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OE’2008: Muito mais do que uma desilusão (I)

Há um ano, cataloguei o Orçamento do Estado para 2007 (OE’2007) como uma desilusão. Um ano decorrido, ao analisar o OE’2008, o sentimento é, infelizmente, reforçado, porque nos encontramos perante um processo de consolidação orçamental absolutamente desad

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Por duas razões principais. Porque é ilusório o combate à despesa: o problema de excesso de despesa pública de que Portugal padece há anos (sobretudo de despesa corrente, de funcionamento do aparelho do Estado), continua por resolver. E depois, porque carece de uma actuação acertada do lado dos impostos: a nossa falta de competitividade fiscal – uma das vertentes da competitividade geral em que pior comparamos com os nossos concorrentes, e que é essencial para sermos mais atractivos, produtivos e criarmos mais riqueza – em nada é invertida.

Tal como sucedeu com o OE’2007, nenhum destes dois problemas é combatido no OE’2008. Pior: o revés no combate à despesa até é maior; os números muito preocupantes. Por isso, em minha opinião, este é um Orçamento que não serve ao País. Explicarei porquê nos parágrafos que se seguem, bem como na segunda parte deste texto, a ser publicado de hoje a duas semanas.

Antes, porém, um breve comentário ao cenário macroeconómico subjacente ao OE’2008, importante para se perceber “em que economia” espera o Governo executar as suas orientações de política orçamental. Penso que é demasiado optimista. A começar pelas taxas de juro: quando o Banco Central Europeu tem dado indicações que, a haver mexidas nas taxas, elas serão para cima, parece-me no mínimo questionável prever uma taxa média anual a 3 meses de 4,2% em 2008 contra 4,3% em 2007? E note-se os efeitos negativos que taxas mais elevadas terão quer no consumo, quer no investimento (outra previsão controversa: como irá crescer 4% contra 1% em 2007?).

Depois, o crescimento económico: 2,2%, revistos em baixa de 2,4% – quando o FMI veio prever 1.8% (o mesmo valor que em 2007). O desemprego: difícil de entender a redução dos estimados 7,8% em 2007 para 7,6% em 2008. As exportações: que dizer do crescimento previsto de 6,7% para as exportações (6.9% em 2007), com o abrandamento que se prevê para os EUA e a Europa, em resultado da crise do mercado de crédito e da turbulência dos mercados financeiros?... Enfim, como se vê, todos os riscos são do lado negativo. Em minha opinião, nada se teria perdido com maior cautela. Até porque, crescendo 2,2%, 2% ou 1,8%, a verdade é que iremos divergir do crescimento médio da média da União Europeia em 2008 – o nono ano consecutivo em que ficaremos relativamente mais pobres face aos nossos congéneres europeus?

E vamos então aos aspectos mais relevantes que me levam a considerar o OE’2008 como “muito mais do que uma desilusão”.

1. Nunca, na sociedade portuguesa, estiveram reunidas tantas condições como agora para cortar eficazmente na despesa pública. E quando escrevo “cortar” refiro-me à sua redução de facto, em termos absolutos. Nunca tal foi feito – infelizmente. Sei que não é fácil. Mas nunca, como hoje, foi tão necessário. Mas é isso que o país precisa que aconteça como “do pão para a boca” em pelo menos um ou dois anos. É verdade que a despesa pública, a despesa pública corrente e a despesa corrente primária (para só referir os agregados da despesa mais importantes) continuarão, de acordo com as previsões do Governo, a descer em percentagem do PIB em 2008 – e isso é, inegavelmente, positivo. Mas, por mais que o Ministro das Finanças insista em referir que este é o único critério relevante para se avaliar o que acontece na área da despesa pública, todos sabemos que não é assim: o crescimento dos agregados da despesa face ao ano anterior é igualmente importante. E, aí, a verdade é que, em 2008, a despesa pública total, corrente e corrente primária (i) sobem todas em valor absoluto (assumindo valores record); (ii) sobem mais do que se admite virem a aumentar em 2007: respectivamente 4,4%, 4,2% e 4,2%, contra 2,4%, 2,3% e 1,8%, isto é crescimentos próximos do dobro (!) dos de 2007, um cenário que considero verdadeiramente assustador; e (iii) sobem em termos reais, aumentando, também aqui, mais do dobro do que se prevê para a inflação (2.1%).

