios, para premiar a recolha de biorresíduos. E houve uma mudança no Plano Estratégico Nacional para o setor dos resíduos ter um papel na valorização energética e na descarbonização. E tem de se compreender que houve um aumento de custos na recolha, nomeadamente dos municípios, e que tem de se aumentar em parte as contrapartidas para o sistema não colapsar.  E temos de tentar prolongar temporariamente os aterros, não com o objetivo de solução final, mas apenas nos sítios onde existem mais dificuldade. As soluções para atingir 10% de resíduos em aterro em 2035 exigem uma resposta dos biorresíduos, da reciclagem e da valorização energética.
     
     E esse desafio está sobretudo nos municípios?
    Não. É um misto entre os municípios e uma partilha das responsabilidades e dos custos associados ao encarecimento da recolha. Mas também está ao nível da capacidade de criar incentivos, como fizemos na energia, para surgirem novas infraestruturas.  Um dos municípios com um conjunto de infraestruturas importantes no futuro, é Tondela…
     
    …Costuma dar-se o exemplo de Maia…
    Maia é claramente o município que se destaca nas políticas públicas de recolha. Já tem o Pay-as-you-Throw (PAYT) em que se paga em função do volume de resíduos que geramos. E a Lipor, com a Maia, no sistema de tratamento, também é claramente uma referência. Já Tondela tem um projeto europeu para fazer uma biorrefinaria. Há aqui também trabalho a fazer de verificar se os atuais incentivos são os corretos, porque podemos às vezes ter o ridículo de importar combustíveis derivados de resíduos do estrangeiro em vez de aproveitar os nossos. O tema da valorização energética é essencial. 

    Estou convencido que sim, [que a economia circular vai acelerar].
    Vamos assistir a uma aceleração da economia circular.
    Estou convencido que sim. As leis que ficaram permitem criar fluxos novos. Este governo, naturalmente, terá a sua avaliação e os seus apontamentos, mas sinto que, em alguns aspetos, já estão lançados os pilares para começar a ter melhores resultados. 
     
    Vivemos uma conjuntura de incerteza global política e social. Como conseguimos convencer as pessoas, nesta conjuntura, que é importante salvar o planeta?
    Porque estas políticas ambientais interferem na nossa qualidade de vida. Temos noção hoje que a poluição nas cidades interfere na nossa saúde.
     
     Mas há hoje alguma reação negativa? Como pode a classe política explicar às pessoas que isto é mesmo muito importante?
    Evitando discussões em torno de uma ou outra medida que gera uma reação social mais adversa. As políticas ambientais são globalmente aceites pelas pessoas. Todos sentimos as alterações climáticas. Nós somos um país de costeiro e sentimos, seja na nossa costa, na seca, nos incêndios.  E a transição justa é fundamental, ou seja, conseguirmos que as pessoas não sintam que estão a ignorar as suas necessidades essenciais e básicas. Não podemos adotar políticas ambientais ignorando o impacto social que elas têm.
     
    E estamos atentos a esse impacto social?
    Tem de haver incentivo para a reconversão, para aproveitar a capacidade instalada, o emprego e o conhecimento das pessoas. A ideia de simplesmente fechar de um lado para abrir do outro é socialmente inaceitável. Se calhar vamos ter de apostar mais na captura [de carbono] e moderar a redução das emissões se isso significar ter maior atenção às circunstâncias sociais e à nossa organização como sociedade. Não significa não ter a mesma ambição, mas sim rever a estratégia para tentar diminuir o impacto social e a criação da rejeição. Exige atenção e muita inteligência para evitar sejamos nós a contribuir para quem não acredita nestes impactos. Também é fundamental a demonstração dos resultados, a ideia de que o país está a conseguir, que estamos a atrair investimento, a manter e até criar postos de trabalho.
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