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11 de Novembro de 2014 às 19:31

Fartos, esgotados e revoltados

"Ya me cansé", o lamentável desabafo do procurador-geral Jesús Murillo, numa conferência de imprensa sobre o assassínio de 43 estudantes no estado de Guerrero, tornou-se num sarcasmo de protesto entre os mexicanos contra as violências e impunidades geradas pela criminalidade e o narcotráfico.

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A investigação do massacre ocorrido a 26 de Setembro só avançou sob pressão das famílias das vítimas, obrigando as autoridades federais a apresentarem na semana passada uma versão lacunar que aponta para a cumplicidade entre a polícia local e um bando de criminosos na morte dos estudantes e posterior incineração dos cadáveres.

 

Tudo começou no rito de iniciação política que levaria cerca de 80 caloiros de uma Escola Normal Rural - uma instituição de internato para rapazes pobres destinada à formação de professores do ensino primário -  de Ayotzinapa, uma povoação de Guerrero, um dos estados mais pobres do sudoeste, a embarcarem em camionetas para bloquearem a auto-estrada que liga Acapulco à Cidade do México.

 

A chacina

 

Dispersos pela polícia na capital do estado, Chilpancigo, os manifestantes de Ayotzinapa, escola célebre pela sua tradição esquerdista e guerrilheira, dirigiram-se para a cidade de Iguala onde, por azar, a mulher do presidente da câmara María de los Ángeles Pineda Villa, filha e irmã de narcotraficantes, celebrava um baile.

 

A mando da primeira-dama e de seu esposo, José Velázquez, ambos políticos do "Partido de la Revolución Democrática" (PRD), a polícia atacou os estudantes tendo, depois, entregue sobreviventes e cadáveres a matadores do bando "Guerreros Unidos" que concluíram a chacina e destruíram os restos de 43 jovens.

 

A reconstituição parcial dos crimes levou à detenção de 74 suspeitos, à demissão do governador estadual Ángel Rivero, eleito pelo PRD -força de esquerda na oposição ao governo do "Partido Revolucionário Institucional" do presidente Enrique Peña Nieto - e motivou manifestações contra os desaforos da justiça e da política no México.   

 

Sadismo e anarquia

 

A angústia e revolta provocadas por mais uma matança ficou a dever-se em muito à  perseverança dos familiares em esclarecer o destino dos jovens que deixou a claro a consabida conivência entre bandos criminosos e políticos de todos os partidos, forças de segurança, militares e administrações civis e a inoperância do estado em esclarecer crimes e atentados.

 

Guerrero é o estado mais violento do país (63 assassínios por 100 mil habitantes) e palco de uma guerra entre "Guerreros Unidos" e outros bandos como "Los Rojos" e "Familia Michocana" que disputam o tráfico de drogas e pessoas, e a extorsão, sequestrando e aterrorizando populações sem protecção por parte de agentes do estado corruptos.

 

Entre 2006 e 2012 durante a presidência do conservador Felipe Calderón do "Partido Acción Nacional" a criminalidade violenta causou cerca de 70 mil mortes, mas a mobilização do exército contribuiu para desarticular alguns dos grandes cartéis que controlavam o narcotráfico no Golfo do México e na costa do Pacífico.

 

A presidência de Peña, que já contempla 30 mil mortes, prosseguiu a ofensiva numa situação ainda mais anárquica em que o sadismo e a estratégia de terror se generalizaram. 

Fez escola a prática de decapitação dos inimigos encetada a partir de 2010 pelos "Zetas", desertores das forças especiais das Forças Armadas que em 2008 passaram ao serviço do Cartel do Golfo antes de se estabelecerem por conta própria na luta pelo controlo dos estados do Norte do México.

 

Massacres como o atentado dos "Zetas" contra um casino em Monterrey, Nuevo León, em 2011 que vitimou 52 pessoas ou as matanças nesse ano e em 2010 de mais de 260 emigrantes clandestinos da América Central e do Sul em San Fernando, estado de Tamaulipas, assinalam algumas das selvajarias maiores dos últimos tempos.

 

Ódios e crimes

 

Líderes dos cartéis de Sinaloa e Juárez, dos Beltrán Leyva, dos "Guerreros Unidos" e dos "Zetas" têm vindo a ser capturados ou mortos, mas os principais grupos do crime organizado descentralizaram-se e reorganizaram-se.

 

A produção e tráfico para os Estados Unidos é, ainda, tutelada pelos grandes cartéis, contudo passaram a proliferar bandos implantados a nível regional, sem capacidade de articular redes de contrabando internacional em larga escala, que apostam fortemente na extorsão e raptos atacando directamente as populações das suas zonas de influência.  

 

O massacre de Iguala marca um momento de viragem em que a inoperância do estado em proteger vidas e bens incentiva a revolta que viceja na pobreza dos estados sulistas de Guerrero, Oaxaca e Chiapas e o ódio às violências criminosas que corrompem todo o México.

 

Jornalista 

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