Opinião
Uma nova estratégia macroeconómica
Enquanto os governos oscilam entre a economia da oferta e o neo-Keynesianismo com igual entusiasmo, a única realidade permanente é que nos últimos anos a maioria dos países com altos rendimentos registou uma considerável redução da quota do investimento no Produto Interno Bruto.
Apesar de ser um macroeconomista, discordo dos dois principais campos em que está dividida a profissão nos Estados Unidos: os neo-Keynesianos, que se centram no aumento da procura agregada, e os economistas que se focalizam no lado da oferta (o chamado "ofertismo"), que se concentram na redução de impostos. Nos últimos anos, ambas as escolas têm tentado, sem êxito, superar a persistente debilidade das economias de elevados rendimentos. Está na altura de enveredar por uma nova estratégia, baseada no crescimento sustentável e motivada pelo investimento.
O principal desafio da macroeconomia consiste em alocar os recursos da sociedade onde estes possam ter o seu melhor uso, de modo a que os trabalhadores que querem trabalhar encontrem emprego; de modo a que as fábricas apliquem o seu capital de forma eficiente; e de forma a que a parte do rendimento que é poupada em vez de consumida seja investida na melhoria do bem-estar futuro.
Em relação ao terceiro desafio, tanto os neo-Keynesianos como os economistas da oferta falharam. A maioria dos países de altos rendimentos – os Estados Unidos da América, a maior parte da Europa e o Japão – não está a conseguir investir de maneira adequada, nem sensata, com vista ao melhor uso futuro dos seus recursos. Há duas formas de investir – a nível interno ou internacionalmente – e o mundo não está a investir o suficiente em qualquer uma delas.
O investimento interno pode ser feito de várias maneiras, como por exemplo o investimento das empresas em maquinaria e edifícios; o investimento das famílias em casas; e o investimento do governo nas pessoas (educação e competências), no conhecimento (investigação e desenvolvimento [I&D]) e nas infra-estruturas (transportes, electricidade, água e resiliência climática).
A abordagem dos neo-Keynesianos consiste em tentar estimular o investimento interno, independentemente da sua natureza, pois o que importa é que haja gastos. Por isso, os adeptos desta escola tentam impulsionar mais investimentos em casas, através de taxas de juro muito baixas; um maior número de aquisições de automóveis por meio de empréstimos titularizados para consumo; e mais projectos de infra-estruturas que possam gerar procura imediata de mão-de-obra, através de programas de estímulos a curto prazo. Quando não surgem gastos em investimento, eles recomendam converter o "excesso" de aforro num qualquer outro festim de consumo.
Em contrapartida, os economistas do lado da oferta, querem promover o investimento privado (não o público!), através de mais reduções de impostos e de mais desregulação. Já o tentaram várias vezes nos Estados Unidos, sendo que a tentativa mais recente aconteceu durante a presidência de George W. Bush. Lamentavelmente, o resultado desta desregulação foi uma bolha imobiliária de curta duração, não uma expansão sustentada do investimento privado produtivo.
Enquanto os governos oscilam entre a economia da oferta e o neo-Keynesianismo com igual entusiasmo, a única realidade permanente é que nos últimos anos a maioria dos países com altos rendimentos registou uma considerável redução da quota do investimento no Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o gasto bruto em investimento, nestes países, diminuiu de 24,9% do PIB em 1990 para apenas 20% em 2013.
Nos Estados Unidos, os gastos em investimento passaram de 23,6% do PIB em 1990 para 19,3% em 2013. E desceram ainda mais significativamente em termos líquidos (investimento bruto, menos depreciação do capital). Na União Europeia, essa redução foi de 24% do Produto Interno Bruto em 1990 para 18,1% do PIB em 2013.
Nenhuma das duas escolas presta atenção ao verdadeiro remédio para esta queda persistente dos gastos em investimento. As nossas sociedades precisam urgentemente de mais investimento, particularmente para converter os modos de produção fortemente poluentes, consumidores de muita energia e com uma elevada emissão de dióxido de carbono em economias sustentáveis, baseadas na utilização eficiente dos recursos naturais e que se empenhem na transição para fontes de energia com baixa emissão de carbono. Esse tipo de investimento exige medidas complementares por parte dos sectores público e privado.
Os investimentos necessários incluem a implementação em grande escala da energia solar e eólica; uma maior aposta nos transportes eléctricos, tanto públicos (autocarros e comboios) como privados (automóveis); edifícios energeticamente eficientes; e redes de distribuição que transportem a grandes distâncias a energia obtida de fontes renováveis (por exemplo, do Mar do Norte e do Norte de África para a Europa Continental e do deserto Mojave na Califórnia para os centros populacionais dos EUA).
