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"Não sofre o peito forte, usado à guerra, Não ter amigo já a quem faça dano; E assim não tendo a quem vencer na terra, Vai cometer as ondas do Oceano"
Camões, Os Lusíadas
Estes versos de Luís Camões que contam a conquista de Ceuta por D. João I terminam o vídeo de cerca de 30 minutos que recria a Batalha de Aljubarrota, e que é o ex-libris do circuito museológico da Fundação criada em 2002 para promover e proteger o património daquela que muitos consideram ser a mais importante batalha de Portugal.
A escolha, diz ao Negócios, João Mareco, o director do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota (CIBA), resulta do facto de a pacificação da Península Ibérica que se seguiu à batalha de 14 de Agosto de 1385 ter aberto o caminho à conquista de Ceuta trinta anos depois - e aos descobrimentos portugueses.
Esta é uma das razões que eleva esta batalha ao panteão dos acontecimentos mais relevantes da história e que nem sempre é devidamente sublinhado. Outros, mais reconhecidos, são o orgulho da vitória sobre Castela, ainda para mais com um exército de infantaria em desvantagem perante a pujante cavalaria adversária; ou a afirmação da nova dinastia que nasce com D. João I e prossegue com ínclita geração que dele descende. Aljubarrota marca o início da uma época de ouro, defende o responsável pelo CIBA.
O centro fica no exacto local onde decorreu a batalha, no campo militar de São Jorge, uma área de 84 hectares, que para surpresa de alguns não fica em Aljubarrota, mas sim a uns 12 quilómetros da pequena povoação de São Jorge, em Porto de Mós.
Mais perto fica o Mosteiro da Batalha, mandado erguer por D. João, em 1386, para agradecer a vitória que lhe garantiu o trono e que foi construído nos dois séculos seguintes para se afirmar como um dos exemplos maiores do gótico em Portugal.
A promessa de construção do mosteiro em caso de vitória, que terá sido feita no campo de batalha, é aliás o mote para as comemorações do 628.º aniversário da batalha, que decorre de hoje a oito dias no CIBA. Para o dia está agendada uma reconstituição histórica de parte dos eventos que marcaram o momento.
Esta é uma oportunidade para a Fundação promover o campo de batalha, um dos seus principais objectivos e acaba por ser um dos mais difíceis.
"A boa surpresa associada ao campo é que está classificado como monumento nacional", diz João Mareco. "A surpresa má é que fica clara a forma como em Portugal desvalorizámos e desrespeitámos este património que é um local em certa medida sagrado, mas que foi sendo ocupado ao longo dos séculos e pouco valorizado", lamenta o director do centro que recebe cerca de 50 mil visitantes - cerca de metade estudantes que merecem aliás especial atenção no conjunto de actividades e "workshops" promovidos pelo centro educativo.
Para os mais fascinados por esta época, um passeio a São Jorge e ao Mosteiro da Batalha poderá ser complementado com uma visita ao Parque dos Monges, um parque temático com várias actividades lúdicas, parceiro do CIBA, e que recria o estilo de vida dos monges de Cister no local do antigo horto da ordem.
Perguntas a João Mareco
Director do Centro de Interpretação da batalha de Aljubarrota
Qual a importância da batalha?
A batalha é importante por várias razões. Define por exemplo o início da nova dinastia para Portugal com a ínclita geração. Marca também o início de um período de pacificação da Península Ibérica, conseguido em parte pela fragilização da corte castelhana que perdeu muitos dos seus senhores feudais. Isto permite um período grande de pacificação de 10 a 15 anos, que abre caminho à preparação da época dos descobrimentos. Em 1415 os mesmo homens que combateram em Aljubarrota estão a invadir Ceuta.
O que se pode fazer no CIBA?
Além da visita normal no circuito museológico, o serviço educativo do CIBA procura proporcionar abordagens diferentes à batalha. Entre as actividades oferecidas estão oficinas de brasões, de iluminura, de arqueologia, de escrita medieval ou actividades como o tiro com arco, com besta, e jogos medievais. Procuramos dar uma ideia sobre como era a vida na altura e exploramos o campo militar de São Jorge, que é um monumento nacional com cerca de 84 hectares.
No que consiste o circuito ?
Temos três núcleos expositivos. O primeiro localiza o visitante no espaço e no tempo. Estamos num planalto e quem passa por aqui tem dificuldade em imaginar, visto que se está em pleno IC2, numa área carregada de fábricas e marcada por um grande desrespeito pelo que foi o espaço da batalha. Neste núcleo percebe-se a importância que a geografia, por exemplo as várias linhas de água, teve na batalha. É também aqui que se percebe o enquadramento sócio-cultural de uma época importante em várias frentes, seja na definição de várias fronteiras europeias no contexto da guerra dos 100 anos, seja pela peste negra que atacava na Europa, pela afirmação do gótico em Portugal ou pelo grande Cisma do Ocidente com os dois papas em Avinhão e Roma.
Feita a localização no espaço e no tempo, o que se segue?
No segundo núcleo fazemos uma viagem com mais ou menos 628 anos até ao dia da batalha. A história é contada num espectáculo multimédia, com um filme projectado em ecrã gigante, acompanhado por elementos de robótica. Trata-se de uma reconstituição histórica com base na crónica de Fernão Lopes. No terceiro núcleo, e depois da versão dos factos contada pela Fundação, apresentamos os dados científicos conhecidos, como a documentação dos trabalhos de arqueologia que foram feitos desde 1950 e que descobriram desde objectos às ossadas de pessoas e cavalos. É também aqui que se dá conta das várias fontes da época sobre a batalha, e que incluem as crónicas do Condestável e de Fernão Lopes, mas também de cronistas estrangeiros.
O que surpreende mais as pessoas?
O que surpreende mais sem dúvida é o filme projectado num ecrã de 19 metros por cinco metros. Na nossa página da entrada há um "trailer" que dá uma ideia.