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A política fiscal é uma das áreas fundamentais que molda as deliberações de decisores, investidores e consumidores, ou seja, dos agentes económicos e da sociedade em geral. Numa altura em que se registam movimentações a nível global na área da tributação, debater até que ponto o sistema fiscal português está adequado à realidade do país e se contribui para a sua competitividade e atratividade toma particular relevância. Ciente dessa importância, a segunda sessão das "Conferências de Outono" - um projeto dinamizado pela Câmara Municipal de Anadia em colaboração com a FNWay Consulting - foi dedicada à competitividade fiscal, que subiu a palco no Cineteatro do concelho, e na qual participaram Miguel Frasquilho, ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Gonçalo Lobo Xavier, diretor geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, Rogério Fernandes Ferreira, advogado fiscalista e Tiago Caiado Guerreiro, fiscalista. O debate foi moderado por Diana Ramos, diretora do Jornal de Negócios.
"Não existe competitividade fiscal em Portugal", disse Tiago Caiado Guerreiro, fiscalista, logo a abrir a sessão. "É uma coisa esquecida, apenas alguns políticos falavam disso". No entanto, nos últimos anos, "é um tema que parece ter caído no esquecimento, quer ao nível dos impostos, diretos ou indiretos". O exemplo veio logo a seguir: se atentarmos às folhas de vencimento, entre IRS e segurança social, em média, 60% do que rendimento vai para o Estado. "Em mil euros, o Estado fica com 600. Assim, não há forma de as empresas pagarem bem". O que se repercute, diz o especialista, no abandono dos jovens talentos para outros países. "Mais ainda: o país desmotiva as pessoas que trabalham. Portugal é o país em que mais se paga para trabalhar e mais se recebe para descansar". Ressalvando uma intervenção isenta de intenção política, alerta, no entanto para a "quantidade impressionante de dinheiro que vai para pessoas que não trabalham nem se esforçam".
Na sua intervenção, o fiscalista focou essencialmente a competitividade no setor imobiliário, no qual os impostos são "absolutamente brutais" tendo vindo a crescer nos últimos 25 anos. "Já se fala para o próximo ano em atualizar as matrizes, o que na linguagem política quer dizer aumentar o imposto". A ideia transmitida pelo fiscalista é que um comprador de um imóvel na verdade não está a adquiri-lo. Está, isso sim, a pagá-los, já que o poder sobre esse imóvel é o Estado- "Quem tem rendas garantidas é o Estado".
Debate tem de ter consequências
Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, demonstrou o desejo de contribuir para que a audiência não saísse do Cineteatro Anadia angustiado após o cenário traçado Tiago Caiado Guerreiro. Tarefa complicada, admite, "já que competitividade fiscal é coisa que não existe", indo assim ao encontro da opinião do fiscalista. "As empresas bem tentam criar riqueza, mas o Estado é a primeira força de bloqueio ao crescimento e desenvolvimento do País". Do ponto de vista fiscal, "isto é gritante", expressou.
Como dirigente associativo, Gonçalo Lobo Xavier condena o rumor lançado pelo Governo sobre os extraordinários lucros da distribuição, em concreto a alimentar, numa altura em que o País luta contra uma crise, inflação, para além dos desafios geopolíticos internacionais. "Felizmente, essa situação acabou por ser explicada e desmistificada, o IVA zero é o reconhecimento desse erro. Mas o mal estava feito", com um dano reputacional para as empresas do setor.
"Quem toma decisões tem de ter consciência de que as mesmas têm impacto na vida das pessoas e na imagem do País", desabafou o dirigente, mencionando que a carga fiscal cresceu o triplo do PIB e o rendimento médio estagnou desde 2010. "Em 2022 tivemos a maior carga fiscal de sempre".
A questão é que este debate, este expor de ideias, tem de ter consequências. "Não podemos estar a falar e depois de o almoço irmos à nossa vida", ressalvando a importância da comunicação social no esclarecimento de todas estas questões, com rigor e transparência. "Custa-me que no debate político se perca muito tempo com matérias laterais e não se vá ao essencial. Temos a maior carga fiscal de sempre e não temos resultados dessa cobrança de impostos". Na sua intervenção, Gonçalo Lobo Xavier abordou ainda a fiscalidade verde, a abolição do IVA zero e a cobrança dos sacos de plástico leves, algo que que no seu entender é apenas uma questão de receita fiscal.
Não é a fiscalidade
O tema da competitividade fiscal é "caro" para Miguel Frasquilho, ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças e ex-deputado à Assembleia da República. "O País tem dado os passos todos na direção oposta à que defendo, a começar pelo choque fiscal de há 20 ano que nunca foi implementado". O economista não sabe como o País estaria, caso tivesse sido implementado, mas duvida que "estivesse pior nesta matéria", nomeadamente no crescimento económico e no nível de vida. Concordando que os impostos servem para angariar receita para o Estado, defende que a mesma seja angariada de uma forma que torne o País competitivo e não o prejudique nas comparações internacionais.
