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Elvira Fortunato: "O mundo vai ficar melhor. A pandemia veio lembrar que há alternativas"

Elvira Fortunato acaba de ser distinguida pelo projeto científico Invisible, que torna os ecrãs dos aparelhos digitais mais sustentáveis. Para a cientista, a pandemia de covid-19 poderá dar o empurrão necessário para criar soluções mais amigas do ambiente. Há vários projetos no centro de investigação que lidera, como o aumento da eficiência da célula fotovoltaica.

07 de Outubro de 2020 às 10:00
Sérgio Lemos
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Elvira Fortunato, vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa e diretora do Cenimat - Centro de Investigação de Materiais, recebeu o Prémio Impacto Horizonte 2020, pela criação do primeiro ecrã transparente com materiais ecossustentáveis. O projeto "Invisible" arrecadou 10.000 euros, depois de selecionado entre 243 candidaturas pela Comissão Europeia, que procura projetos com impacto na sociedade.

No seu trabalho, a sustentabilidade é uma preocupação "a priori" ou uma consequência natural?
A sustentabilidade é uma preocupação que está na génese deste grupo de investigação dos materiais. Só agora é que se tem falado mais dos objetivos de desenvolvimento sustentável, mas nós já trabalhamos nisso há muito tempo. O grupo começou antes de mim e já trabalhavam na área da tecnologia fotovoltaica. Aliás, foi o professor Leopoldo Guimarães que introduziu praticamente a energia solar ou fotovoltaica em Portugal, na década de 80.

De que forma é que o Invisible é sustentável?
O projeto é sustentável em duas vertentes: dos materiais e do processo de fabrico dos ecrãs, a tecnologia. Por um lado, utilizamos óxido de zinco, um material que é biocompatível e existe em muita quantidade na natureza. Depois, a tecnologia para fazer estes materiais também é amiga do ambiente. Os ecrãs atuais são feitos à base de silício, que tem de ser processado a elevadas temperaturas, num processo muito poluente e perigoso.

Que dimensões ganhou comercialmente?
Hoje em dia quem não tem telemóvel, televisão ou computador? Os ecrãs estão em todo o lado, pelo que a penetração nos vários mercados é muito grande. Foi aplicado primeiro nos telemóveis em 2012. Chegar à industria geralmente demora 15 a 20 anos. Neste caso foi extremamente rápido porque só há vantagens: ambientais, económicas e de desempenho. Aliás, quem avaliou a candidatura foram pessoas que não são cientistas, são empreendedores, do mundo das empresas. Este prémio é uma forma de passarmos o que fazemos nas universidades para a indústria. Uma vez que o financiamento vem de impostos que pagamos, há que haver retorno para o cidadão.

E já tem novos projetos?
Se não tivermos projetos morremos. Ter projetos é sinónimo de ter financiamento. O grupo tem tido sorte - mas a sorte costuma dizer-se que dá muito trabalho - e tem tido algum sucesso em ter projetos. Há dois anos ganhei novamente uma bolsa financiada pelo Conselho Europeu de Investigação.

Em que consiste?
É um "filho" deste projeto que ganhou o prémio, é um transístor de papel. Estamos no fundo a fazer eletrónica com papel. Temos duas linhas de atuação: por um lado, criamos etiquetas inteligentes, sensores para colocar nas embalagens dos objetos que queremos controlar. Por outro lado, tem aplicações biomédicas mais sustentáveis. Pode fazer-se o teste da glucose dos diabéticos apenas através de uma aplicação de telemóvel e tira de papel especial, que se queima no fim. Isto está em desenvolvimento, já que, sobretudo na área da saúde, os projetos têm de ser bem validados.

E de que forma é que este projeto é sustentável?
Estes materiais podem ser reciclados ou incinerados, quando as alternativas de hoje são de plástico. Mas além disso, são muito mais baratos, o que nos traz viabilidade económica.

Está em que fase?
Está no início. Mas vamos também ter muito sucesso. Temos esta confiança porque quando nos candidatamos a um projeto gostamos de ter resultados preliminares só para ver se realmente vale a pena.

Qual é a dimensão da sua equipa?
Somos cerca de 60 pessoas. A equipa é dinâmica, tal como a própria investigação é dinâmica. Crescemos muito. Éramos cerca de metade há 10 anos.

Mas além deste, tem outros projetos?
Vamos tentar desenvolver um teste de diagnóstico rápido para monitorizarmos se há covid-19 nas ETAR. O projeto começou agora em setembro e esperamos ter resultados no início do próximo ano. Ver as várias regiões e tentarmos fazer um mapeamento nas varias populações.

E nas energias renováveis?
Sim, temos vários projetos na energia fotovoltaica. Queremos aumentar a eficiência da célula fotovoltaica. Isto é feito de várias formas: utilizando materiais alternativos – também sustentáveis e abundantes – ou arranjando esquemas para captar mais luz, apostando na arquitetura.

Há fundos suficientes para avançar com a investigação que é necessária na área da sustentabilidade?
Não sei se são suficientes, mas são necessários. Daqui a 50 anos, vamos ver. Não há plano B nem planeta B... É evidente que a covid é um problema mas penso que nós, de forma geral, não vamos ser o que éramos, mas vamos ficar muito melhores. Do ponto de vista organizacional, tecnológico, tudo. Vamos viajar menos, usar menos papel… o mundo vai ficar melhor. A sustentabilidade parte de cada um de nós, mas só podemos ter um mundo melhor se andarmos todos na mesma direção. A covid apareceu e agora estamos todos a caminhar no mesmo sentido. A pandemia veio lembrar que há alternativas, que já foram pensadas por muitos investigadores mas que nunca tinham sido usadas. Veio mostrar a força da ciência.

O plano de recuperação está bem posicionado nesse sentido?
A inovação e investigação estão no plano de recuperação, e o clima e a digitalização são os dois grandes pilares. Foi pelo menos dado destaque a estes temas. E isto tem de facto de ser uma prioridade para os políticos.


Um ecrã transparente que se torna cada vez mais visível

A tecnologia, patenteada pela diretora do Cenimat e pela Samsung, é aplicável a telemóveis, televisores, computadores ou tablets, e permite obter imagens de maior resolução e desempenho eletrónico superior. O iPad Mini 2 e o iPad Air são só alguns dos dispositivos que transportam esta tecnologia nos seus ecrãs.

De acordo com a candidatura entregue por Elvira Fortunato à Comissão Europeia, o mercado para a eletrónica transparente, em 2019, estava avaliado em mil milhões de dólares em 2019, e a perspetiva é que ascenda aos 3,8 mil milhões em 2025. A indústria automóvel deverá ser uma das impulsionadoras, considerando a intenção de integrar informações relevantes para a condução nos vidros dos carros.

A acompanhar a candidatura ao prémio da Comissão Europeia, seguiu uma carta do vice-presidente da Samsung, Changhee Lee, que considera o trabalho de Fortunato "pioneiro", "criativo", e prevê um "forte impacto" nas interfaces que serão chave para satisfazer a maioria das necessidades da sociedade, desde as tarefas mais práticas às de lazer.
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