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Sabe qual a pegada de carbono do seu negócio?

É cada mais importante saber o impacto de determinada atividade tem no clima. Num futuro não muito longínquo esse valor será determinante para classificar as empresas e será tido em conta aquando da decisão de compra dos consumidores, funcionando como um fator diferenciador.

22 de Dezembro de 2021 às 12:00
Especialistas defendem que é preciso contabilizar as emissões de forma consistente, exaustiva e transparente. Vítor Mota
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A sustentabilidade já entrou no léxico de todos. E nas suas mais variadas vertentes. O que se está a refletir não só no comportamento dos consumidores, mas principalmente na forma como as empresas organizam e desenvolvem os seus negócios. A breve trecho a sociedade em geral, e os consumidores em particular, irão valorizar as empresas que têm políticas amigas do meio ambiente e, pelo contrário, penalizar as prevaricadoras.

Mas afinal o que é isto da pegada de carbono e de que forma impacta o negócio? Catarina Furtado, Seasoned Sustainability Coach - Climate Action & Greenhouse Gases da Systemic, responde que corresponde ao impacto que determinada atividade tem no clima, quer esteja associada à atividade quotidiana de uma empresa, à produção de determinado produto ou à atividade associada a uma cidade ou país. Dito de outra forma, há que conhecer, identificar, diagnosticar e quantificar esse impacto "para conhecermos a dimensão da "pegada" deixada por essa atividade, para que possamos agir de forma a minimizar ou mesmo mitigar esse impacte", acrescenta.

Para poder contabilizar essa pegada de carbono Francisco Ferreira, presidente da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, diz ser "fundamental um diagnóstico recorrendo a metodologias padrão, como é o caso do Protocolo GEE, criadas pelo World Resources Institute e pelo World Business Council for Sustainable Development, depois um planeamento que idealmente deverá estar em linha com as chamadas Metas Baseadas na Ciência, onde a neutralidade climática deve ser atingida naquilo que é a atividade das empresas como um todo, desde o recurso a matérias-primas até à distribuição dos seus produtos, passando pelo seu funcionamento".

Mas, ainda mais importante, é contabilizar as emissões de "forma consistente, exaustiva, transparente e rigorosa", afirma Catarina Furtado, acrescentando que com a tendência crescente dos últimos anos para uma maior pressão ao nível do reporte relacionado com os diferentes temas associados ao carbono, é cada vez mais importante medir e calcular com exatidão e rigor as toneladas de carbono que comunicamos". Uma tonelada a mais pode representar um custo adicional para a empresa, frisa. Isto porque poderá ter de pagar mais para cumprir com o seu objetivo de neutralidade climática; poderá ser também um constrangimento à atribuição de crédito financeiro; ou até mesmo afastar investidores. Estas são algumas das possíveis consequências. Importante é abarcar toda a cadeia de valor aquando do cálculo. Só desta forma a empresa terá uma visão transversal, o que lhe permitirá estabelecer uma relação de proximidade acrescida com os fornecedores e clientes.

A forma como depois as empresas poderão reduzir a sua pegada de carbono vai depender do tipo de organização, refere o presidente da Zero . Há que ter em conta inúmeros fatores, desde a consideração de emissões diretas como a sua frota automóvel , avaliar determinados processos industriais que possam ser mais eficientes ou emitir menos carbono, até à aquisição de eletricidade exclusivamente renovável cuja produção também pode ser promovida pela própria empresa. Ou ainda rastrear toda a atividade envolvente à empresa, desde as emissões associadas à mobilidade dos colaboradores, matérias-primas mais sustentáveis e com menor pegada carbónica, bem como o produto ou a forma de distribuição.

Independentemente disso, e como lembra Catarina Furtado, há que definir um objetivo de redução de emissões (ou um conjunto de objetivos de redução consoante a especificidade da atividade da empresa ou a exigência do compromisso que a empresa pretende estabelecer). Mas há um ponto fundamental: esse objetivo deverá ser alinhado com a ciência. E a executiva lembra que para ajudar as empresas foi criada a Science Based Target Initiative, SBTi - que desenvolveu uma metodologia para que as organizações possam definir os seus objetivos de redução de emissões alinhados com o Acordo de Paris. Isto é, limitar o aquecimento global a 2°C bem abaixo dos níveis pré-industriais e prosseguir os esforços para limitar o aquecimento a 1,5°C.