Segundo o Internacional Institute for Management Development, uma escola de gestão com campus em Lausanne, na Suíça, a posição de Portugal num ranking de 64 países, é a 39.ª. "Na classe de eficiência administrativa, a politica fiscal é a área em que pior estamos: 54", uma tabela liderada pela Dinamarca, Irlanda, Suíça, Singapura e Países Baixos.
Já no IRS, o especialista abordou a redução do número, que no seu entender é excessivo, de escalões existentes e a taxa máxima de 45% a partir de um nível de rendimento de 100 mil euros por ano. "Simplificar deveria ser a palavra de ordem". Nos impostos diretos, Miguel Frasquilho falou nos níveis de distribuição dos vários impostos sobre transações de bens e serviços prestados, que devem levar em consideração as práticas dos países vizinhos.
Não é a fiscalidade que resolve a competitividade
Rogério Fernandes Ferreira, advogado fiscalista, colocou a questão de outra forma: não é através da fiscalidade que se vai resolver o problema da competitividade da economia portuguesa. Se atentarmos para a atual redação da Constituição, "vemos que o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas. E, em segundo lugar, visa uma repartição justa da riqueza e dos rendimentos".
"Não existe competitividade fiscal em Portugal", disse Tiago Caiado Guerreiro, fiscalista, logo a abrir a sessão. "É uma coisa esquecida, apenas alguns políticos falavam disso". No entanto, nos últimos anos, "é um tema que parece ter caído no esquecimento, quer ao nível dos impostos, diretos ou indiretos". O exemplo veio logo a seguir: se atentarmos às folhas de vencimento, entre IRS e segurança social, em média, 60% do que rendimento vai para o Estado. "Em mil euros, o Estado fica com 600. Assim, não há forma de as empresas pagarem bem". O que se repercute, diz o especialista, no abandono dos jovens talentos para outros países. "Mais ainda: o país desmotiva as pessoas que trabalham. Portugal é o país em que mais se paga para trabalhar e mais se recebe para descansar". Ressalvando uma intervenção isenta de intenção política, alerta, no entanto para a "quantidade impressionante de dinheiro que vai para pessoas que não trabalham nem se esforçam".
As empresas bem tentam criar riqueza, mas o Estado é a primeira força de bloqueio ao crescimento e desenvolvimento do País. Gonçalo Lobo Xavier
Diretor Geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição
A mesma situação se aplica às empresas, salienta Tiago Caiado Guerreiro, onde os impostos são igualmente elevados e "praticamente nada pode ser deduzido como custo fiscal". Isto para não falar da carga burocrática com que uma empresa tem de lidar, ao ponto de o fiscalista admitir que, hoje, os empresários não trabalham para criar riqueza, trabalham para "tentar reduzir os obstáculos que permanentemente são colocados".Diretor Geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição
Na sua intervenção, o fiscalista focou essencialmente a competitividade no setor imobiliário, no qual os impostos são "absolutamente brutais" tendo vindo a crescer nos últimos 25 anos. "Já se fala para o próximo ano em atualizar as matrizes, o que na linguagem política quer dizer aumentar o imposto". A ideia transmitida pelo fiscalista é que um comprador de um imóvel na verdade não está a adquiri-lo. Está, isso sim, a pagá-los, já que o poder sobre esse imóvel é o Estado- "Quem tem rendas garantidas é o Estado".
Debate tem de ter consequências
Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, demonstrou o desejo de contribuir para que a audiência não saísse do Cineteatro Anadia angustiado após o cenário traçado Tiago Caiado Guerreiro. Tarefa complicada, admite, "já que competitividade fiscal é coisa que não existe", indo assim ao encontro da opinião do fiscalista. "As empresas bem tentam criar riqueza, mas o Estado é a primeira força de bloqueio ao crescimento e desenvolvimento do País". Do ponto de vista fiscal, "isto é gritante", expressou.
Como dirigente associativo, Gonçalo Lobo Xavier condena o rumor lançado pelo Governo sobre os extraordinários lucros da distribuição, em concreto a alimentar, numa altura em que o País luta contra uma crise, inflação, para além dos desafios geopolíticos internacionais. "Felizmente, essa situação acabou por ser explicada e desmistificada, o IVA zero é o reconhecimento desse erro. Mas o mal estava feito", com um dano reputacional para as empresas do setor.
"Quem toma decisões tem de ter consciência de que as mesmas têm impacto na vida das pessoas e na imagem do País", desabafou o dirigente, mencionando que a carga fiscal cresceu o triplo do PIB e o rendimento médio estagnou desde 2010. "Em 2022 tivemos a maior carga fiscal de sempre".
A questão é que este debate, este expor de ideias, tem de ter consequências. "Não podemos estar a falar e depois de o almoço irmos à nossa vida", ressalvando a importância da comunicação social no esclarecimento de todas estas questões, com rigor e transparência. "Custa-me que no debate político se perca muito tempo com matérias laterais e não se vá ao essencial. Temos a maior carga fiscal de sempre e não temos resultados dessa cobrança de impostos". Na sua intervenção, Gonçalo Lobo Xavier abordou ainda a fiscalidade verde, a abolição do IVA zero e a cobrança dos sacos de plástico leves, algo que que no seu entender é apenas uma questão de receita fiscal.
