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António Carlos Rodrigues: “Com uma fábrica como a da Autoeuropa fazíamos as 60 mil casas num ano”

A industrialização da construção permitia resolver o problema da habitação em Portugal. Mas para isso era preciso que o Estado fizesse contratos com as empresas, defende o CEO da Casais.

19 de Março de 2025 às 12:30
Pedro Ferreira
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    Bilhete de identidade Idade: 51 anos Cargo: Casais, CEO (Desde 2018); Vice-presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obra Públicas (desde 2017); Gestor de projeto, director comercial e membro da administração, Casais (1996 a 2018)Formação: Harvard Business School e MIT; Engenheiro Civil, Universidade do Minho (1996)
    Terreno infraestruturado, grandes obras e alianças entre o privado e o público são as três medidas que poderiam resolver o problema da habitação, defende o presidente executivo do grupo Casais, uma empresa familiar que vai buscar o nome ao mestre António Casais, alcunha da família, em Braga, há seis gerações. Convidado das "Conversas com CEO", António Carlos Rodrigues fala dos desafios de uma empresa familiar e nos projetos de um grupo que, recentemente, inaugurou um hotel perto de Madrid, construído em módulos numa fábrica em Portugal. Numa entrevista de mais de meia hora, realizada antes da crise política e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, diz-nos que para se industrializar a construção, reduzindo o tempo que leva fazer um edifício, mais do que incentivos são necessários contratos que deem previsibilidade aos investimentos. E é necessário simplificar e que as autarquias voltem a urbanizar, porque a lei dos solos, só por si, pouco resolve. Falamos ainda do concurso para a alta velocidade, chumbado, esperando agora pelo novo a que pretende concorrer. 

    Foi uma escolha ser engenheiro civil ou sentiu-se obrigado pelas responsabilidades familiares?
    Foi um bocadinho. Por ser o neto mais velho, ouvia todos dizerem que ia ser o sucessor. Mas no secundário andei em Informática. E estava quase para ir para Sistemas de Informação, até que, num verão, um ano antes, fiz o primeiro programa de gestão de faturação para a empresa. Passei o verão todo à frente de um computador. Achei que não era aquilo que queria. E acabei, à última da hora, por decidir escolher Engenharia Civil. Cresci com a construção à minha volta, ia com os meus tios, com o meu avô, para as obras. 

    E obriga agora as novas gerações também a irem para Engenharia?
    Não fazemos questão nenhuma. O meu filho está em Engenharia de Gestão Industrial. A minha filha, tem 15 anos, está no secundário e é bailarina. E nesta quarta geração ainda não temos ninguém que tenha ido para Engenharia Civil. Um grupo como o nosso, que na terceira geração fez um esforço por profissionalizar a gestão, não pode largar a raiz familiar. É importante que não sejamos só meros donos de ações. Por isso, faz sentido que haja alguém que conheça o negócio. Mas hoje, o negócio não é só de engenharia civil, há muita economia, gestão, direito, tecnologia... Há muitas mais áreas que podem servir perfeitamente para cruzar os caminhos.

    Numa empresa familiar temos de estar sempre a crescer, senão já estamos a morrer, ainda que seja lentamente.
    Qual é o maior desafio de uma empresa familiar?
    É este equilíbrio entre saber explicar o que é ser dono, o que é ser gestor e saber o lugar de cada um. O crescimento também é incontornável, porque só consigo dar oportunidades de carreira se o grupo crescer. Temos de estar sempre a crescer, senão já estamos a morrer, ainda que seja lentamente. Desde a sucessão para a terceira geração, também instituímos processos parassociais. Era um consórcio de irmãos e quando passa a um consórcio de primos há outros interesses, há mais membros da família, o que nos afasta naturalmente. Criámos algumas estruturas, como a Fundação Mestre Casais. 

    E que é um fator de união?
    É. Serviu para corporizar algo mais intangível, para além do negócio. Estamos a fazer algumas coisas no âmbito da sustentabilidade, das alterações climáticas, algo em que todos, do mais novos aos mais velhos, se revêm.

    O país tem uma enorme agenda de projetos de construção. Temos capacidade instalada?
    O país e as empresas de construção têm capacidade. O nosso maior problema é a previsibilidade. Quando uma empresa tem presença internacional, como nós, a capacidade instalada é o somatório de tudo o que se estende para além de Portugal. Temos depois um outro desafio, porque a Europa e os outros países também estão a fazer investimento. A falta de habitação é transversal, os blocos americano e europeu querem fazer a reindustrialização… Nós e os espanhóis somos os únicos, no espaço europeu, com uma lusofonia ou um mundo hispânico, com capacidade de trazer esses recursos. Mas temos o problema da diferença de salários. E, por isso, muitos dos migrantes que vêm para Portugal, passados seis meses já cá não estão.

    E porque é que os salários não sobem?
    A construção teve sempre, infelizmente, em comparação com a as outras indústrias, um fosso que tem vindo a aumentar. Estivemos sempre muito associados a este modelo em que era fácil trazer mão de obra barata de qualquer sítio. E, por isso, também não fomos empurrados para inovar. 

    Um dos principais estrangulamentos é a escassez de mão de obra?
    São vários fatores. Encontrei, por acaso, um estudo que mostra como o aumento da regulação, nos últimos 50 anos, fez com que a dimensão das obras fosse cada vez mais pequena. Ao serem mais pequenas, as empresas são mais pequenas e investem menos em inovação. E, por isso, temos uma quebra da produtividade no setor. Hoje temos a arqueologia, a APA, o município, o IGAMOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território), o espaço aéreo… Temos tantos pareceres, que é  difícil. E quanto maior for o projeto, mais dificilmente ele sai do papel. 

