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António Oliveira Martins: Tarifas não alteram “caminho para a eletrificação”, mas renovação de frotas “está lenta”

O diretor-geral da Ayvens Portugal, que integrou a LeasePlan, duvida que os agentes estejam preparados para só venderem carros de emissões zero em 2035.

16 de Outubro de 2024 às 12:30
Pedro Catarino
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    Bilhete de identidade Idade: 56 anosCargo: Diretor-geral da Ayvens Portugal (desde 2001); vice-presidente da Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (desde 2007); LeasePlan Portugal (93 a 2001); KMG Portugal (91-93)Formação: Licenciado em Gestão - Instituto Superior de Economia e Gestão (1991) 

    As sucessivas crises, do covid à inflação, e o processo de eletrificação automóvel colocam desafios para todo o ecossistema automóvel, incluindo ao "renting". "Se o mercado de usados começar a cair, porque se reduz muito significativamente o preço dos novos, vamos ter um problema", afirma António Oliveira Martins que lidera a Ayvens Portugal, uma companhia do grupo Société Générale que tem como negócio o "renting" de automóveis. Convidado das "Conversas com CEO", integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, olha de forma critica para as tarifas que a União Europeia quer aplicar aos carros elétricos chineses, mas considera que, no limite, levará a uma maior preferência pelos carros europeus. A par da transição energética, a Geração Z compra o carro mais tarde do que os pais e avós e as eficiências geradas pela digitalização reduziram as frotas das empresas, com impacto no negócio do "renting". Numa entrevista de mais de meia hora, que pode ser ouvida na íntegra em podcast, falamos dos problemas que as empresas enfrentam para concretizarem a mudança nas suas frotas e nos desafios do "renting" num tempo em que a evolução do carro elétrico o está a tornar cada vez mais barato.

    Está no setor há mais de 30 anos. Foi uma escolha ou um acaso? 
    Foi um acaso. Trabalhei na KPMG, em auditoria e consultoria, mas desde o início que tinha a noção de que não queria fazer ali uma carreira longa. Mas era um ótimo início e, na verdade, foi um prolongamento da academia. E aprende-se muito também com os clientes. Foi exatamente num cliente, uma empresa muito pequenina, adquirida na altura pelo grupo LeasePlan, que resultou a oportunidade, nascida do acaso. A partir do momento em que foi comprada por um grupo multinacional, como era a LeasePlan, houve necessidades diferentes de "reporting" que criaram a vaga para a qual fui convidado.

    Está a viver, neste momento, a integração de duas empresas, a LeasePlan e a ALD Automotive.
    Sim. Em Portugal não houve propriamente uma integração porque a LeasePlan tinha uma quota de mercado muito grande e a Autoridade da Concorrência não aprovou o negócio. E a ALD Automotive Portugal, a mais pequena, foi alienada e adquirida pela Stellantis, que tem uma "joint venture" com o Crédit Agricole. 

    Então, não está propriamente a enfrentar um desafio de integração?
    Não de integração, mas sim de transformação. A começar pelo mais visível, que é a marca. Depois de 30 anos a investir na marca LeasePlan, agora estamos um bocadinho a recomeçar do zero com a marca Ayvens. 

    E qual é o maior desafio que enfrentam nesta transformação?
    Acho que é assimilar. A LeasePlan tinha uma identidade muito vincada, apesar de ter tido múltiplos acionistas. Esse aspeto é se calhar o único que não se muda por decreto. Ainda não o conseguimos, mas estamos no processo de criar uma cultura adaptada à nova realidade, preservando o melhor da LeasePlan, como a criatividade, empreendedorismo, iniciativa, a procura de oportunidades, de parcerias fortes. Agora temos de casar isso com uma regulação bancária mais presente. Embora não sejamos uma sociedade financeira, temos de estar alinhados com as regras para manter uma licença bancária, porque consolidamos com a Société Générale.

    Como é que este setor do "renting" pode contribuir para a redução da pegada de carbono? Não é intuitivo.
    Temos um papel decisivo. Os grandes volumes de automóveis novos são adquiridos pelas empresas. E conseguimos contribuir de várias formas. A primeira é fazendo um trabalho de educação. No dia a dia encontramos clientes que se sentem entre a espada e a parede: por um lado, têm objetivos de sustentabilidade, por outro, têm os seus condutores a resistirem aos carros elétricos porque não têm autonomia suficiente, não têm carregador ao pé de casa, enfim, múltiplas dificuldades. O nosso papel passa muito por dizer que há soluções. Hoje já há carros elétricos com autonomias superiores e maiores velocidades de carregamento. Temos emitido todos os anos "white papers" fazemos conferências com clientes. Na nossa base de clientes estão as maiores empresas portuguesas.

    As maiores empresas precisam de ser educadas?
    Precisam. Não precisam de ser educadas quanto ao objetivo da sustentabilidade, mas precisam em como concretizar. E temos outro aspeto, com uma responsabilidade ainda mais decisiva: transformar um carro elétrico numa proposta de "renting" economicamente interessante. Se o custo de ter um carro elétrico, comparado com um a combustão, for favorável, as empresas aderem. E hoje é favorável, é mais barato. A renda não é necessariamente mais barata. Mas tem de se ter em conta dois fatores que normalmente estão fora da renda. O custo da energia elétrica é mais barato do que o do combustível. E poupa em impostos.

