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Pedro Santos Guerreiro psg@negocios.pt 22 de Dezembro de 2010 às 11:25

O milagre da bolha que não explode

Metade do sistema financeiro espanhol está em "bail out" mas no pasa nada.

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Metade do sistema financeiro espanhol está em "bail out" mas no pasa nada. O BCP é citado em telegramas escandalosos mas é tabu. As agências de "rating" fazem uma razia de final de ano mas as bolsas já não reagem. A cegueira aloja-se no conforto das nossas negações. Mas em nada estamos tão encadeados como na bolha da banca europeia que está a ser subsidiada pelo BCE.

Esta bolha tem três anos e é mutante. Camufla-se. E como o sistema está ansioso por boas notícias, fecha os olhos às más: a dependência do Banco Central Europeu a taxas de 1%, subsidiação artificial e efémera.

Esta é ainda a bolha do "subprime", que revelou uma gigantesca desproporção no valor dos activos. Em 2007, a bolha estava nos bancos. Em 2008 e 2009, com nacionalizações e intervenções, a bolha passou para os Estados. Em 2010, a queda das soberanias e o congelamento do mercado interbancário transferiram a bolha para o BCE. Num ano próximo, o totoloto terminará. A bolha voltará aos balanços dos bancos. E rebentará.

O totoloto são os empréstimos a 1% do BCE à banca, que por sua vez empresta a 3%, 4% ou 6%. É arbitragem, o melhor negócio do mundo, basta estar sentado e ver o balanço melhorar. Mas os empréstimos do BCE são de curto prazo e um dia deixarão de ser tão baratos. Nesse dia, as obrigações dos bancos terão de ser reavaliadas. Eis a bolha.

Esta bolha conhece a lei de Lavoisier, não se cria nem se perde, apenas se transforma. O assunto é grave e tem sido desconsiderado, na surda esperança de um esvaziamento gradual através da desalavancagem ou de aumentos de capital que nenhum accionista quer fazer.

O sistema financeiro continua na mesma cabra-cega. Agora, as agências de "rating" tornaram-se jornais da véspera: em vez de notícias, escrevem epitáfios. Ontem, os "ratings" desceram mas nem as bolsas nem a dívida se afogaram nessas mágoas: já as conheciam. Estas decisões ao retardador (só na semana passada é que a Moody's acordou para o descalabro irlandês?!) não tornam, no entanto, as agências irrelevantes.

Hoje, as empresas que são avaliadas pelas agências têm de ver em que bancos têm as suas aplicações. A PT, por exemplo, depositou os cheques da Vivo no BES e na Caixa, sem risco nem incómodo, mas se as aplicações fossem de longo prazo, provavelmente teria de procurar bancos com melhor "rating". E isso prejudicaria a banca portuguesa, que acaba o ano ajudada por estes cheques. É isso que dá carácter pró-cíclico às agências: as suas notações agravam a situação daqueles que avaliam.

O que nos traz ao BCP. Portugal tem um Beco do Ridículo que visita de vez em quando. Há uns meses, lá encontrou a pergunta do ano: "Quem fez o negócio da PT?" O desfile foi farto mas quando uma notícia pôs em causa o presidente executivo, todos os accionistas relevantes vieram aos jornais dizer que confiavam em Zeinal. Uma semana depois do escândalo WikiLeaks sobre as relações do BCP com o Irão, centradas em Carlos Santos Ferreira, o único accionista que deu a cara pelo presidente do banco foi Joe Berardo. Caixa, EDP, Sonangol e Teixeira Duarte resguardaram-se num inacreditável silêncio. Houve apenas um "off the record" em manchete de um jornal. Num escândalo público, quem confia dá a cara. Quem nada diz... ou não confia ou é cobarde. Valha Berardo.

A banca portuguesa merece melhor fama. Não brincou aos activos tóxicos nem inventou no imobiliário. Depois da banca irlandesa sucumbir, são agora as famosas "cajas" espanholas, outra falsificação. Durante anos, os gestores portugueses invejavam-nas pelo apoio às empresas espanholas. Pois bem, elas, que representam metade do sistema financeiro espanhol, estão a ser activamente socorridas pelo Banco de Espanha e por dinheiro de contribuintes através de fusões. De um ano para o outro, passaram de 48 "cajas" para 16, um terço. Cá seria um escândalo. Mas é apenas mais um milagre. Como o irlandês.
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