Opinião
O pico da polémica
O consenso mínimo foi expresso pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, que aponta para cenários em que as temperaturas poderão subir de 1,1 a 6,4 graus no final do século. As reduções necessárias nas emissões de gases com...
O consenso mínimo foi expresso pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, que aponta para cenários em que as temperaturas poderão subir de 1,1 a 6,4 graus no final do século.
As reduções necessárias nas emissões de gases com efeito de estufa até 2020, ou mesmo 2050, para tentar evitar uma alta de temperatura superior a 2 graus irão coincidir com o declínio da produção de petróleo e a transição para uma economia que terá de superar a dependência dos hidrocarbonetos.
As estimativas dos especialistas da ONU sobre mudança climática vão a par da contínua polémica sobre o pico do petróleo, o momento em que a exploração dos recursos disponíveis entrará em declínio.
Dentro em breve ou daqui por 40 anos
Os estudos recentes apresentam perspectivas contraditórias e têm implicações substanciais para as estratégias de combate ao aquecimento global.
O Centro de Pesquisa de Energia do Reino Unido conclui pelo crescente declínio da produção de petróleo convencional (excluindo combustíveis líquidos extraídos de areias e xitos betuminosos, carvão, gás natural e biomassa).
Mais de dois terços da presente capacidade de produção terão de ser substituídos até 2030 para manter o actual nível de extracção, o que implica, por seu turno, um incremento anual rondando os 3 milhões de barris/dia (a Arábia Saudita produz presentemente 3,8 milhões de barris/dia).
A possibilidade do declínio irreversível da produção, ou, na melhor das hipóteses, da estagnação por alguns anos seguida de queda abrupta, ocorrer antes de 2030 é tida como provável e a ocorrência de uma quebra nos níveis de extracção ainda antes da década de 2020 surge como "um risco significativo".
O relatório pode ser consultado aqui:
http://www.ukerc.ac.uk/support/Global%20Oil%20Depletion
Já os consultores da IHS Cambridge, liderados por Daniel Yergin, consideram possível um crescimento da produção sustentada de 92 milhões de barris/dia em 2009 para cerca de 115 milhões de barris/dia até 2030, podendo manter-se esse nível durante duas décadas.
A recente crise provocou cortes de 19% nos investimentos no sector petrolífero e do gás natural em 2009, em relação ao ano anterior, mas o previsível aumento da procura obrigará ao retomar do investimento tecnológico para explorar novas jazidas, as areias betuminosas de Alberta, no Canadá, etc., porque, apesar da aposta em fontes renováveis, o petróleo satisfaz 40% das necessidades de energia.
O estudo, que estima as reservas totais em 4,8 triliões de barris e a produção, até à data, em 1,1 triliões, está disponível aqui:
http://www.cera.com/aspx/cda/client/report/report.aspx?KID=5&CID=10720#top
A Agência Internacional de Energia admite, por seu turno, que a produção petrolífera chegue aos 106 milhões de barris/dia em 2030, enquanto especialistas das universidades de Uppsala, Adelaide e Liverpool (cf. http://www.tsl.uu.se/uhdsg/Publications/PeakOilAge.pdf) calculam que a extracção já entrou em declínio e o nível máximo ficará pelos 75 milhões de barris/dia dentro de duas décadas.
Uma transição turbulenta
O petróleo e demais combustíveis fósseis são apenas um dos factores, num contexto de aumento dos consumos de energia, que, numa projecção da Agência Internacional de Energia, poderão, na ausência de medidas governamentais de contenção, crescer 40% nas duas próximas décadas em relação aos níveis de 2007, ao mesmo tempo que se torna necessário reduzir os custos ambientais energéticos.
A conjugação de riscos geopolíticos, impedindo a exploração de reservas provadas, prováveis e potenciais de petróleo (questão menos premente para o gás natural, que poderá prover ao consumo até pelo menos 2060), os custos de perturbações nos fornecimentos de energia reduzindo a produção e comercialização de alimentos, a escassez de água, tornam ainda mais difícil acertar políticas globais de redução das emissões de gases com efeitos de estufa.
O petróleo, no entanto, é o combustível político por excelência e uma das matérias-primas mais sensíveis à especulação financeira potenciada nos últimos anos pelo declínio do dólar.
Para a OPEP, que representa 40% da produção, a conjuntura é animadora. O barril entre os 75 e os 80 dólares é preço presentemente aceitável para os 12 estados produtores. Significativas reservas de crude nos principais consumidores, em particular nos Estados Unidos, e um aumento lento da procura auguram para os primeiros meses de 2010 um mercado petrolífero longe das convulsões de 2008 e 2009.
Mas a Cimeira de Copenhaga vai acabar por marcar mais um passo na transição para uma economia menos dependente dos combustíveis fósseis e a competição pelo acesso a um recurso escasso irá agravar-se no imediato e, aqui, o petróleo jogará um papel fundamental.