Mas precisamente quando as nossas sociedades deveriam estar a fazer estes investimentos, os sectores públicos nos Estados Unidos e na Europa estão numa autêntica "greve ao investimento". Os governos estão a reduzir o investimento público em nome do equilíbrio orçamental e os investidores privados não conseguem investir massivamente e de forma segura em energias alternativas quando as redes de distribuição de electricidade, as regras de responsabilidade, as fórmulas de fixação de preços e as políticas energéticas nacionais, que se inscrevem no âmbito de uma regulamentação pública, são incertas e altamente contestadas.
Nos Estados Unidos, as despesas com o investimento público têm sofrido bastantes cortes. Nem o governo federal nem os governos estaduais dispõem dos mandatos políticos, estratégias de financiamento ou planos de longo prazo necessários para catalisarem o investimento na direcção da nova geração de tecnologias limpas e inteligentes.
Os neo-keynesianos e os economistas do lado da oferta compreenderam mal a paralisia dos investimentos. Os neo-keynesianos vêem os investimentos, públicos e privados, unicamente como mais uma forma de procura agregada. Negligenciam as decisões de política pública em matéria de infra-estruturas e de sistemas energéticos (bem como a investigação e desenvolvimento destinada a promover novas tecnologias) que são necessárias para libertarem os investimentos inteligentes e ecologicamente sustentáveis dos sectores público e privado. Assim, em vez de fazerem pressão em prol das necessárias políticas nacionais detalhadas com vista a uma forte retoma do investimento, promovem medidas de "bricolage" – como taxas de juro em torno do zero e pacotes de estímulos à economia.
Os economistas da oferta, por seu lado, parecem esquecer-se que o investimento privado depende de investimentos públicos complementares e de uma clara estrutura regulatória e política. Eles defendem a redução da despesa pública, acreditando ingenuamente que o sector privado de alguma forma conseguirá, como que por magia, colmatar a lacuna. No entanto, ao reduzir-se o investimento público, está-se a dificultar o investimento privado.
A título de exemplo, as companhias de electricidade privadas não estarão dispostas a investir na produção de energia renovável em larga escala se o governo não tiver políticas ou planos de longo prazo em matéria de clima e energia que estimulem a construção de linhas de transmissão de longa distância para o transporte da energia proveniente das novas fontes ecológicas até aos centros urbanos. Os detalhes de uma tal desordem política nunca preocuparam muito os economistas partidários da economia de mercado.
Há também a opção de recorrer às poupanças domésticas para impulsionar o investimento externo. Os Estados Unidos, por exemplo, poderiam emprestar dinheiro às economias africanas de baixos rendimentos para comprarem novas centrais eléctricas às empresas norte-americanas. A implementação de uma política desta natureza permitiria colocar as poupanças privadas norte-americanas ao serviço da necessária luta mundial contra a pobreza, reforçando ao mesmo tempo a base industrial dos EUA.
Mas, também neste aspecto, nem os neo-keynesianos nem os economistas da oferta fizeram grandes esforços para melhorarem as instituições de financiamento do desenvolvimento. Em vez de aconselharem o Japão e a China a aumentarem os seus níveis de consumo, os macroeconomistas deveriam incentivar estas economias a aplicarem as suas enormes poupanças no financiamento de investimentos, não só internos como também no estrangeiro.
Todas estas considerações deveriam ser razoavelmente claras para quem se preocupe com a necessidade urgente de harmonizar o crescimento económico e a sustentabilidade ambiental. O desafio mais premente da nossa geração está em converter as actuais infra-estruturas e sistemas energéticos mundiais poluentes – e baseados no carbono – em sistemas ecológicos inteligentes e eficientes do século XXI. Ao investirmos numa economia sustentável, estaríamos a melhorar consideravelmente o nosso bem-estar e estaríamos então em posição de aplicarmos o excedente das nossas poupanças nos programas mais adequados.
Contudo, isto não acontecerá automaticamente. Precisamos de estratégias de investimento público de longo prazo, de planeamento ambiental, de roteiros tecnológicos, de parcerias público-privadas com vista ao desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis, bem como de uma maior cooperação a nível mundial. Estas ferramentas irão criar a nova macroeconomia de que a nossa saúde e prosperidade dependem actualmente.
Jeffrey D. Sachs é professor de Desenvolvimento Sustentável e de Gestão e Políticas da Saúde. É director do Earth Institute na Universidade de Columbia e conselheiro especial do Secretariado-Geral da ONU no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
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Tradução: Carla Pedro