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Portugal pode reconquistar o mar como líder da economia azul sustentável

Portugal já foi líder dos mares por altura dos gloriosos Descobrimentos portugueses. Numa nova fase da História, a chamada economia azul, que cresce bem acima da média nacional, pode voltar a posicionar o país num lugar de topo. Para isso, é preciso digitalizar, descarbonizar e tornar mais circulares os atuais modelos de negócio.

14 de Dezembro de 2021 às 15:00
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Com uma extensão marítima 18 vezes superior à terrestre, Portugal tem no mar um dos seus principais e mais ricos ativos. Atualmente, vale 5,1% do PIB, 5% das exportações nacionais e 4% do emprego, teve um crescimento médio anual, antes da pandemia, de 8,7% em Valor Acrescentado Bruto (VAB), muito superior aos 1,9% de crescimento médio anual da economia nacional no seu conjunto. Falamos de um setor com elevado potencial de crescimento, que está em transformação.

Em pleno processo de transição para um mundo mais sustentável, o Jornal de Negócios destaca os protagonistas desta transformação e lança o Prémio Mar Sustentável, em parceria com o Fórum Oceano e com o apoio institucional do Ministério do Mar. Um prémio que pretende reconhecer, inspirar e promover os projetos mais inovadores que em Portugal se estão a desenvolver na área da economia azul. Para Ricardo Serrão Santos, ministro do Mar, o Prémio Mar Sustentável "vai contribuir para incrementar a economia azul em Portugal por duas vias. Em primeiro lugar, estimulando o desenvolvimento de melhores práticas de sustentabilidade, recompensando casos de sucesso. Por outro, será um contributo para a literacia do oceano, da sociedade como um todo, divulgando estes casos de sucesso e, assim, disseminando estas melhores práticas".

Para além dos prémios que serão atribuídos aos projetos mais inovadores na área da sustentabilidade, também um ciclo de webinars e de artigos periódicos irão contribuir para trazer a debate um conjunto de temas transversais ao setor e que estão atualmente no centro das preocupações das principais atividades da economia do mar, alinhadas com os critérios ESG, ou seja, com elevado desempenho ambiental, social e de governança empresarial. Neste sentido, Ruben Eiras, secretário-geral do Fórum Oceano, considera que "o mar é um recurso abundante em Portugal, mas que tem de ser explorado de forma inteligente. O Prémio Mar Sustentável do Jornal de Negócios será uma arena de inovação e de aprendizagem inigualável nesta perspetiva."

Os desafios da economia azul

Quando falamos de economia azul, falamos de uma série de atividades tão diversas quanto o são os desafios e as velocidades de desenvolvimento de cada uma. No panorama nacional, para o ministro do Mar, "os setores do recreio, desporto, cultura e turismo são os que têm mais peso no VAB da economia do mar em Portugal. São seguidos pelas pescas, aquicultura, transformação e comercialização de pescado e pelos serviços marítimos". O turismo costeiro, por exemplo, gerou 3,7 mil milhões de euros em proveitos totais em 2019.

Há a necessidade de implementar uma reindustrialização sustentável da economia azul. Ruben Eiras, secretário-geral do Fórum Oceano


Há setores com grande potencial, mas que ainda não estão plenamente desenvolvidos, como a biotecnologia azul, as energias renováveis oceânicas ou a robótica marítima e as tecnologias digitais. Ricardo Serrão Santos, ministro do Mar

Ricardo Serrão Santos refere que "há outros setores com grande potencial, mas que ainda não estão plenamente desenvolvidos, como a biotecnologia azul, as energias renováveis oceânicas ou a robótica marítima e as tecnologias digitais". Mas se há um desafio comum a todas estas atividades tão díspares, este será, para Ruben Eiras, a necessidade de "implementar uma reindustrialização sustentável da economia azul". Ou seja, "criar indústrias nos vários setores do mar - alimentar, transporte, energia, turismo, portos, defesa - que tenham o ambiente como motor gerador de lucro e não como custo afundado". Aliás, assinala o secretário-geral do Fórum Oceano, "hoje ser lucrativo significa ser ambientalmente inteligente". O aumento da margem de lucro por via da eficiência operacional está alinhado com a aplicação da Taxonomia da UE, o enquadramento regulatório europeu ESG que será mandatário a partir de 2022. "Quanto menos emitir CO2 e gases de efeito de estufa, menos custos vou ter em energia e na cadeia de valor, porque sou mais eficiente nos processos. E quanto maior circularidade introduzir nos meus processos industriais, menos desperdício vou gerar e menos matéria-prima vou ter de adquirir, porque vou conseguir fazer mais com menos", frisa Eiras.

Como conciliar resultados com proteção ambiental?

Primeiro, será necessário que se ultrapasse a resistência à mudança e descrédito de que crescimento económico e gestão ambiental sustentável são incompatíveis. "Quando analisamos o desempenho dos mercados bolsistas, os índices financeiros de sustentabilidade têm um desempenho superior aos convencionais, porque as empresas ESG são mais bem geridas, têm menor risco e um crescimento de lucro regular. E é esse o principal desafio estratégico para a economia azul de Portugal: ser uma indústria ESG de excelência mundial. Este objetivo implica conseguir um equilíbrio entre as políticas de conservação marinha e o fomento da atividade económica", acrescenta o secretário-geral do Fórum Oceano. Nesta linha, destaca-se a recente criação, nas Ilhas Selvagens, na Madeira, da maior Área Marinha de Proteção Total do Atlântico Norte: "Aqui está um exemplo prático de como conciliar um oceano saudável com um oceano produtivo", assinala Ruben Eiras.

