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Sistema público longe do Value Based Healthcare

“Existe uma cultura de volume, de quantidade e ainda não conseguimos dar o passo para uma cultura de valor e centrado no doente”, sublinhou Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares.

02 de Outubro de 2019 às 13:45
Gonçalo Lobo, da Abraço, defende a relevância da questão política no VBH. DR
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"Continuamos a ter um sistema paternalista porque conseguir que um doente consiga ter marcada uma consulta à hora certa num hospital público continua a ser um problema. Salvo honrosas exceções, as consultas são marcadas todas para a mesma hora, porque não desenhamos o sistema em função dos doentes", exemplificou Alexandre Lourenço.

"O Value Based Healthcare pode ter um grande impacto em termos de prevenção e trazer um certo desafogo ao sistema público", alertou Cláudia Vaz. A especialista acredita que "o impacto no sistema público seria superior ao do setor privado".

Nos últimos anos, a estratégia da APAH para implementar pilotos de demonstração do sistema de valor em saúde (VBH), foi a de selecionar um conjunto de patologias e de doenças em que se pudesse, pelo menos, começar a mostrar a mais-valia e a possibilidade de implementar estes sistemas sobre para vencer as resistências.

A estratégia de medição de resultados permitia "começar a ter uma visão mais centrada no doente e quando estamos a falar de resultados estamos a falar de resultados clínicos mas também de resultados que são relevantes para os doentes" diz Alexandre Lourenço.

Caso do IPO Porto

Deu como exemplo a clínica do cancro do pulmão no IPO do Porto, que tem por base a metodologia do Value Based Healthcare. Este projeto teve o apoio da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), e é um dos pressupostos da APAH atuar numa "lógica de ligação ao Ministério da Saúde para também conseguir influenciar os decisores políticos", admite Alexandre Lourenço, que confessa que nunca ouviu a ministra da Saúde referir-se ao Value Based Healthcare nem sequer a liderança técnica que é a Direcção-Geral da Saúde.

O também administrador Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, recorda que Carta para a Participação Pública em Saúde foi aprovada pela Assembleia da República e entra em vigor dm Outubro de 2019 que pretende envolver os cidadãos na tomada de decisões na área da saúde. "E a questão do valor em saúde está muito relacionado com indicadores relevantes para os doentes", conclui Alexandre Lourenço.

Liderança política

Alexandre Lourenço está a fazer o doutoramento na Nova School Business & Economics e para sua tese está a analisar as atas de conselhos de administração dos hospitais. Confessa que ainda não leu nenhuma ata "em que o tema do VHB apareça. As grandes preocupações que têm hoje, pelo menos no setor público, são financeiras, recursos humanos, compras, não estão relacionadas com a estratégia nem existe para essa reflexão dentro das unidades de saúde".

O papel da liderança política seria congregar esforços dos vários atores, e não nos podemos esquecer da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros, das várias sociedades médicas porque elas são essenciais para levar este barco a bom porto. Por parte administrações o papel é dar espaço aos profissionais de saúde para desenvolver estas matérias e cada vez mais trazer os doentes para esta discussão. O papel da APAH tem sido desenvolver projetos-piloto, trazer todos os atores para a discussão, não esquecendo o ministério da Saúde e as suas organizações.

Valor em saúde na agenda política

Na opinião de Cláudia Vaz "seria excelente uma maior intervenção do sistema político nesta causa, em que temos de trabalhar com policy-makers, não só nível nacional como europeu. Temos de contar com os hospitais, que terão de ter a vontade de avançar para a metodologia do Value Based Healthcare.

Hélder Mota Filipe defendeu que se o verdadeiro ministro do Saúde é o ministro das Finanças "e há alguma verdade pois as decisões do ministério das Finanças têm um impacto na Saúde. Se lhe conseguirem provar, através do de evidências fortes, de que esta nova metodologia, o Value Based Healthcare, pode permitir aplicar melhor os dinheiros públicos e ter melhores resultados, palpita-me que nenhum ministro das Finanças deixe perceber e deixe de apoiar as necessidades que os hospitais precisam para implementar qualquer coisa que permita aplicar melhor o dinheiro".


O envolvimento do doente

Na vertente da prevenção, o envolvimento do doente é crucial e quanto mais se conseguir envolver fora dos cuidados de saúde melhor.

"Esta abordagem centrada no doente exige o seu envolvimento e estamos a caminhar para uma sociedade em que o próprio doente se quer envolver mais" acredita Ana Londral, diretora do Value for Health CoLAB, que tem com um projeto em que doente todos os dias faz medições com devices e tecnologias. Esses dados representam resultados que depois vão ser analisados.

Cláudia Vaz concorda e "considera que na vertente da prevenção, o envolvimento do doente é crucial e quanto mais o conseguirmos envolver fora dos cuidados de saúde melhor. O ideal é tentar manter os doentes monitorizados, fora dos cuidados primários ou secundários, e ter forma de reagir se houver necessidade. O doente, através do telemóvel, do tablete ou do computador, poderá responder a questionários, que vão diretamente para o seu médico e, se houver uma suspeita de algo, será chamado ao sistema de cuidados primários ou secundários. A prevenção idealmente devia estar fora do sistema".

Na sua opinião, os pacient reports outcomes (PROM) são importantes não só como recolha de dados mas como uma ferramenta de diálogo que as suas respostas propiciam. "O que acontece muitas vezes, e é uma queixa do doente quando vai a uma consulta com um médico é que este quase não olha para ele e não existe um diálogo, é quase um monólogo, e doente entra e sai. À medida que o doente participa ativamente também gostará de saber para onde foram os seus dados, onde é que foram usados para se tomar decisões partilhadas do tratamento, do seguimento".