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Importam-se de repetir?

A emergência do Califado islâmico deve-se à desastrosa intervenção norte-americana no Iraque e ao seu apoio descabelado às insurreições designadas pelos ingénuos como "primaveras árabes".

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1 Lê-se e não se acredita. Para o governo norte-americano, "não é possível lidar de forma duradoura com o problema do Estado Islâmico (EI) enquanto o problema Assad não for resolvido", afirmou Samantha Power, embaixadora dos Estados Unidos na ONU, à cadeia PBS, acrescentando que "uma das razões por que os combatentes terroristas estrangeiros chegam à Síria é que eles querem combater Assad". Se necessidade houvesse de evidenciar a tradicional falta de clarividência da política internacional dos Estados Unidos, eis uma prova cabal. Nem Henry Kissinger, recordista das boutades diplomáticas, teria dito melhor.

 

Recuemos um pouco no tempo. A emergência do Califado islâmico deve-se à desastrosa intervenção norte-americana no Iraque e ao seu apoio descabelado às insurreições designadas pelos ingénuos como "primaveras árabes". Foram os Estados Unidos e os seus aliados europeus quem fez ressurgir o wahhabismo, a fonte ideológica do EI, ao desmantelarem os regimes ditatoriais laicos no Iraque, na Tunísia e na Líbia. Agora, após múltiplos avanços e recuos e apoio logístico alternado, ora às forças governamentais ora aos rebeldes, preparam-se para suportar a destruição do que resta da Síria. O resultado adivinha-se trágico, não só para o povo sírio, como para todo o Próximo Oriente.

 

O que surpreende, além da manifesta incompetência dos países ocidentais em lidarem com as situações no terreno e em entenderem as contradições sociais e religiosas naquela parte do mundo, é o desconchavo do seu argumentário. Seguindo o silogismo da embaixadora Power, os terroristas afluem à Síria para combater Assad; logo, há que derrubar Assad para que não cheguem em maior número, convertendo-se os existentes aos ideais da paz e da democracia. Se o assunto não fosse tão grave, apetecia sugerir à administração norte-americana a produção de uma série de aventuras sobre o EI no Disney Channel.

 

2 "A crescente viabilização de voos revela ao futuro empregador que é afinal possível realizar parcialmente a operação com um número de pilotos reduzido, tornando o Acordo de Empresa dispensável", reza o comunicado do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) do passado dia 3 de Maio.

 

Decididamente, o SPAC é digno de se transformar num case study. Todos os ingredientes estão reunidos para uma abordagem académica às questões da liderança, dos conflitos de interesses, da teoria de agência, da ética e da lógica. Ponhamos de lado, por comodidade de raciocínio, o rol de matérias duvidosas acerca dos pilotos-dirigentes-consultores do SPAC. Afastemos igualmente os temas da representatividade e da imagem institucional, demasiado complexos para serem entendidos por gente comum. Foquemo-nos na lógica.

 

O primeiro aspecto a destacar é o facto de, perante a greve mais extensa dos últimos vinte anos (dez dias, com ameaças de extensão), a opinião pública desconhecer por completo as razões do movimento. Verdade se diga que, através dos seus variados porta-vozes, o SPAC tem aduzido muitas, tantas e tão voláteis que a confusão é total, mesmo entre os espíritos mais indulgentes para com os movimentos sindicais. Da quota alegadamente reservada aos pilotos no quadro da privatização, aos modelos dos aviões recentemente encomendados, à empresa de manutenção no Brasil, às diuturnidades, aos direitos futuros, de tudo temos ouvido a granel ou por atacado.

 

O que certamente não passaria pela cabeça de nenhum observador minimamente atento era o argumento de que o Acordo de Empresa se tornava dispensável dada a evidência de que "é afinal possível realizar parcialmente a operação com um número de pilotos reduzido". Algo se torna claro - os pilotos estão mesmo a precisar de férias.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa 

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