Não é a fiscalidade
O tema da competitividade fiscal é "caro" para Miguel Frasquilho, ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças e ex-deputado à Assembleia da República. "O País tem dado os passos todos na direção oposta à que defendo, a começar pelo choque fiscal de há 20 ano que nunca foi implementado". O economista não sabe como o País estaria, caso tivesse sido implementado, mas duvida que "estivesse pior nesta matéria", nomeadamente no crescimento económico e no nível de vida. Concordando que os impostos servem para angariar receita para o Estado, defende que a mesma seja angariada de uma forma que torne o País competitivo e não o prejudique nas comparações internacionais.
Não existe competitividade fiscal em Portugal. Tiago Caiado Guerreiro
Fiscalista
O gestor refere haver vários drivers de competitividade com a política fiscal a ser apenas um deles. Estabilidade social, infraestruturas telecomunicações, transportes, ecossistema de inovação, custos laborais, flexibilidade da legislação laboral, potencial de aumento da produtividade, incentivos e apoios do Governo, estabilidade legislação, qualificação dos recursos humanos, liquidez dos mercados financeiros e disponibilidade de capital, dimensão do mercado interno foram alguns dos drivers mencionados pelo Miguel Frasquilho. Fiscalista
Segundo o Internacional Institute for Management Development, uma escola de gestão com campus em Lausanne, na Suíça, a posição de Portugal num ranking de 64 países, é a 39.ª. "Na classe de eficiência administrativa, a politica fiscal é a área em que pior estamos: 54", uma tabela liderada pela Dinamarca, Irlanda, Suíça, Singapura e Países Baixos.
Prefiro ter menos benefícios e deduções e ter uma taxa mais baixa e mais simples. Miguel Frasquilho
Ex-Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças
Miguel Frasquilho deixou algumas propostas para que a competitividade fiscal se torne num fator positivo, nomeadamente, no IRC, a taxa única de 17%, "na vizinhança da taxa mínima efetiva de 15% para que, globalmente, se caminha", uma matéria liderada pela OCDE. Mencionou ainda o fim das derramas estaduais e locais e redução ou eliminação de incentivos, benefícios e deduções fiscais às empresas. "Prefiro ter menos benefícios e deduções e ter uma taxa mais baixa e mais simples", um fator que igualmente contribuiria para a redução da fraude e evasão fiscal. Ex-Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças
Já no IRS, o especialista abordou a redução do número, que no seu entender é excessivo, de escalões existentes e a taxa máxima de 45% a partir de um nível de rendimento de 100 mil euros por ano. "Simplificar deveria ser a palavra de ordem". Nos impostos diretos, Miguel Frasquilho falou nos níveis de distribuição dos vários impostos sobre transações de bens e serviços prestados, que devem levar em consideração as práticas dos países vizinhos.
Não é a fiscalidade que resolve a competitividade
Rogério Fernandes Ferreira, advogado fiscalista, colocou a questão de outra forma: não é através da fiscalidade que se vai resolver o problema da competitividade da economia portuguesa. Se atentarmos para a atual redação da Constituição, "vemos que o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas. E, em segundo lugar, visa uma repartição justa da riqueza e dos rendimentos".
Se as políticas fiscais forem inteligentes e bem construídas, provavelmente a fiscalidade vai ajudar na atração do investimento. Rogério Fernandes Ferreira
Advogado Fiscalista
Na sua intervenção, Fernandes Ferreira explica que se os impostos servem para angariar receitas, mas podem igualmente ter outras funções, onde se pode inserir a promoção da competitividade da economia, ou competitividade fiscal. "Se as políticas fiscais forem inteligentes e bem construídas, provavelmente a fiscalidade vai ajudar na atração do investimento, na inovação das empresas, na criação do emprego e no crescimento económico", o que resulta no aumento das receitas fiscais e, logo, um maior investimento público nos setores que o Estado politicamente entenda como prioritário. Por outro lado, as políticas fiscais erradas "ou mal comunicadas", afastam o investimento, prejudicam a economia e o crescimento. "Nessa perspetiva, não são competitivas". No entanto, Fernandes Ferreira insiste que a falta de competitividade portuguesa não pode ser resolvida pela fiscalidade. "Portugal será uma boa escolha sem ter em conta os motivos fiscais. Vai ser uma boa escolha pelo facto de poder ser a porta de entrada na Europa e dar acesso ao Mercado Único. Há segurança e estabilidade política, que são fatores valorizados sobretudo com o atual mundo em guerra", destaca o especialista.Advogado Fiscalista
Gestão da água é o próximo tema em debate A 24 de novembro, a última sessão desta edição das Conferências de Outono será dedicada ao tema a "Gestão da Água". Participarão deste debate Pedro Cunha Serra e José Furtado, ambos com ligações à AdP - Águas de Portugal, bem como António Carmona Rodrigues, ex-Ministro das Obras Públicas. Luís Mira Amaral desempenhará o papel de moderador.