    O que podia fazer a diferença em matéria de simplificação?
    É uma mudança cultural tão grande. Nem sequer uma agenda mobilizadora tivemos para o setor, porque se entendeu que ia ser premiado com muitas obras públicas. Se nós, construtores, não criarmos a nossa infraestrutura de digitalização, a transformação dos nossos colaboradores e subempreiteiros, estaremos sempre atrasados. Na Casais estamos a fazê-lo, mas passo a passo, quando o podíamos concretizar de uma forma muito mais assumida, se existisse um investimento forte no setor.

    Não preciso de incentivos, só preciso de contratos (...). Se tivesse 7 anos de trabalho contratualizado investia.
    Mas o investimento era da responsabilidade de quem? 
    Não preciso de incentivos nenhuns, só preciso de contratos. Os ingleses, porque entenderam que a industrialização da construção era o futuro, fizeram uma adjudicação a 7 anos para refazer escolas, habitação, edifícios públicos. Se tivesse 7 anos de trabalho contratualizado fazia todo o investimento e não precisava de incentivos. A banca emprestava-me.

    A industrialização do setor significa a construção por módulos e permitia resolver o problema da habitação?
    Sem dúvida. Eu chamo legos, em que fazemos um conjunto de componentes no espaço industrial. São, do ponto de vista social, mais responsáveis. Não damos valor às pessoas que andam fora de casa para fazer obras no sítio onde são necessárias. Quando passamos a produção para uma unidade industrial mobilizamos as pessoas da região onde a fábrica está instalada. E todos os componentes, feitos com uma manufatura industrial, têm mais qualidade. Depois, é um processo logístico. Fizemos em Espanha um hotel com 120 quartos, em que 80% foi fabricado em Portugal e depois montado em Madrid. Foi o segundo hotel, o primeiro está em Guimarães, com 95 quartos e um outro edifício de 44 apartamentos, mais um espaço de cowork. 

    Quantas casas podíamos construir com esse processo?
    Por exemplo, na Autoeuropa fazemos 250 mil carros por ano e um apartamento é o equivalente a quatro carros. Com uma fábrica como a da Autoeuropa fazíamos as 60 mil casas previstas no programa num ano. Não temos uma Autoeuropa da construção, mas o que temos é quase nada. A Casais está a fazer este investimento. Que existam mais fábricas. Mas ninguém se aventura, hoje, a fazer seja o que for, se não tiver "pipeline".  E o tema que surge antes é dos solos urbanizados. É preciso esgotos, água, eletricidade e infraestrutura de transportes. Ou seja, integração urbanística. Quando falamos em usar solos rústicos, pode até resolver algumas necessidades, mas se houver infraestrutura. Se não houver infraestrutura, não é solução. 

    A lei dos solos veio resolver algum problema?
    Falta-lhe esta parte. A lei dos solos pode trazer mais quantidade, o que é positivo, mas falta-lhe a componente da infraestrutura. Um privado não consegue, nem mesmo às vezes o público, mobilizar as "utilities," a REN (Redes Energéticas Nacionais), E-Redes, a EPAL, a IP. Isso requer coordenação que cabe às entidades públicas.

    Quais seriam então as medidas fundamentais para aumentar a oferta de habitação?
    Terreno infraestruturado, grandes obras e alianças entre privado e público. O modelo de habitação a custos acessíveis ou rendas acessíveis é frágil. Qualquer pequena variação, seja na taxa de juro ou num pequeno custo, o modelo já não fecha, porque está regulado em preço de venda ou de aluguer. Precisamos da construção industrializada. 

    A proposta do consórcio, de que fazem parte, para o segundo troço da alta velocidade, foi chumbada. O que é que vai acontecer?
    É  importante que não se perca a cadência na execução dos restantes troços. O que acho que vai acontecer é, rapidamente, a abertura de um segundo concurso. E estaremos no segundo concurso.

    E vão estar interessados no novo aeroporto?
    É uma obra tão grande que é incontornável estarmos envolvidos de alguma forma. 

    As medidas na área da sustentabilidade podem ser importantes para o vosso setor?
    Nos EUA há um recuo nos temas da sustentabilidade e o regresso ao petróleo. Enquanto os EUA dizem que vão aplicar tarifas, a Europa fá-lo de forma mais elegante, com um sistema que cria alguma barreira. No fim, isso vai ser positivo, porque cria incentivos para que haja investimento no espaço europeu. Já vi grupos chineses e outros estrangeiros que, antecipando esse movimento, estão a querer fazer unidades industriais na UE. Tenho muito receio que as PME encontrem  mais obstáculos para cumprir com um conjunto de requisitos. Não têm a estrutura nem a máquina para o fazer. Aí sim, a Europa vai ter de fazer algum ajustamento. 

    Estamos a viver momentos de grande incerteza e de uma rutura até da ordem geopolítica. Que desafios é que a presidência Trump pode colocar ao vosso setor?
    O nosso setor trabalha é influenciado muito por fatores locais. O maior desafio da Europa são as migrações. A falta de oportunidades, de comida, de água em África é um problema europeu. Problemas desta natureza dão origem a conflitos. E nós já estamos a ver uma série deles. E conflitos emergem depois em guerras. O nosso desafio é interno.

    Há alguma coisa que lhe tire o sono neste momento?
    A velocidade com que as coisas acontecem faz com que seja maior a intensidade com que nos temos que dedicar ao negócio. Exige muito mais de nós. O que me tira mais o sono é a perceção da instabilidade que isso pode gerar em mim, nas equipas e na própria sociedade. Temos de encontrar aqui uma estabilidade, também humana, para que a velocidade com que nós temos que fazer os negócios seja compatível com aquilo que é ser humano.
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