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Foto em cima: Um dos leques em exposição no Museu Nacional do Traje, em Lisboa, que conta com cerca de 300 peças numa colecção iniciada há quase um século.
Siga-me para a próxima sala. Temos de falar. Não confio em si. Cuidado, observam-nos!| Envio-lhe um beijo. Estou comprometida. Estas são algumas das mensagens de um código apurado ao longo dos séculos XVIII e XIX e usado com nuances nos espaços públicos das principais cidades ocidentais para facilitar correspondências proibidas. Tudo com uma simples posição de um leque.
"Até mais que um objecto de sedução, tratava-se de um objecto de comunicação de intenções na zona mais controlada: a do homem e da mulher, da menina casadoura e do homem solteiro - ou nem tanto..." conta com ironia ao Negócios Clara Vaz Pinto, a directora do Museu Nacional do Traje (MNT).
Mas embora seja a mais encantadora, esta não foi a única função de comunicação ao longo da história: "Encontramos muitas vezes leques com imagens [nas folhas], como forma de propaganda política ou de marketing", continua a responsável pelo museu onde se encontra uma das mais importantes colecções do país, iniciada em 1922, então pelo Museu Nacional dos Coches. Publicidade nos anos de 1920, mensagens a aludir à soberania da Rainha D. Maria I e D. Pedro III sobre o império na Ásia ou propaganda liberal a favor de D. Pedro IV e D. Maria II e a Carta Constitucional de 1822 são alguns dos exemplares que já lhe passaram pelas mãos (nem todos no museu), e que se estendem à contemporaneidade, com o exemplo mais recente a ser a recuperação por projectos comerciais nacionais, com funções decorativas, reproduzindo, por exemplo, bordados típicos ou azulejaria nas folhas.
Ferido de morte durante a primeira grande guerra
Não se sabe bem quantos anos terá o leque, mas é muito antigo. Poderá ter chegado da China, talvez três milénios antes de Cristo e há relatos da sua existência nas civilizações egípcia, babilónica, persa, grega e romana, apontam várias publicações. As suas funções, dimensões e materiais foram evoluindo. E nem sempre foram exclusivos do uso feminino.
A utilização frequente dos leques como hoje os conhecemos na Europa, com folha dobrada, associados à indumentária feminina, recua pelo menos até ao século XVI, e uma das épocas de ouro chegou nos séculos XVIII e XIX, com várias exposições internacionais. Em França, Inglaterra, Itália, Espanha, Portugal, Rússia eram por essa altura sinal de poder e prestígio, reservado à nobreza e, mais tarde, à alta burguesia liberal que a procurava imitar, conta Paulo Campos Pinto num trabalho de investigação disponível no museu do traje.
1922
Ano do início da colecção de leques pelo Estado, então através do Museu Nacional dos Coches, a qual agora integra o Museu Nacional do Traje.
Segundo o especialista, é também por esta altura que o uso do leque se generaliza chegando a uma população urbana e alargando as suas funções. Tornou-se obrigatório em vestidos de noiva, e até na viuvez, neste caso pintado de preto. Passou a ser usado de dia e de noite, em ocasiões de gala e de passeio, e é neste uso intenso que se desenvolve o código de comunicação amorosa .
Foram dois séculos gloriosos e só a Primeira Grande Guerra o veio "ferir de morte", escreve César Valença, em "Considerações a partir da colecção de leques no Museu Nogueira da Silva", obra também disponível no museu. "Aparecerão tímida e esporadicamente algum tempo, mas serão varridos nos 'Anos Loucos' durante a década de 20. O novo gosto da mulher pela velocidade, pelo desporto, as saias curtas, os cabelos à 'Garçonne' e a música de Jazz não se coadunam com esse velho atributo de elegância", escreve o investigador, que os remete para o coleccionismo.
Hoje, mantêm-se afastados do nosso dia-a-dia, mas teimam em não desaparecer. Talvez porque nos sejam demasiado próximos na elegância e utilidade. Afinal, quem é que no Verão nunca improvisou um leque?
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Origem mitológica
Palavra
Se há poucas certezas sobre a origem dos leques num mundo real - alguns atribuem-lhe o nascimento na China há quase cinco mil anos, outros encontram sementes ainda mais longínquas - na mitologia também não há uma versão única. Embora nesse caso coincidam na ideia de que o primeiro leque foi oferecido por Eros (Cupido) a Psique (Alma), uma deusa de uma beleza tal que rivaliza com a de Afrodite e inebriou o próprio deus do Amor. Apaixonado e vendo-a a descansar, Eros cortou uma asa a Zéfiro, um vento forte, para poder abanar a sua amada. Desde então o objecto passou a estar associado ao bem-estar, ao amor, à sedução feminina, significados que persistem.