Quanto à estratégia em si há fases a seguir numa estratégia de mitigação. A primeira delas passa por identificar as emissões que podem ser evitadas. "Precisamos mesmo de ir a Tóquio ter uma reunião de um dia? Não a poderemos fazer online?", exemplifica Catarina Furtado. Há que identificar as emissões que podem ser reduzidas e, finalmente, fazer a compensação (offset) das emissões remanescentes.

Novo sistema de classificação

Pode parecer que o impacto da pegada de carbono nos negócios é algo que só se vai sentir daqui a alguns (muitos) anos. Nada mais errado. Isto é agora que está a acontecer e que está a alterar por completo a forma como as empresas são percecionadas pelo consumidor, pelo mercado, pela banca, pelos investidores... está a surgir uma nova classificação. Que será, acredita Catarina Furtado, substanciada por diretivas, regulamentos, e propostas de diretivas no contexto europeu. A executiva acredita que o legislador (nacional e europeu) trará cada vez mais para o "fórum da obrigatoriedade" as questões relacionadas com o impacto climático associado à atividade das empresas, qualquer que seja o setor ou dimensão. E isso vê-se já em grandes corporações, quando incluem nos seus relatórios anuais "métricas, planos estratégicos, identificação de riscos e oportunidades e planos de adaptação relacionados com a temática das alterações climáticas". Por outro lado, acrescenta, "há cada vez mais empresas a serem pressionadas pelos seus clientes, fornecedores e investidores a evidenciarem a sua estratégia corporativa de abordagem ao tema das alterações climáticas".

As associações empresários devem ser veículos de informação e apoio às empresas, principalmente no caso das PME, que não têm dimensão e pessoal técnico para suportar estas exigências Francisco Ferreira
Muito rapidamente o não ter políticas amigas do meio ambiente pode condicionar não só a obtenção de financiamento, mas, e principalmente, ficar em desvantagem competitiva face a empresas "cumpridoras". E isso será cada vez mais visível à medida que essas políticas e os valores da pegada de carbono se tornem públicos. Sobre isto Francisco Ferreira alerta para a necessidade de uniformização. É certo que já muitas empresas optam por divulgar os seus valores. Só que, muitas vezes, de "forma ampliada e pouco transparente, comparativa e rigorosa". Daí a necessidade da uniformização do reporte.

E as associações empresariais têm um papel muito importante a desempenhar. Seja na (ainda) maior consciencialização das empresas para estas temáticas, seja na adoção de boas práticas. Como refere Catarina Furtado, "poderão ser atores na sensibilização dos seus associados, na partilha de boas práticas e tendências, na agregação de estudos e informação relevante a disponibilizar aos associados (funcionando como uma "cloud" de informação e recursos) mas também como dinamizadores de estudos/diagnósticos/benchmarks sobre a temática das alterações climáticas no contexto da sua área de atuação". Opinião partilhada pelo presidente da Zero, que considera mesmo que o papel das associações empresariais é crucial. Não se trata apenas de serem dinamizadoras de ações de mitigação climática. O seu papel, para Francisco Ferreira, passa sobretudo por serem "veículos de informação e apoio às empresas, principalmente no caso de pequenas e médias empresas que não têm dimensão e pessoal técnico para suportar estas exigências, sejam elas voluntárias ou obrigatórias num futuro próximo".

Hoje a estratégia e posicionamento de uma empresa já não passa apenas por apresentar o melhor produto/serviço. Tem de ter uma política sustentável, de responsabilidade social e ambiental. E não é apenas o "ah, fazemos reciclagem". O mercado, o consumidor e a sociedade em geral valorizam cada vez mais estratégias a longo prazo. Mas estratégias que vão para além do papel. Porque, afirma Catarina Furtado, é preciso introduzir ao nível corporativo alterações sistémicas que conduzam a uma organização mais adaptada e resiliente. Envolvendo, claro, toda os elementos da cadeia de valor.

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