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Parabéns, euro!

Desde o início, o euro nunca foi uma moeda fácil. Principalmente, graças à heterogeneidade patente nos países da União Europeia e à construção de uma união monetária sem um equivalente orçamental ou político.

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A União Económica e Monetária Europeia (EMU) assenta em princípios fundamentais incluídos no Tratado de Maastricht e interpretados pelo Tribunal Europeu de Justiça (ECJ) e por tribunais nacionais. Os princípios são encabeçados pela estabilidade de preços como objetivo principal e incluem a proibição de financiamento monetário, a cláusula de "no-bail-out" e o princípio de independência dos bancos centrais dos Estados-membros do Área Euro.

 

É interessante verificar-se como o desenho da EMU foi influenciado pelo desenvolvimento da teoria económica. Começando com o trabalho pioneiro de Robert Mundell sobre zonas monetárias ótimas e as inúmeras extensões que se seguiram nos anos 1970, verificaram-se novas tendências com a chegada dos anos 1980 e o desenvolvimento da escola neoclássica. Nesse contexto, a política monetária (tal como taxas de câmbio flexíveis) não seria eficaz na produção de efeitos permanentes no output, considerando-se uma curva de Phillips vertical no longo prazo. Por contraste, a política monetária é vista como eficaz quanto à inflação. Assim, a inflação assumiu um papel proeminente, por comparação com a estabilidade do output. É esta a visão que muito influenciou a construção de uma EMU com um "design" minimalista.

 

Sabemos hoje que este modelo tem debilidades, as quais foram muito claras na mais recente crise profunda. A união não previa um mecanismo que reagisse à chegada de uma crise, que enfrentasse escassez de liquidez e "sudden stops" no mercado da dívida soberana, não existia um mecanismo de estabilização macroeconómica face a choques recessivos, a política macroprudencial ao nível da União era inexistente, tal como a microssupervisão do sistema bancário. Hoje estamos muito mais conscientes da importância do setor financeiro da economia, incluindo a problemática de termos dívidas soberanas sem moedas nacionais.

 

Com a experiência recente, e a pensar no futuro, alguns vêm defendendo a necessidade de completar a União Bancária (possivelmente, explorando um sistema europeu de garantia de depósitos, com uma linha de crédito pública a um fundo de resolução único e a criação de algum tipo de Ativo Seguro Europeu). A crise despertou-nos também para a necessidade de clarificar o âmbito de intervenção do BCE, como um "banco central normal", à luz do artigo 127.º do Tratado, intervindo no mercado e flexibilizando o objetivo de inflação. Por último, sente-se a necessidade de criar alguma capacidade orçamental ("fiscal") ao nível da Zona Euro ou da União Europeia, o que implicará alguma coordenação nessa matéria entre diversos países.

 

A EMU de 1999 estava longe de ser uma zona monetária ótima, mas a verdade é que, 20 anos depois, o euro é uma moeda mais resistente do que muitos previram, tendo atravessado uma séria crise com choques assimétricos. Na verdade, ainda cá estamos! E o euro ainda cá está!

 

E se a sobrevivência e a capacidade de adaptação são medidas de sucesso, então o euro é um claro caso de sucesso. Hoje, para além dos 12 membros originais, o euro é a moeda de sete países mais recentes da União Europeia, para além de ser a moeda de Andorra, da Cidade do Vaticano, do Kosovo, do Mónaco, do Montenegro e de San Marino.

 

O euro é um projeto em construção e cá estamos para isso mesmo. Longa vida ao projeto de prosperidade europeu! Não podemos desistir. Longa vida ao euro!

 

P.S. - O Corner de hoje vem na sequência da minha intervenção na conferência comemorativa dos 20 anos do euro, organizada pelo Banco de Portugal no dia 15 de novembro.

 

Dean do ISEG - Lisbon School of Economics & Management. Universidade de Lisboa

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