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Abril de 1989. No primeiro episódio da série "Baywatch", o nadador salvador Al, amigo de longa data de Mitch Buchannon, é demasiado lento para chegar à água, arriscando a vida das vítimas e precipitando a reforma antecipada da carreira de salvar crianças e donzelas em apuros. Infelizmente para Al, a sua bóia de salvamento era ainda o "torpedo" clássico. Actualmente, uma vítima já pode ser salva sem o nadador meter um pé na água. E um português está envolvido.
Jorge Noras é o fundador da Noras Performance, empresa detentora da patente de uma bóia controlada remotamente. A inovação é importante em casos em que o mar esteja perigoso ou a vítima esteja próxima de rochas. "É um produto 100% português, funciona em todo o tipo de mar, todas as praias e todos os navios", explica por telefone ao Negócios. A descrição é relevante porque já existe outra bóia para o efeito, a "Emily". Noras argumenta as vantagens da bóia portuguesa. "É o único dispositivo conhecido que consegue navegar em qualquer mar. Mesmo que fique virada ao contrário, continua a flutuar."
O produto está a ser desenvolvido há três anos. Jorge Noras - empresário da área de componentes de jet ski - investiu mais de 500 mil euros e teve de construir uma nova unidade industrial. Dentro de alguns meses deverá começar a produção, com o objectivo de estar nas mãos das equipas de socorro no arranque da próxima época balnear. As vantagens pagam-se, claro. Uma bóia "normal" custa entre 20 e 50 euros. Esta deverá custar "milhares de euros".
200 anos até chegar às mãos da Pamela
É difícil saber exactamente quando nasceu a bóia de salvação. Sabemos que no tempo dos Descobrimentos não havia bóias para atirar ao mar. Caiu à água? Tivesse o marinheiro mais cuidado. Só a partir do final do século XVIII início do século XIX começaram a surgir as primeiras descrições de bóias. No manual "The Practical Navigator", publicado originalmente em 1772, é feita uma descrição do "Marine Spencer". A invenção de Knight Spencer consistia num anel de lona oleada com 15 centímetros de grossura, suficientemente largo para envolver o corpo de uma pessoa. O segredo estava nas 800 (!) rolhas de cortiça, ligadas por um cordão forte. "Alguém assim equipado, mesmo que não esteja acostumado a nadar, pode confiar em si próprio entre as ondas, uma vez que flutuará com a cabeça e os ombros acima da água em qualquer tempestade e, ao remar com as mãos, poderá facilmente alcançar a costa", lê-se no manual.
800
Número de rolhas de cortiça necessário para fazer flutuar o "Marine Spencer", uma das primeiras bóias de que há registo.
O elogio da sua utilidade era frequente - na "Philosophical Magazine" de 1803 escrevia-se que "nenhum canto de arrumação da marinha real pode estar melhor servida do que tendo um destes" objectos - mas demorou a massificar-se. Só em 1848 seria publicado o primeiro manual de utilização da bóia para o salvamento de náufragos e foi preciso esperar mais 30 anos para aparecer alguma referência nos regulamentos de serviço em Navios de Guerra. Hoje, todos os navios são obrigados a ter um número mínimo de bóias, dependendo do comprimento da embarcação. A popularidades das actividades balneares também a tornou essencial em todas as praias.
A bóia evoluiu. Nas praias deixou de ser redonda para ser mais fácil o transporte. Foi da chapa metálica ao alumínio, passando pela madeira balsa. A ideia de a fabricar em plástico pertence a Ron Rezek. Licenciado em design industrial pela Universidade da Califórnia, foi ao falar com um nadador salvador de uma praia de Malibu que percebeu que as bóias de alumínio podiam ser melhoradas. A bóia redonda laranja e branca até pode ter o formato mais conhecido, mas para muitos dos portugueses a mais icónica passou pelas mãos de David Hasselhoff e Pamela Anderson, o Mitch e a C.J. de "Baywatch". A famosa bóia "torpedo" era presença obrigatória sempre que alguém (fingia que) se estava a afogar e era preciso correr para a água. Pelo menos até a poderem enviar por controlo remoto.
"Alguém assim equipado, mesmo que não esteja acostumado a nadar, pode confiar em si próprio entre as ondas, uma vez que flutuará com a cabeça e os ombros acima da água em qualquer tempestade", lê-se no "The Practical Navigator", de 1772.
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Bóias há muitas...
Além do salvamento, as bóias servem de sinalização para marinheiros e divertimento para crianças. "Os perigos e esforço que envolvem aprender a nadar são significativamente reduzidos através das novas [...] asas laterais", introduzidas recentemente nas praias de Los Angeles", conta o livro Modern Mechanics and Inventions, publicado em 1931. A descrição diz respeito às conhecidas braçadeiras, hoje praticamente só usadas por crianças e por vezes até desaconselhadas para aprender a nadar. Já a bóia que se coloca à volta da cintura, apesar de ter parecenças com algumas bóias de salvamento, pouco tem a ver com essas. A sua origem está antes relacionada com o aproveitamento da câmara de ar de pneus dos carros.
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Evolução
Cortiça
A cortiça foi o material utilizado numa das primeiras versões de uma bóia de salvamento. O "Marine Spencer" era um círculo de lona oleada com 800 rolhas agarradas por um cordão forte. A fotografia em cima é de um colete também de cortiça. As primeiras referências ao "Marine Spencer" surgem no final do século XVIII.
Metal
O formato redondo continuou a ser utilizado em navios, mas foi desaparecendo das praias devido às dificuldades de transporte pelos nadadores-salvadores. Chegou assim o "torpedo", pontiagudo em ambos os lados e feito de chapa metálica. Um formato que, por vezes, aleijava as vítimas que procurava salvar.
Torpedo
Depois da chapa metálica, surgiram outros materiais - balsa, alumínio - até Ron Rezek inventar a bóia "torpedo" feita de plástico, mais pequena, mais leve e com abas laterais. Em muitas praias continua a ser essa a bóia usada, mas em piscinas é cada vez mais popular o formato "tubo", mais comprido, mas ainda mais leve.
Comando
A última inovação tem mão portuguesa. Nos EUA, apareceu em 2012 a "Emily", uma bóia telecomandada em formato de prancha. Em Portugal, a Noras Performance desenvolveu um formato em forma de "ferradura" mais próximo da bóia convencional e que continua a navegar mesmo que se vire ao contrário.