Outros sites Medialivre
Notícia

Sérgio Silvestre: “Quanto tempo durará o Facebook se não inovar?”

A tecnologia pode ser uma das formas de resolver problemas de negócio, mas não é a única. O Prémio Nacional de Inovação quer dar palco a projetos que ajudem as organizações a crescer, mesmo em contextos de elevada incerteza e disrupção como os que vivemos.

Rute Coelho 30 de Novembro de 2022 às 14:30
Sérgio Silvestre, diretor-geral da Claranet Labs.
  • Partilhar artigo
  • ...

Contribuir para o desenvolvimento do ecossistema de inovação em Portugal é um dos motivos pelos quais a Claranet Portugal se associou na organização do Prémio Nacional de Inovação, em parceria com o BPI, o Jornal de Negócios e a Nova SBE como knowledge partner. Para Sérgio Silvestre, diretor-geral da Claranet Labs, esta iniciativa é um exemplo de como juntando criatividade, capacidade de trabalho e competências de diferentes organizações se conseguem fazer projetos mais impactantes e ambiciosos. "If you want to go fast, go alone. If you want to go far, go together", diz o gestor, que, em entrevista, fala sobre a importância da inovação como forma de promover o desenvolvimento e o crescimento das organizações, em particular, em contextos de elevada incerteza e disrupção.

 

O que faz a Claranet Labs?

É a área da Claranet Portugal que se dedica ao mapeamento e desenvolvimento das iniciativas de investigação, desenvolvimento e inovação criadas pela empresa.

 

É uma área muito recente. Quando surgiu e o que espoletou a criação deste centro de inovação?

A decisão foi tomada no final de 2021. Resultou da tomada de consciência de que era necessário darmos mais corpo e foco ao que as diferentes equipas já faziam, e da importância que a investigação, o desenvolvimento e a inovação têm hoje em dia na evolução e crescimento das organizações – em particular, em contextos de elevada incerteza e disrupção. 

 

Quantas pessoas trabalham neste centro?

Enquanto espaço físico, a Claranet Labs vai nascer em 2023, na nova sede da Claranet Portugal, no Hub Criativo do Beato. Pretendemos que se traduza em espaços vivos de colaboração interna – a nível nacional e de grupo – e muito de colaboração com o ecossistema de inovação: desde logo com os nossos parceiros estratégicos, com a academia, com os municípios e entidades locais de onde temos escritórios (Lisboa, Porto e Viseu), mas também procuraremos alargar esta rede de forma ativa. A nossa parceria com a Unicorn Factory Lisboa será também relevante, esperamos, neste caminho.

Internamente contamos que as equipas relacionadas com cloud, cybersecurity, data analytics & AI e workplace (esta última pensando os locais de trabalho do futuro) sejam das mais presentes nos projetos da Claranet Labs. Estamos a falar de um número superior a 15 pessoas. 

 

Quanto investe a Claranet em inovação?

As iniciativas que estão neste momento mapeadas formalmente terão representado cerca de um milhão de euros no último ano fiscal (terminado a 30 de junho de 2022). A abordagem que temos seguido é conservadora e sustentada. Acreditamos que este ano fiscal e no seguinte teremos um crescimento muito relevante.

 

Qual o retorno médio por cada euro investido?

O impacto direto nas vendas das iniciativas mapeadas é ainda reduzido. Mas são, contudo, iniciativas que nos diferenciam da concorrência e nos permitem entregar serviços com melhor qualidade e satisfação dos clientes.

A inovação é um desporto de equipa e, por isso, começa em cada um dos colaboradores da empresa. A inovação não é elitista.

Onde começa a inovação?

Costumo dizer que a inovação é um desporto de equipa e, por isso, começa em cada um dos colaboradores da empresa. A inovação não é elitista. A ideia da Claranet Labs é mesmo que qualquer pessoa possa propor iniciativas de investigação, desenvolvimento ou inovação.  

 

O que é preciso para inovar?

É preciso estarmos atentos ao que nos rodeia e percebermos possíveis impactos que podem criar problemas e anteciparmos a sua resolução para os nossos clientes. A tecnologia pode ser uma das formas de resolver problemas, mas não é a única. Esse é o principal desafio que uma empresa tecnológica às vezes tem: quando dispomos de um martelo, tudo pode parecer um prego! Temos de perceber cada vez melhor o negócio dos nossos clientes para, efetivamente, podermos ser inovadores e úteis nas soluções que propomos.

