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23 de Fevereiro de 2017 às 20:50

A terceira idade da Europa

Eça de Queirós escreveu um dia que "a crise é a condição quase regular da Europa". Com um pouco de exagero, poderia ter dito que a guerra era também algo que, por séculos, viveu historicamente inscrito no código genético do continente.

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Eça não teve presciência para prever que, no período subsequente ao segundo conflito mundial, a Europa viria a usufruir de um desenvolvimento em paz que lhe parecia induzir um destino de felicidade eterna, não obstante conviver com vizinhanças próximas sob elevada tensão. Um período em que as crises foram controladas e que criou a ilusão, senão do "fim da História", pelo menos da aparente garantia de um não surgimento, em termos trágicos, de velhos demónios. O tempo veio a atenuar essa ilusão, embora a Europa, comparativamente a outras áreas, seja ainda um invejável oásis..

 

O projeto integrador europeu constituiu um inegável sucesso. Mas o sucesso tem sempre um prazo de validade e faces inesperadas. Ao procurar alargar-se a Estados que carrearam consigo uma cultura de valores diferente e obsessões estratégicas muito diversas, por muito compreensíveis que estas últimas sejam, a Europa mudou fortemente de natureza. Ao entender como inevitável levar a sua integração a domínios que tocam de perto o cerne tradicional da soberania dos Estados que a compõem, a União Europeia acabou por ressuscitar pulsões nacionais que pareciam eternamente adormecidas. Alargamento e aprofundamento criaram desafios a que a Europa parece ter dificuldade de ultrapassar.

 

Isso aconteceu por uma razão relativamente simples: ao não comportar no seu projeto um modelo de representação operativa de interesses em que, de uma forma vista como equitativa pelos seus cidadãos, estes pudessem expressar e resolver, com eficácia e resultados, as preocupações muito diferenciadas que os atravessam, a Europa como que obrigou esses mesmos cidadãos a procurarem refúgio no único espaço onde, tradicionalmente, sentiam representada com legitimidade a sua diferença - os Estados nacionais. O único onde, para muitos deles, a sua voz conseguia ser ouvida. Ao fazê-lo, retiram implicitamente legitimidade ao projeto europeu e dão força, no interior de cada Estado, a quantos afirmam que a sede ideal para a resolução dos problemas é aquela que lhes está mais próxima, provando que é o défice democrático e de representatividade das instituições europeias que afasta estas dos cidadãos.

 

Esse processo de perda de representatividade das instituições europeias agravou-se ao verificar-se que, na perspetiva de muitos cidadãos, estas passaram a ser fautoras dos seus problemas e, muito menos, o espaço e o mecanismo para a sua resolução. Alguns governos nacionais, como forma de alienarem responsabilidades pelos seus insucessos, colocam também a débito do projeto europeu grande parte das insuficiências que afetam o quotidiano das populações - escondendo que a esmagadora maioria das políticas que são objeto de contestação não relevam de decisões europeias mas, simplesmente, de meras opções nacionais. Esta transferência de responsabilidades, transformando a Europa num bode expiatório de tudo quanto corre mal, é um ato de irresponsabilidade e de cobardia política. Mas é, igualmente, um sintoma muito evidente de um mal-estar europeu que não parece ter tendência a atenuar-se.

 

A Europa integrada vai, daqui a dias, comemorar o seu 60.° aniversário. Vamos ter discursos com muitas platitudes políticas. Infelizmente, os seus líderes serão incapazes de uma autocrítica franca que explique as razões do Brexit, a subida de Le Pen e congéneres, que denuncie quem, no seu seio, lhe contraria os valores. A Europa vai comemorar um passado de que pode orgulhar-se, mas para os seus cidadãos, o futuro, para o qual parece com escassas soluções, é o mais importante.

 

Embaixador

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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