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Uma reflexão sobre as recessões e a perplexidade atual

Para Daniel Bessa entra-se num domínio em que a conversa se centra em fatores políticos, em vez dos económicos.

02 de Dezembro de 2019 às 15:30
Portugal é um dos principais interessados no aprofundamento da globalização, afirma Daniel Bessa.
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"Vivi na universidade nos últimos 55 anos, muito nos temas da macro e do ciclo económico. Habituei-me a lidar com as recessões, umas mais longas que outras, mais fundas ou não e havia um certo padrão. Estudei as recessões a partir da II Guerra Mundial e nunca me vi a falar de política, de guerras comerciais e de questões dessa ordem para justificar o que estava em curso. Isto determina a minha perplexidade perante a situação atual", confessou Daniel Bessa, professor jubilado de Economia e economista, no debate Guerra comercial e riscos de recessão.

Atualmente vive-se um período de expansão muito longo, há alguns indicadores que são comuns às recessões anteriores, como, por exemplo, a subida do preço das ações e a dificuldade em rentabilizar, em ir buscar as contas de exploração das empresas o valor suficiente para rentabilizar as ações. Mas "depois faltam-me outros fatores como, por exemplo, as recessões, que são antecedidas de reduções muito fortes de taxas de desemprego, que temos nos Estados Unidos, mas na Europa não temos, por subidas salariais que minam a rentabilidade e não aparecem, as subidas de preços que constituem um fator de preocupação para os bancos centrais e que os leva a subir as taxas de juro na antecâmara da recessão sendo o fator que finalmente as provoca. O fator que imediatamente provoca o decréscimo, o detonador, é a subida da taxa de juros pelo banco central para travar uma inflação com a qual não convive bem", diz Daniel Bessa. Concluiu, "não estamos em presença de nada disso. Não há subidas de salários, massa salarial, inflação, o banco central baixou as taxas de juro".

Para Daniel Bessa entra-se num domínio em que a conversa se centra em fatores políticos, em vez dos económicos. A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, o Brexit, a situação em Espanha e em Angola, são fatores de grande preocupação "mas em relação aos quais me falta pé para tentar antecipar o quer que seja. Estou como os empresários, retraem o investimento e começamos a ter consequências económicas, mas numa atitude meramente defensiva. Os tais fatores de recuperação, a purga do ponto de vista económico, não a vejo, portanto, estou completamente na mão dos políticos".

Deu mais um exemplo deste entrelaçar o económico e o político. "A Reserva Federal fez uma descida de taxas de juros para a qual olhei com perplexidade e surpresa. Terá sido porque Trump tem denunciado que as taxas de juro baixas na Europa são uma forma de manipulação do câmbio para prejudicar os Estados Unidos? Se eu conheço a Reserva Federal e os cânones sob os quais se rege, no atual ponto do ciclo económico, faz pouco sentido, mas é verdade é que veio. Os indicadores económicos não suportariam muito aquela decisão mas ela veio em linha com o discurso com o presidente", concluiu Daniel Bessa.

Portugal e a globalização 

"Tenho uma convicção, Portugal é um dos principais interessados no aprofundamento da globalização e do comércio internacional. Os únicos períodos de crescimento sério em Portugal são períodos de abertura e em que as exportações tiveram um grande papel como a adesão à EFTA e à União Europeia", diz Daniel Bessa.

Acrescenta que se "na crise financeira e na vinda da troika a única diferença que há entre Portugal e a Grécia foi o desempenho das exportações, que nos salvou de uma recessão mais profunda". A subida do peso das exportações no PIB, de 29% para 44%, "foi uma coisa extraordinária e não sei se há muitos mais países que conseguem apresentar um resultado destes, que amorteceu a crise que se viveu em Portugal".

"A maioria política que temos não está deste lado, são outros os drivers que defende como fez na legislatura anterior e vai fazer na atual", mas Daniel Bessa defendeu que as Finanças foram muito consistentes, a sua incógnita é que se há menos salários e menos pensões, menos para aumentos salariais, pois a reposição já feita, e mais investimento.

"A minha esperança é que haja um pouco mais de investimento, de atenção pelos serviços públicos e logo veremos se as finanças são consistentes. Se assim for não vai haver desagravamento fiscal, talvez seja moderada nas subidas salariais e de pensões e se preste mais atenção ao investimento e menos cativações. Mas não vai dar para crescer muito porque a dívida continua e a margem de manobra é muito estreita. Quanto mais apostarmos no mercado interno menos cresceremos", concluiu.