 

A linha que diferencia a melhoria de um processo com a inovação de um serviço ou produto é ténue. Como se define?

Quando procuramos encontrar formas novas de resolver um problema ou resolvemos problemas novos, já estaremos a falar de algo mais relacionado com a inovação. Mas obviamente, depois, há novas formas de resolver problemas que podem ser absolutamente disruptivas e outras que são menos. As duas abordagens complementam-se e alimentam-se.

 

Há muitos anos que se aborda a necessidade e a importância de as empresas apostarem em inovação. Quais os motivos que impedem o tecido produtivo de investir em inovação? É falta de capital? Faltam recursos humanos preparados para lidar com a inovação? A estrutura organizacional não está preparada para lidar com inovação?

É preciso iniciarmos esse caminho. Fazermos essa aposta. Encontrar a forma de o prosseguir e que esteja alinhado com a cultura da organização. Muitas organizações – privadas e públicas - já têm iniciativas nestas áreas, mas não estão estruturadas ou potenciadas. Já há recursos a serem investidos. Por outro lado, sendo uma das maiores apostas dos diferentes Estados a nível mundial, há incentivos fiscais e financeiros bastante relevantes para apoiar estes esforços das empresas.

Quando começamos a olhar para algumas organizações mais evoluídas, aí já podemos encontrar desafios relacionados com algum conflito entre o core atual dos negócios e aquilo que podem vir a ser as próximas áreas de foco.

 

A inovação bem aplicada é rentável, mas se for mal gerida pode ser ruinosa. Que cuidados deve ter uma organização na hora de inovar?

Se for acompanhada por uma abordagem equilibrada e por uma gestão de portefólio, dificilmente inovar será ruinoso para uma organização. É muito mais provável que seja ruinoso não inovar.

Basta recordar os casos célebres da Kodak, da Blockbusters e da própria Nokia.

Percebo que olhemos para o Facebook/Meta e pensemos que, caso a aposta no metaverso seja demasiado forte (estamos a falar de vários milhares de milhões de dólares), possa ser ruinoso para o senhor Zuckerberg. Mas, e se ele não fizer nenhuma aposta em cenários estratégicos futuros… acreditamos que correrá menos riscos? Quanto tempo durará o Facebook se não inovar?

Se as organizações não assumirem riscos, não poderão almejar níveis de retorno acima do normal. Há mesmo quem diga que "quem não inovar morre". A boa gestão do tema passa por encontrar mecanismos que permitam testar da forma mais barata e mais rápida possível. É importante fazê-lo testando várias hipóteses de produtos/serviços/modelos de negócios, e criando um portefólio e um pipeline de inovação consistente com os objetivos estratégicos e valores da organização.  

 

Quais os erros mais comuns que se cometem nos processos de inovação?

O primeiro é ter medo de errar. Quem tem medo de errar dificilmente faz algo novo. Muitas vezes, nem começa nada novo. Depois tem a ver o ciclo de vida das diferentes iniciativas que temos no "forno": temos dificuldade em matar ideias e conceitos de produtos/serviços pelos quais nos apaixonámos. É preciso definirmos objetivos à partida (para as diferentes fases) e ir monitorizando. Como é que o Mark Zuckerberg estará no tema metaverso face ao que planeou? Investiu mais ou menos do que tinha pensado? Está a conseguir uma adoção maior ou menor do que esperado? E que tipo de adoção? Os use cases são os inicialmente pensados, ou está a encontrar outros? O device líder de mercado para utilização do metaverso será mesmo o da Meta, ou será o de outro player? (personal disclaimer: não tendo toda a informação, acredito que o caminho que está a fazer está certo… tenho dúvidas quanto à velocidade/timing e ao nível de investimento em cima da mesa).

Há um terceiro erro, algo recorrente, que tem a ver com o não olharmos o suficiente para o que já existe. Desde logo porque se aprende muito "copiando" o que melhor se faz sobre um tema. É bom termos noção que grandes empresas japonesas e chinesas existem graças a essa competência.  Há autênticas "novelas" sobre o que a Apple e a Microsoft já copiaram uma à outra, sendo o mais divertido que ambas copiaram a Xerox… Mas o meu ponto não é que seja um erro não copiar; é sim que é fundamental saber perceber os produtos e serviços que já existem, para conseguirmos fazer algo substancialmente melhor e, ainda mais, se quisermos fazer algo realmente novo. 

