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29 de Março de 2019 às 10:12

Costa na encruzilhada

Além das crises familiares no Governo, duas coisas incomodam António Costa: o Novo Banco e a União Europeia.

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"As campanhas criam fantasias que permitem ganhar as eleições mas nenhuma se traduz num progresso real para os eleitores"
Bill Clinton

Costa na encruzilhada
Além das crises familiares no Governo, duas coisas incomodam António Costa: o Novo Banco e a União Europeia. A venda do Novo Banco já foi feita pelo seu Governo e o que se está a passar mostra que os termos da venda foram, digamos, mal calculados. E assim, por mais ginástica que Mário Centeno faça, por mais exercícios de contorcionismo que consiga, uma coisa é certa: estamos todos a pagar, seja de que forma for, e isto não estava nada no programa - quem decidiu não mediu as consequências, não há volta a dar ao texto. A outra coisa, a Europa, fia mais fino porque mexe nas convicções fundamentais da geração de dirigentes socialistas portugueses e europeus que antecedeu o actual primeiro-ministro no processo de construção da União. O seu mal estar foi notório na entrevista em que colocou reservas face ao Euro, aos equilíbrios de Bruxelas e face ao processo de construção da Europa. As ideias que manifestou conseguem, com a habilidade que se tem de lhe reconhecer, um equilíbrio entre o anti-federalismo, as críticas à forma de criação do Euro e o desejo de ter uma voz mais activa no futuro - está tudo ligado aliás. É uma entrevista muito mais significativa que um mero exercício de propaganda no horizonte das eleições para o Parlamento Europeu. É a entrada de António Costa na disputa de cargos internacionais de primeiro plano, querendo demarcar-se dos erros da geração anterior, propondo-se mudar o que nem sequer ainda anuncia e colocando-se na primeira linha do combate a horizontes que assustam, com razão, muita gente. Esta entrevista é o anúncio de que Costa pretende ser uma voz que está a querer falar mais alto que Macron. Apesar dos incidentes internos quer parecer um estadista. Promete e pensa melhor do que executa. Voltando à fértil questão da proliferação do governamental convívio familiar mão amiga fez-me chegar um livrinho chamado "Families and how to survive them" de Robin Skynner (psiquiatra) e de John Cleese, e que tem capítulos maravilhosos como "Why did I have to marry you?", "Who's in charge here?" ou "What are you two doing in there?". Boas perguntas, não é?

Semanada
A carga fiscal atingiu novo máximo em 2018 com o peso das receitas de impostos e contribuições sociais a atingir 35,4% do PIB a Agência para a Segurança da Aviação detectou falhas em helicópteros do INEM e recomendou a sua paragem avarias em veículos do INEM põem em causa socorro nas zonas do Porto, Gaia e Coimbra há mais de dois mil doentes à espera da realização de um transplante porque o envelhecimento de dadores faz baixar a recolha de órgãos em 2018 a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima foi chamada a ajudar três crianças por dia as zonas Norte e Centro têm 65,5% das novas construções para habitação em 2018 foram transaccionados quase 180 mil imóveis num montante global de 24,1 mil milhões de euros, o maior valor de sempre em apenas um ano o preço médio das habitações aumentou 10% Catarina Martins disse que deve haver uma reflexão no Governo e no PS sobre a existência de relações familiares e Carlos César denunciou que no Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda são abundantes e directas as relações familiares o publicitário Manuel Soares de Oliveira descreveu a situação no Facebook: "Finalmente temos um Governo que defende os valores da família e a direita ataca" uma mulher acusada de violência doméstica mordeu o polícia que a ia deter ilustrando a Justiça que temos, alguns dos crimes de que o sucateiro Manuel Godinho era acusado no processo Face Oculta já prescreveram, entre eles três de corrupção e cinco de tráfico de influências.

Dixit
"O que eu gostava mesmo era de desenhar livremente; com lápis, com caneta, com cores, com o que tivesse à mão, colecionando vistas, sobreposições, acidentes, deformações, insólitos bocados de arquiteturas existentes"
Manuel Graça Dias

Pode a música ser um poema?
Comecemos por imaginar dois pianos a falar um com o outro. Neste caso, os dois pianos, ou melhor dizendo, os dois pianistas, Vijay Iyer e Craig Taborn, encontraram-se há uns quinze anos quando ambos tocavam com o saxofonista Roscoe Mitchell. Na altura estavam no início das respectivas carreiras e procuravam abrir horizontes h que é o que têm feito ao longo destes anos. Vijay Iyer é talvez o mais conhecido dos dois e o que mais tem editado, quer com outros músicos, quer a solo. Mas ao longo deste tempo continuaram a tocar em conjunto sempre que possível. "The Transitory Poems" é o disco agora editado pela ECM e que reproduz um concerto que deram em Março de 2018 na Franz Liszt Academy, em Budapeste. Aqui está um exemplo raro do que pode a improvisação, a capacidade inventiva, quando se juntam dois músicos de excepção. As influências de outros pianistas como Cecil Taylor ou Geri Allen são evidentes e deve dizer-se que os estilos de Iyer e Taborn são bem diferentes: o primeiro é contido e preciso, o segundo é sugestivo e aberto. O resultado é magnífico.

