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OE’2008: Muito mais do que uma desilusão (II)

Ainda a propósito do OE’2008, e em complemento do texto de há duas semanas atrás, não poderia deixar de salientar os seguintes pontos: ...

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1. A evolução de indicadores orçamentais como a despesa total, a despesa corrente e a despesa corrente primária face ao PIB entre 2004 e 2008, apresentada no quadro 1 é reveladora: a despesa corrente e a despesa corrente primária a situar-se-ão, em 2008, abaixo dos valores de 2004 em apenas 0,2 e 0,5 pontos percentuais (pp), respectivamente; a despesa total desce 1,4 pp à custa do investimento, que cai 0,9 pp. Comprova-se, assim, que o Governo tem cortado na despesa pública na área em que é mais fácil (mas mais errado) fazê-lo (o investimento público), enquanto que o “monstro”, residente nas despesas correntes, está longe, muito longe da dieta por que devia passar. Assim, o período de 2005 a 2008 foi muito pouco ambicioso (quase perdido?) em termos de consolidação orçamental pelo lado da despesa.

Já o peso das receitas fiscais (não incluo no mesmo “pacote” as contribuições sociais e as receitas correntes) é sempre crescente: o caminho inverso ao que Portugal precisava. Quanto à dívida pública, mesmo depois das tímidas reduções em 2007 e 2008, os 64,1% do final deste período são elucidativos quando comparados com os 58,2% de 2004...

A comparação com 2004 resulta do facto de este ter sido o ano anterior à enorme fraude orçamental que foi o Orçamento Rectificativo de 2005, ponto de partida para a política orçamental que tem sido prosseguida desde então. É verdade que a contribuição da redução da despesa pública para a diminuição do défice é sentida em percentagem do PIB mas, mesmo assim, de forma claramente insuficiente para as necessidades do país (como mostra o quadro 1). Assim, teria sido fundamental que, em pelo menos um ou dois anos, tivesse sido conseguida uma redução da despesa em valores absolutos (como já referi na primeira parte deste artigo). Ora, não foi isso que sucedeu, pelo que, em montante, apenas a receita tem contribuído para a redução do défice – à custa do aumento de impostos (o que é negativo) e de uma maior eficiência, a todos os níveis, da máquina fiscal (o que é positivo). Mas pior: não só a despesa tem atingido consecutivamente valores record como, desde 2005 inclusive, se tem assistido, em todos os anos, a uma escandalosa revisão em alta da despesa pública total, corrente e corrente primária que, como mostra o quadro 2, sofreram em cada um destes três anos, revisões em alta sempre superiores a 1.000 milhões de euros, sendo que, em 2006, a despesa corrente e a despesa corrente primária foram mesmo revistas em mais de 2 mil milhões de euros (que representam mais de 1.2% do PIB?) face ao cenário original. Mas então, perguntará o leitor, como terá ficado o défice abaixo do originalmente previsto quer em 2006, quer em 2007? Simples: como o quadro 2 também mostra, valor das receitas foi revisto numa alta ainda maior do que o valor das despesas face aos montantes inicialmente orçamentados!... É, assim, evidente que em 2005 se assistiu a uma clara manobra de elevação da despesa pública financiada à custa do maior aumento de impostos de que há memória (e que tem vindo a sufocar a economia); que a mesma fórmula foi aplicada em 2006 e 2007; e que, qual “cereja no topo do bolo”, a despesa pública total, a despesa corrente e a despesa corrente primária ainda irão crescer 4,4%, 4,2% e 4,2% em 2008, respectivamente, ou seja, muito mais do que nos dois anos anteriores!...

Aliás, é interessante verificar que, se se tivessem mantido as projecções originais para a despesa pública em 2005, 2006 e 2007, com a receita efectivamente cobrada nestes mesmos anos, o défice ter-se-ia situado em 4,9% do PIB em 2005, 3% em 2006 e 2,3% em 2007. Ora, o que tivemos foi 6,1%, 3,9% e 3%... e mesmo em 2008 o Governo aponta para um défice de 2,4%... acima do que podia já ter sido obtido em 2007!... Será isto o rigor e a contenção de que o Governo repetidamente se vangloria?!... Haja decoro!... Porque a verdade é que se os valores inicialmente orçamentados para a despesa não tivessem derrapado, os défices registados em 2005, 2006 e 2007 poderiam ter sido obtidos, por exemplo, sem qualquer aumento do IVA e sem ter sido criado o último escalão no IRS. E as nossas dificuldades económicas seriam bem menores do que temos vindo a sentir!...

2. Não admira assim que, com opções deste género, o Governo se tenha demitido de fazer política fiscal (que, aliás, tem desprezado desde o dia em que iniciou funções). No OE’2008, e a exemplo dos anos anteriores, o lema é arrecadar o máximo de receita possível, seja lá por que meios for, para tentar, sempre, alimentar o mais possível o “monstro”. E as propostas apresentadas são de fraquíssima relevância, como os incentivos fiscais a PME e à interioridade, ou a duplicação da dedução (que continuará a ser mínima?) para pais de filhos até três anos. Em vez de simplificar o sistema fiscal e fazer reverter todos e quaisquer ganhos daí resultantes (bem como os do combate à fraude e evasão), na medida do possível, a favor dos contribuintes através da redução progressiva das taxas dos principais impostos, a actuação do Governo na área fiscal pauta-se pela criação de mais incentivos e benefícios de reduzida dimensão (complicando ainda mais o sistema) e cuja eficácia é, no mínimo, extremamente duvidosa. O contrário do que devia ser feito, portanto.

3. Para lá de tudo isto, descobre-se ainda que, neste Orçamento, o Executivo não resistiu a uma clara desorçamentação para compor o ramalhete: é o caso da transformação da Estradas de Portugal de entidade pública empresarial em sociedade anónima (com o intuito de a retirar do perímetro do défice), que levará a que a despesa total consolidada do Ministério das Obras Públicas caia de 969 milhões de euros este ano para 449,2 milhões de euros em 2008 (uma redução de 53,6%). Uma operação que, pasme-se!, o Governo toma como certa mas que levanta muitas dúvidas quer ao Banco de Portugal, quer ao INE e em que, assim, a probabilidade maior é que não venha a ser aceite por Bruxelas? Para quem sempre afirmou que não recorreria a truques nem a expedientes como desorçamentações, e muito menos a medidas extraordinárias, convenhamos que não está mal?

Como é evidente, tudo o que acima foi exposto me leva a discordar frontal e totalmente com este Orçamento do Estado. Que, do meu ponto de vista, fica nos antípodas das opções e políticas que o país precisava.

Nota: A primeira parte deste texto foi publicada no passado dia 16 de Outubro.

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