2. Ora, desta forma é transmitido um sinal de laxismo à sociedade, o que considero um erro crasso, até pelos já referidos tempos incertos da conjuntura internacional, com consequências sobre as já-de-si difíceis condições estruturais que, reconhecidamente, a economia portuguesa continua a atravessar. O que teria sido correcto, mesmo não conseguindo reduzir a despesa pública de facto, era, pelo menos, que todas estas componentes da despesa crescessem menos do que em 2007 e/ou não crescessem em termos reais. Assim, se alguma intenção houve de conter ou consolidar, ela resultou num rotundo falhanço.

3. Creio que o Ministro das Finanças tem perfeita consciência deste facto: a irritação que não escondeu na conferência de imprensa de apresentação do OE’2008, quando questionado pelos jornalistas quanto à falta de ambição deste Orçamento é disso reveladora. Correndo o risco de irritar ainda mais o Ministro, não posso, contudo, deixar de lhe levantar três questões sobre rubricas da despesa pública que não incluem a área social (segurança social, saúde, educação, cujo crescimento nem questiono), e cuja evolução – que considero problemática e preocupante – depende exclusivamente das opções e da vontade do Governo.

Primeira: Por que razão as “despesas com o pessoal” das Administrações Públicas crescerão 0,6% em 2008, quando se admite um decréscimo de 2% em 2007? E por que razão se estima uma redução do peso desta rubrica no PIB de 0,5 pontos percentuais em 2008 (12,8% para 12,3%), quando em 2007 essa redução é bem superior (0.8 pontos percentuais, de 13,6% para 12,8%)? Por que se dá este claro abrandamento no controlo e contenção das despesas com o pessoal quando a lógica faria prever que os efeitos do PRACE, mesmo com todas as derrapagens que têm acontecido, seriam maiores em 2008?...

Segunda: Ao nível da Administração Central, por que razão no OE’2007 se previa que, em 2007, as despesas com o pessoal desceriam 0,8% e, afinal, a estimativa inscrita no OE’2008 aponta para um? crescimento de 1,3%, sendo que até mesmo a rubrica “remunerações certas e permanentes” deverá crescer 0,5%? Onde estão os efeitos do PRACE em 2007 – e, já agora, em 2008, quando se prevê que as despesas com o pessoal do Estado Central tornem a subir (embora apenas 0.1%, é certo)? 

Terceira: Por que razão a despesa da rubrica “consumo intermédio” (as despesas em bens e serviços) das Administrações Públicas irá crescer 7,4% (9,4% na Administração Central!...), depois de aumentar 2,5% em 2007? Com menos estruturas, quer ao nível de dirigentes, quer de serviços, o crescimento não deveria ser? bem menor?!...

4. As dúvidas e questões que acabo de levantar permitem indiciar que os dois anos e meio do Governo Socialista que já passaram foram um falhanço no que toca à reforma da Administração Pública, à reestruturação da despesa pública e ao “emagrecimento” do Estado Central. Tempo perdido. E, como estamos a entrar na segunda metade da legislatura, creio que o OE’2008 revela já a preparação do período eleitoral que se viverá em 2009. De outro modo, é difícil, mesmo muito difícil, de entender por que cresce a despesa pública 4,4% e, sobretudo, a despesa corrente primária 4,2%. Uma coisa é, porém certa: nas actuais circunstâncias da economia portuguesa e com a necessidade imperiosa de realizar uma consolidação orçamental pelo lado da despesa, um OE em que os grandes agregados da despesa pública crescem acima de 4%, quase ao dobro do ano anterior e da própria taxa de inflação, não pode, certamente, ser considerado como de rigor, contenção ou consolidação. Já “facilitista”, “laxista” e “despesista” são termos que lhe assentam que nem uma luva. Para mal de todos nós.

Nota: A segunda parte deste texto será publicada no próximo dia 31 de Outubro.

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