Fenómenos contemporâneos
A lei que impede abates deixa canis superlotados e várias câmaras municipais admitem que a saúde pública pode estar em risco devido ao aumento de animais vadios nas localidades.

Imagens arquitectónicas
Para assinalar os 30 anos do Photoshop o MAAT escolheu obras de meia centena de artistas que constroem e manipulam imagens feitas a partir de objetos e espaços arquitetónicos, numa exposição intitulada "Ficção e Fabricação" (e que inclui a imagem de James Welling aqui reproduzida). Com o Photoshop proliferaram ferramentas digitais na produção fotográfica e esta exposição mostra o imaginário da arquitetura como tema fulcral de uma prática expandida da fotografia na arte contemporânea. Podem ser vistas obras de nomes como Andreas Gurski, Thomas Ruff, Jeff Wall, Thomas Demand e criações ficcionais de Beate Gütschow, Oliver Boberg ou Isabel Brison. Até 19 de Agosto poderá ver uma viagem a "um panorama da fotografia de arquitectura que contorna abordagens objetivas e privilegia as efabulações sobre o real entre o olhar cinematográfico, a desconstrução da imagem ou as narrativas mais politizadas." Outras sugestões: no Porto, no novo Espaço 531, dedicado a obras de pequeno formato na Rua Miguel Bombarda e que passa a integrar a Galeria Fernando Santos, Pedro Calapez expõe até 27 de Abril 44 placas no formato 42 x 30 cm, todas diferentes, todas com movimentos circulares, um bom exemplo da obra do artista. No Atelier- -Museu Julio Pomar, em Lisboa, até 17 de Abril está a exposição coletiva "muitas vezes marquei encontro comigo próprio no ponto zero" , um projecto de Marta Rema que reúne trabalhos que abordam o desejo de pensar o silêncio nas suas várias dimensões e que inclui obras de, entre outros, nomes como Ana Pérez-Quiroga, Cecília Costa, Fernando Calhau, Helena Almeida, Jorge Molder, Rui Chafes, Sandro Resende, Sara & André e do próprio Júlio Pomar, de quem são mostrados os desenhos da prisão realizados no Forte de Caxias, onde o artista esteve detido de 27 de abril a 26 de agosto de 1947.

As polémicas do fado
Cada vez que a música muda de figura aparece sempre alguém a reclamar. Foi assim com os grandes compositores clássicos, com os pioneiros da música contemporânea, com o abanar de ancas do rock'n'roll. Num novo livro Alberto Franco lembra que também por cá se passou o mesmo: "Os ataques ao fado começaram pouco depois do seu aparecimento. Alguns intelectuais oitocentistas associavam-no ao crime. Achavam-no mórbido, lutuoso, indigno duma nação civilizada." O autor destas palavras, Alberto Franco, é um homem incómodo - jornalista, escreveu sobre História, regiões, gastronomia e esse pecado hoje mortal que é a arte tauromáquica. Também escreve letras para fados e por isso mesmo se dedicou a fazer a história dos sobressaltos que o canto da Severa atravessou: "Nascido nas franjas marginais de sociedade, baseado em fórmulas poéticas e musicais aparentemente pouco elaboradas, distraído do respeito pelos bons costumes, irreverente para com os poderes constituídos, o canto fadista não poderia deixar de atrair as censuras dos mais diversos quadrantes." Na realidade, como recordas, Fernando Lopes Graça considerava o fado uma canção bastarda e Salazar não gostava de Fado. Mas isso não impediu que o Fado fosse confundido com a propaganda do Estado Novo e que muitos opositores vissem o género como um instrumento da ditadura. Muito antes de se ter tornado Património Cultural Imaterial da Humanidade, o fado recolhia ódios e descrenças de todas as áreas da sociedade em Portugal - até mesmo na medicina - o médico Samuel Maia acusou-o, inclusive, de fazer mal ao fígado. Alberto Carvalho recorda o incómodo que Amália causou quando decidiu cantar Camões, a forma como o Fado foi associado ao "escoadouro que temos de tudo, o que temos de pior, a uma verdadeira descida aos infernos da vida portuguesa", num escrito de António Osório que classificava a Severa a uma meretriz iletrada e que reflectia o que um pensamento de esquerda considerava em Junho de 1974 no seu livro "A Mitologia Fadista". A resposta a esse panfleto surge agora pela mão de Alberto Franco, neste "As Guerras do Fado", editado pela Guerra & Paz, em parceria com a Sociedade Portuguesa de Autores.

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