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02 de Fevereiro de 2016 às 20:20

Uma matança indiscreta 

Execuções sumárias, raptos, violações, agressões, assolam Bujumbura, ameaçando o retorno às guerras entre hutus e tutsis que devastaram o Burundi desde os anos 1970 até ao início deste século. 

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A candidatura a um terceiro mandato presidencial de cinco anos do hutu Pierre Nkurunziza degenerou num conflito político que está a assumir rapidamente contornos de ajuste de contas étnico.

 

Contam-se cerca de meio milhar de mortes desde Abril de 2015, mas no confronto  entre apoiantes e opositores de Nkurunziza sobressai agora a retórica governamental  de defesa dos interesses dos patriotas hutus contra os inimigos do Burundi em que, ignominiosamente, predominam tutsis.

                             

Um país abandonado à sua sorte 

 

A cimeira da União Africana em Addis Ababa recuou este fim-de-semana na intenção, anunciada em Dezembro, de enviar um contigente de 5 mil militares para o Burundi.

 

O artigo 4.º da Carta da UA permite uma intervenção sem consentimento do governo legalmente reconhecido em caso de "crimes de guerra, genocídio ou crimes contra a humanidade".    

 

Bujumbura ameaçara resistir pela força à entrada de tropas estrangeiras e, na ausência de acordo maioritário entre os demais 53 Estados, a UA abandonou a ideia de uma acção militar sem precedentes desde a fundação da organização em 2002.

 

O Conselho de Segurança da ONU constatou, por sua vez, em Novembro, não dispor de meios para estancar a violência crescente no Burundi.

 

Na formulação fatalista da presidente do CS, a norte-americana Samantha Power, o Burundi "está a caminho do Inferno".  

 

A instrumentalização política

 

Após quatro dos sete juízes do tribunal constitucional terem aceitado em Maio a candidatura de Nkurunziza, o antigo chefe de Estado-maior do Exército, o hutu Godefroid Niyimbare, lançou um golpe de Estado, tendo o fracasso da rebelião gerado as primeiras vagas de repressão na capital.

 

Os protestos organizados por partidos hutus e tutsis culminaram no boicote pela oposição da eleição presidencial em Julho e, apesar de dissensões entre dirigentes do partido governamental hutu, Conseil National Pour la Défense de la Démocratie-Forces pour la Défense de la Démocratie, a maioria dos militantes alinhou com Nkurunziza.

 

Na sequência de atentados contra figuras proeminentes do partido do presidente e oposicionistas a 11 de Dezembro foram atacadas bases militares e uma escola do exército em Bujumbura.

 

A reactivação de milícias do tempo da guerra civil e a intervenção de diversos bandos armados agudizaram a atmosfera de violência, tendo as retaliações governamentais centrado-se sobretudo em bairros de maioria tutsi da capital onde a contestação ao presidente tem sido mais virulenta.

 

Censura e perseguição de jornalistas e observadores estrangeiros não obstaram a que tenham sido identificados centenas de mortos e assinaladas valas comuns, numa altura em que mais de 230 mil dos 9 milhões de habitantes já fugiram para Congo, Ruanda e Tanzânia.

 

Indícios de uma purga nas forças armadas, onde cerca de 60% dos oficiais são hutus, proclamações de combate contra inimigos da nação e do Estado, denotam a instrumentalização de filiações étnicas por parte da elite associada ao Presidente.       

 

Oficiais dissentes, como o tenente-coronel, Edouard Nshimirimana, anunciaram, entretanto, a formação de frentes militares como a Force Républicane do Burundi, para combaterem o Presidente que conta com forte apoio na zonas rurais de maioria hutu.

 

Paz precária, guerra latente            

                                            

A partilha equitativa de poder entre hutus (85% da população) e tutsis (14%, contando-se, ainda, 1% de pigmeus caçadores Twa) aceite nos acordos de paz mediados pela Tanzânia, África do Sul e Estados Unidos, esteve na base da pacificação do Burundi a partir de 2005.

 

Desde a independência da Bélgica, em 1962, o Burundi registou mais de 250 mil mortes em conflitos armados e dois genocídios - em 1972, vitimando em particular hutus, e 1993, dizimando essencialmente tutsis -, nos termos da definição de tentativa de destruição da totalidade ou parte de grupo étnico (Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, 1948).

 

A guerra civil que se prolongou por mais de uma década a partir de Outubro de 1993 provocou, posteriormente, para cima de 300 mil mortos no quadro das convulsões que assolaram toda a Região dos Grandes Lagos.

 

Para o homem-forte do Ruanda, Paul Kagame, é intolerável uma repetição de chacinas de tutsis por parte de radicais hutus no país vizinho o que ameaça a rápida internacionalização do conflito.

 

À espera do pior

A ameaça de recusa de vistos de entrada, o congelamento de contas bancárias e o arresto de bens em países como a África do Sul ou o Quénia podem revelar-se eficazes contra alguns apoiantes influentes de Nkurunziza, mas a aplicação de sanções dificilmente irá alterar a dinâmica do conflito.

 

Impor a retirada dos 5.432 militares que o Burundi mobilizou para a Missão da União Africana na Somália, fazendo mossa nos soldos do exército, contribuiria para maior desestabilização.

 

Impotência internacional para pressionar as partes em conflito, em particular o governo e o exército, ausência de diálogo político sob mediação do Vaticano, ONU ou UA, e ameaça de intervenção do Ruanda caracterizam o impasse.

 

O controlo da administração estatal é a chave para negócios, influência e poder num país agrícola dependente do rendimento das exportações de café, com fortíssima densidade populacional - a segunda maior da África Continental a seguir ao Ruanda.

 

Sem saídas no mercado de trabalho para uma população muito jovem, cerca de 40% dos habitantes têm 15 anos ou menos, qualquer confronto político no Burundi corre o risco de acentuar clivagens étnicas em que muito contam memórias de actos de extrema violência.

 

Jornalista

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