    As empresas têm frotas cada vez mais pequenas

    Estamos a viver uma altura de desincentivo do uso do carro, por parte até das empresas, que gostam de dizer que incentivam o uso da bicicleta. É uma ameaça para o vosso negócio? 
    É uma ameaça relativa, porque não vemos a trotinete, a bicicleta, e até os transportes públicos, ou mesmo os TVDE, como um substituto total do automóvel. As novas gerações entram mais tarde no automóvel e no negócio de particulares poderemos sentir alguma coisa. O retalho automóvel está a sentir isso muito diretamente. Mas em muitas empresas o automóvel é absolutamente necessário para a sua atividade. E há aqui duas tendências contraditórias. Uma, positiva, é que cada vez mais empresas aderem ao "renting" já que, com uma renda fixa mensal, têm os serviços todos. E depois há outra, negativa: as empresas têm frotas cada vez mais pequenas. Porque têm menos colaboradores, são mais eficientes, cada vez mais conseguem trabalhar remotamente, seja nas vendas, seja na divulgação dos produtos. Por exemplo, a indústria farmacêutica sempre foi um grande cliente do "renting", porque tinha centenas de delegados de informação médica. Hoje, as farmacêuticas têm muito menos delegados, porque a divulgação dos produtos é feita na internet. Mas há sempre as duas faces da moeda. A internet para nós foi também uma oportunidade, porque permitiu-nos chegar às PME e aos particulares. Senão teríamos de ter agências. 

    A geração Z não tem como ambição de ter um carro e a carta…
    …Pelo menos na mesma idade, aos 18.

    E mais tarde querem o carro mais numa abordagem de economia do uso e menos de posse?
    A economia do uso é música para os ouvidos do "renting".

    Depende, porque ficam três anos, quatro anos…
    É verdade, mas não existe até agora nenhum negócio de utilização assim tão flexível que seja viável. Essa vontade de ter um carro quando me apetece e pagar só quando preciso não existe. Não é possível do lado do fornecedor dessa solução.

    Algumas marcas andam a pensar nisso…
    Só andam a pensar. Mesmo as experiências com o "car sharing", fracassaram todas. Teria de ser um custo tão elevado, porque quem usa teria de pagar o não uso. Do ponto de vista de marketing funciona extraordinariamente. Mas não é economicamente viável.  

    O preço dos carros elétricos ainda é muito elevado?
    Sim, mas está a reduzir. E estão a aumentar as autonomias, a competitividade, a velocidade e a infraestrutura de carregamento. Os astros estão todos a alinhar-se.

    Mas estão a alinhar-se de forma suficientemente rápida para a indústria automóvel não ser apanhada pela chinesa?
    Acho que não. Os incumbentes europeus estão em grandes dificuldades porque não vendem ainda carros elétricos suficientes, porque ainda esbarram em todas estas barreiras, como a infraestrutura de carregamento, a ansiedade do consumidor face a esta mudança. Há muita gente que diz: primeiro todos os outros que adiram que eu depois vou a seguir.

    Não há então razão para as tarifas da União Europeia sobre os elétricos chineses? Ou concorda?
    É proteger a indústria europeia. Por princípio, sou contra essas tarifas, no sentido em que acho que a concorrência é saudável. Há uma parte que não consigo avaliar completamente que é até que ponto é que essa concorrência é leal. Se é desleal, de facto percebo que haja este caminho. Mas a Alemanha, o país que mais associamos à indústria automóvel europeia, votou contra as tarifas.

    A tarifa sobre as marcas chinesas pode ter algum impacto no vosso negócio?  
    O efeito vai ser transversal, quer se compre o carro, quer se financie, quer se faça o "renting". Vai tornar a equação um bocadinho mais complicada, no sentido de chegar às tais rendas economicamente interessantes. E favorece a indústria europeia.

    Vai aumentar os custos das empresas com os carros elétricos? 
    Não diretamente. O que se calhar vai fazer é com que não optem tanto pelas marcas chinesas. Mas não me parece que altere o ritmo deste caminho para a eletrificação. A tarifa vai ser refletida diretamente nos custos do "renting" desses automóveis [chineses], mas dos europeus não. E as marcas chinesas têm muito pouca expressão em Portugal. 

    Qual é o aspeto que identifica como mais desafiante para o setor?
    Os prazos para os objetivos de eletrificação é o mais desafiante. Não me parece que os agentes económicos estejam preparados para só venderem carros de emissões zero em 2035.

    Na indústria?
    Não só na indústria. Nós acabamos por ser um veículo de escoamento dos automóveis. E para sermos competitivos temos de ter um valor residual, uma expectativa de valor do usado, que seja suficientemente agressiva para a renda ser interessante para o cliente. Se o mercado de usados começar a cair, porque se reduz muito significativamente o preço dos novos, vamos ter um problema. Também queremos que os movimentos não sejam disruptivos e que aconteçam de uma forma gradual e previsível. Porque senão, quem assume o risco dos ativos tem um problema. Há múltiplos desafios, não só para a indústria automóvel, mas para todo o ecossistema automóvel. É um desafio de todos, da própria rede de fornecimento de energia elétrica, que não está preparada para ter carregadores em todo lado.

    E para o "renting"?
    O maior desafio tem que ver com o risco de ser o proprietário dos automóveis, de dependermos da performance do mercado dos usados para que economicamente sejamos sustentáveis. Há o risco de obsolescência também. Os elétricos de há 5 anos não têm nada que ver com os de agora, em termos de autonomia, velocidade de carregamento… Desvalorizam mais porque a tecnologia não está madura, ao contrário dos a combustão.

    A renovação das frotas tem sido mais lenta.

    Estamos a viver tempos de grande incerteza com reajustamentos geopolíticos. Já sentem esses impactos de maior prudência por parte das empresas?
    Vimos de disrupção em disrupção desde a covid. E tem-nos afetado muito. A inflação afetou-nos, na produção de novos contratos de "renting", sobretudo nas PME e particulares. Tem-nos afetado muito e limitado o crescimento do "renting" e, de alguma maneira, atrasado este movimento para a sustentabilidade. A renovação das frotas tem sido mais lenta.

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