Depois, é preciso digitalizar, descarbonizar e tornar mais circulares os atuais modelos de negócio, para que consigam obter maior margem por unidade vendida e não por quantidade. É a chamada Estratégia DDC. "Todos os setores da economia azul podem dar um salto qualitativo nesta década se perseguirem uma Estratégia DDC, que aumentará a produtividade e qualificará o produto e serviço final ao cliente. Por exemplo, o setor das pescas tem de gerar mais dinheiro mantendo ou mesmo até diminuindo as capturas. Como? Primeiro, digitalizar para usar métodos de pesca de precisão e introduzir renováveis, fontes de baixo carbono, na propulsão. Isto vai diminuir os custos operacionais, aumentando a margem. Segundo, o nosso pescado selvagem tem de ser mais valorizado e posicionado no mercado como um produto premium, porque o é. Isto significa uma mudança radical no modelo de comercialização, com mais inteligência de mercado e produtos mais sofisticados", exemplifica Ruben Eiras.

Mas mais exemplos são dados pelo secretário-geral do Fórum Oceano: "Na frente do turismo, o setor da náutica de recreio pode gerar muito mais, se a sua oferta for devidamente estruturada e organizada. E no setor do transporte marítimo e indústria naval podemos ganhar um posicionamento interessante na cadeia de valor, se agarrarmos a tecnologia da introdução das renováveis, do elétrico e do digital nos navios. Quanto aos portos, quanto mais se acelerar a sua digitalização e transição energética, melhores rotas captarão e mais eficientes se tornarão. E, por fim, apostar no domínio de uma tecnologia transversal a todos os setores: o digital." Isto porque é preciso ter informação para tomar decisões fundamentadas. Por tudo isto, o Fórum Oceano vai concentrar uma boa parte da sua ação no fomento de Portugal como líder europeu da indústria digital do mar (software, hardware e robótica), até 2030, através da dinamização do Portugal Blue Digital Hub, o polo de inovação digital da economia azul.

Uma década para transformar a economia do mar

Estamos na Década dos Oceanos das Nações Unidas 2021-2030; um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU a cumprir até 2030 (o número 14) é totalmente dedicado ao uso dos oceanos de forma sustentável; e o Pacto Ecológico Europeu agrega um conjunto de objetivos e medidas para a Europa reduzir as emissões carbónicas e proteger os recursos hídricos. Um mar sustentável é um objetivo transversal, que está presente em todos os planos internacionais. Em Portugal, os mesmos são transpostos pela Estratégia Nacional para o Mar e corporizados pelo Plano de Ação da Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, com 185 medidas. "A Estratégia Nacional para o Mar está alinhada com as agendas internacional e europeia. Os seus objetivos estratégicos foram desenhados para estar em alinhamento, tanto com a Agenda 2030 como com o Pacto Ecológico Europeu, mas também com outros instrumentos, como a Política Marítima Integrada, a Política Comum de Pescas, as recentes Estratégia de Biodiversidade da UE 2030 e Estratégia do Prado ao Prato, bem como com o Horizonte Europa, a Missão Starfish e o desenvolvimento da economia azul alinhada com as propostas do Ocean Panel de alto nível. Este alinhamento de objetivos permite uma sincronia política e financeira que muito importa num quadro de colaboração internacional", assinala o ministro do Mar.

Em Portugal, uma das ambições na área da biodiversidade, por exemplo, é classificar pelo menos 30% das águas marinhas sob jurisdição nacional como Áreas Marinhas Protegidas (AMP), incluindo 10% da área marítima sob proteção estrita, e implementar a Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas (RNAMP). Destaque também para o programa Portugal Blue, que pretende apoiar start-ups inovadoras na economia azul e que, numa segunda fase, irá apoiar também empresas com maturidade neste caminho para a sustentabilidade. De referir também a componente 10 do Plano de Recuperação e Resiliência, que tem previstos 250 milhões de euros para a área do mar.

No final, que mar português e economia azul vamos ter em 2030? "Teremos uma economia azul mais desenvolvida, a contribuir para mais do que 7% do PIB e mais do que 5% do emprego nacional. Para além dos setores tradicionais, como as pescas, a aquicultura, os portos, os transportes marítimos, a construção naval e o turismo, queremos ter novos setores com peso na economia do mar nacional, como as energias renováveis oceânicas, a robótica ou a biotecnologia azul", prevê o atual ministro do Mar.

5,1% do PIB (2018)

5% das exportações nacionais (2018)

4% do emprego nacional (2016-2017)

3,7 mil milhões de euros em proveitos totais gerados pelo turismo costeiro (2019)

17 mil profissionais (2017) trabalham na pesca

1000 milhões de euros de faturação anual da industria transformadora (2016)

14 mil toneladas de aquacultura produzida (2018)

11,8 mil toneladas de aquacultura vendida no valor de 96 M€ (2018)

centrais de Energias Renováveis Oceânicas (2019)

25.400kW de capacidade instalada (2019)