Toda a eventual melhoria ambiental acabará por ser feita à custa dos produtores de petróleo e muito rapidamente o estatuto político desses países irá degradar-se e pagar boa parte da factura dos custos da transição. As repercussões financeiras e a turbulência, sobretudo no Médio Oriente, na Rússia e entre os produtores africanos, não vão tardar a fazer-se sentir.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira
As reduções necessárias nas emissões de gases com efeito de estufa até 2020, ou mesmo 2050, para tentar evitar uma alta de temperatura superior a 2 graus irão coincidir com o declínio da produção de petróleo e a transição para uma economia que terá de superar a dependência dos hidrocarbonetos.
Dentro em breve ou daqui por 40 anos
Os estudos recentes apresentam perspectivas contraditórias e têm implicações substanciais para as estratégias de combate ao aquecimento global.
O Centro de Pesquisa de Energia do Reino Unido conclui pelo crescente declínio da produção de petróleo convencional (excluindo combustíveis líquidos extraídos de areias e xitos betuminosos, carvão, gás natural e biomassa).
Mais de dois terços da presente capacidade de produção terão de ser substituídos até 2030 para manter o actual nível de extracção, o que implica, por seu turno, um incremento anual rondando os 3 milhões de barris/dia (a Arábia Saudita produz presentemente 3,8 milhões de barris/dia).
A possibilidade do declínio irreversível da produção, ou, na melhor das hipóteses, da estagnação por alguns anos seguida de queda abrupta, ocorrer antes de 2030 é tida como provável e a ocorrência de uma quebra nos níveis de extracção ainda antes da década de 2020 surge como "um risco significativo".
O relatório pode ser consultado aqui:
http://www.ukerc.ac.uk/support/Global%20Oil%20Depletion
Já os consultores da IHS Cambridge, liderados por Daniel Yergin, consideram possível um crescimento da produção sustentada de 92 milhões de barris/dia em 2009 para cerca de 115 milhões de barris/dia até 2030, podendo manter-se esse nível durante duas décadas.
A recente crise provocou cortes de 19% nos investimentos no sector petrolífero e do gás natural em 2009, em relação ao ano anterior, mas o previsível aumento da procura obrigará ao retomar do investimento tecnológico para explorar novas jazidas, as areias betuminosas de Alberta, no Canadá, etc., porque, apesar da aposta em fontes renováveis, o petróleo satisfaz 40% das necessidades de energia.
O estudo, que estima as reservas totais em 4,8 triliões de barris e a produção, até à data, em 1,1 triliões, está disponível aqui:
http://www.cera.com/aspx/cda/client/report/report.aspx?KID=5&CID=10720#top
A Agência Internacional de Energia admite, por seu turno, que a produção petrolífera chegue aos 106 milhões de barris/dia em 2030, enquanto especialistas das universidades de Uppsala, Adelaide e Liverpool (cf. http://www.tsl.uu.se/uhdsg/Publications/PeakOilAge.pdf) calculam que a extracção já entrou em declínio e o nível máximo ficará pelos 75 milhões de barris/dia dentro de duas décadas.
Uma transição turbulenta
O petróleo e demais combustíveis fósseis são apenas um dos factores, num contexto de aumento dos consumos de energia, que, numa projecção da Agência Internacional de Energia, poderão, na ausência de medidas governamentais de contenção, crescer 40% nas duas próximas décadas em relação aos níveis de 2007, ao mesmo tempo que se torna necessário reduzir os custos ambientais energéticos.
A conjugação de riscos geopolíticos, impedindo a exploração de reservas provadas, prováveis e potenciais de petróleo (questão menos premente para o gás natural, que poderá prover ao consumo até pelo menos 2060), os custos de perturbações nos fornecimentos de energia reduzindo a produção e comercialização de alimentos, a escassez de água, tornam ainda mais difícil acertar políticas globais de redução das emissões de gases com efeitos de estufa.
O petróleo, no entanto, é o combustível político por excelência e uma das matérias-primas mais sensíveis à especulação financeira potenciada nos últimos anos pelo declínio do dólar.
Para a OPEP, que representa 40% da produção, a conjuntura é animadora. O barril entre os 75 e os 80 dólares é preço presentemente aceitável para os 12 estados produtores. Significativas reservas de crude nos principais consumidores, em particular nos Estados Unidos, e um aumento lento da procura auguram para os primeiros meses de 2010 um mercado petrolífero longe das convulsões de 2008 e 2009.
Mas a Cimeira de Copenhaga vai acabar por marcar mais um passo na transição para uma economia menos dependente dos combustíveis fósseis e a competição pelo acesso a um recurso escasso irá agravar-se no imediato e, aqui, o petróleo jogará um papel fundamental.
Toda a eventual melhoria ambiental acabará por ser feita à custa dos produtores de petróleo e muito rapidamente o estatuto político desses países irá degradar-se e pagar boa parte da factura dos custos da transição. As repercussões financeiras e a turbulência, sobretudo no Médio Oriente, na Rússia e entre os produtores africanos, não vão tardar a fazer-se sentir.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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