Existem ainda mais "erros" frequentes, mas acrescento um de menor dimensão que é bastante recorrente e desmoralizador: pedirmos ideias aos nossos colegas e depois não termos mecanismos para que, pelo menos, uma dessas ideias possa ser testada e provada.

 

É mais fácil iniciar um processo de inovação com pequenos passos e implementar várias vezes ou avançar para um modelo mais disruptivo e impactante? 

Esta pergunta leva-nos novamente para a ideia de portefólio. Devemos mapear várias iniciativas e gerir a sua progressão, de acordo com a expectativa de retorno e com o nível de investimento previsto versus o necessário. Temos de ter uma "carteira" e irmos gerindo. Por vezes, podemos ter um conceito fantástico e não ter capacidade financeira, ou competências de R&D, para o levar até ao fim. Atualmente, há formas de suportar esse investimento inicial fazendo um spin-off, joint ventures, etc. Não devemos ver a limitação financeira, ou mesmo técnica, como um problema.

 

Que papel deve ter a transformação digital no processo de inovação das organizações? 

A transformação digital (ou digitalização de tudo o que nos rodeia) cria enormes oportunidades às organizações para inovarem, em termos de modelo de negócio. Mas aqui volto à analogia do martelo… cuidado para não vermos pregos em todo o lado!

Mexer em modelos de negócio implica disponibilidade para mudar bastantes coisas no próprio negócio. Por essa razão, a transformação digital deve ser vista como um meio e não como um fim. A transformação digital potencia o trabalho remoto, mas se as empresas não quiserem trabalhar remotamente… estaremos a criar um problema. Primeiro, temos de perceber o que iremos ganhar com o trabalho remoto.

É esse o exercício que tem de ser feito. Que novos produtos e serviços, que novas formas de trabalhar e de organizar o trabalho e a própria cadeia de valor conseguiremos implementar através de um programa de transformação digital?  E atenção, não vivemos apenas num período de digitalização. Há mais megatendências que temos de mapear e avaliar.

 

Pode dar um exemplo?

Como é que a tendência do envelhecimento populacional cruza com a tendência da digitalização? Em que contextos estas duas tendências se anulam ou se alavancam? E as alterações climáticas – ou, para ser mais concreto, a descarbonização da economia – como cruzam com as duas tendências anteriores?

O turismo, a banca, as empresas de energia, os retalhistas, as tecnologias de informação, o setor da pasta e papel, as metalúrgicas, as fábricas, etc.?

É crítico que as organizações estejam atentas, porque quem não estiver vai ser severamente "abanado" na próxima década. E será algo embaraçante dizer… "eh pá… não sabia…".

 

As pessoas têm acesso a tecnologia e a ferramentas mais avançadas em casa do que aquelas que existem nas organizações. Mas será que esta realidade gera alguma pressão nas organizações para se modernizarem e avançarem para a transformação digital?

A tendência que observamos é de mútua influência. As pessoas usam devices pessoais no escritório e levam devices profissionais para casa. Com o trabalho remoto, esta tendência apenas irá crescer. O "Bring your own device" (BYOD) está aí para ficar, e tem obviamente implicações relevantes em termos de proteção de dados (e até propriedade intelectual) e de cibersegurança. Diria que nos pressiona a todos – empresas e indivíduos – a estarmos "atualizados". Soluções não faltam!

 

Os decisores nacionais, por falta de conhecimento ou de capital para investir, continuam a escolher soluções mais tradicionais e menos inovadoras para responder aos desafios do mercado. Quando poderemos assistir a uma mudança deste paradigma? O que é necessário mudar no centro de decisão?

Não sei se partilhamos esta visão. Sentimos atraso nas decisões e, por vezes, atraso nos pagamentos. Mas quanto a esta abordagem, diria que não estamos mal colocados – como em qualquer país, as organizações não são todas iguais. 

 

Como se humaniza a transformação digital?

Qualquer transformação que operemos – no Estado, nas empresas, em nossas casas –, sem termos no centro os seres humanos e a forma como nos integramos no meio ambiente, parece um erro à partida. A digitalização tem de servir propósitos claros alinhados com as alterações climáticas, com a pressão demográfica, com a necessidade de aprendizagem contínua, com a necessidade de nos sentirmos seguros, etc.

 

Que bons exemplos podem ser dados de inovações recentes desenvolvidas em Portugal?

Esta questão será respondida, espero, pelas candidaturas ao prémio (sorriso).