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Paulo Macedo: “Uma menor globalização significa mais inflação”

“A curto prazo, os bancos beneficiarão com a atual subida das taxas de juro. A médio e longo prazo, se aumentarem muito, surge o malparado, mas se for para juros razoáveis, o malparado não terá grande razão para existir”, considerou Paulo Macedo.

19 de Julho de 2022 às 14:30
Paulo Macedo é o presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos.
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A conjuntura está marcada pela guerra na Europa, mas também por fatores que já existiam antes e que foram exacerbados pela guerra e continuarão depois do fim deste conflito, referiu Paulo Macedo, presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Numa análise ao atual contexto económico, o gestor salientou alguns aspetos conjunturais, como a revisão em baixa das projeções de crescimento económico para 2023 tanto do FMI como do Banco de Portugal . "A última projeção para 2022 foi a mais alta de sempre e até agora, a última projeção que temos é a mais baixa de sempre", disse Paulo Macedo.

Os preços foram um dos principais temas na intervenção do banqueiro. A inflação está "muito concentrada na energia, nos produtos alimentares e nas "commodities", mas o que se assiste, sem grandes impactos salariais em Portugal, é à repercussão dos preços. Há alguns setores e empresas em que tem havido alguma redução de margem, mas o que tem acontecido é a repercussão de preços. Este fator salvaguarda as margens das empresas, rentabilidade e de pagarem salários mais elevados e a sua sustentabilidade. Mas, ao mesmo tempo, contribui para a inflação."

Salários e abastecimento

Para Macedo, isto leva a uma pressão salarial que "será sentida no próximo ano em Portugal quando temos referenciais para aumentos de pensões acima de 5%". "Dificilmente teremos aumentos de pensões muito elevados e depois os salários muito mais baixos. Há dois efeitos em termos de pressão. Por um lado, a necessidade de compensar a redução do rendimento disponível, mas, por outro lado, estes indicadores que são precisos compensar." Para já, a inflação que se sente "ainda não tem grandes impactos salariais", mas o gestor entende que é uma questão de tempo.

Outro elemento que gera perturbação relaciona-se com a alteração de estratégias de abastecimento mundiais. Paulo Macedo recordou que, antes da guerra, a Europa estava com problemas no abastecimento de "chips", porque com a globalização concentrou as compras onde era mais barato, na China e no Sudoeste Asiático. Hoje, "assiste-se ao movimento contrário" e as empresas perceberam "que não podem estar dependentes só de um fornecedor". E esta questão "leva a um aumento imediato da inflação, porque se deslocaliza de fornecedores mais baratos para outros mais perto, de mais confiança, poupa nos transportes, mas com custos iniciais mais elevados".

"As empresas estavam mais preocupadas e era um dos princípios de gestão não ter "stocks" ou serem muito reduzidos", explicou. Hoje, pelo contrário, "quem não tem stocks tem um problema". "As empresas vão ter de investir em "stocks", passa-se do just in time para o just in case." Ainda assim, frisou, "não temos indicações de que as empresas vão ter um pior ano do que o ano passado, muito pelo contrário".

Há também novas oportunidades de novos investimentos, com o regresso da produção à Europa, "que vai ter um maior peso na cadeia de valor, porque dizíamos que o que tinha maior valor era a parte do design, da conceção e depois da distribuição".

Os cenários das taxas

Esta reversão da globalização, com os receios em relação à Rússia e à China, levam a uma menor globalização. E "uma menor globalização significa mais inflação". "Porque se está a abastecer a preços mais caros. O que é permitiu baixar tanto os preços e manter inflação baixa durante estes anos? Para além da política monetária também foi a inflação importada que, muitas vezes, era negativa. As alterações climáticas também aumentam a inflação, designadamente dos produtos agrícolas", analisou Paulo Macedo.

"A curto prazo, os bancos beneficiarão com a atual subida das taxas de juro, a médio e longo prazo depende do aumento das taxas de juros. Se aumentarem muito, surge o malparado, mas se for para juros razoáveis o malparado não terá grande razão para existir", considerou o gestor.

"O cenário de taxa de juro a 2% no final do ano que vem é o cenário central, mas não é compatível com inflações que sejam metade do que são hoje, não é compatível com inflações de 6 ou 7%", avisou e por isso é um "cenário benigno". Disse que aumentos de taxas de juro de 200 pontos base na taxa de juro implica acréscimo entre 1 e 2% nos custos, é o possível impacto na estrutura de custos.

Em relação à subida das taxas de juro, Paulo Macedo apontou a possibilidade da taxa fixa, "embora as pessoas sejam adversas a fazer". "As taxas fixas terão a tendência para aumentar o seu custo, mas a questão é sempre a mesma: a taxa fixa num primeiro tempo é mais elevada, mas depois, dependendo das condições torna-se mais baixa", explicou.

O líder da CGD salientou ainda que as empresas portuguesas fizeram um caminho de maior autonomia financeira e de redução de dívida, "porque a dívida privada portuguesa está hoje aos níveis europeus enquanto a dívida pública continua muito acima. Há 15 anos estavam as duas partes da dívida acima da média da Europa, portanto, as famílias e as empresas desalavancaram. Terão impactos do aumento de custo, mas estarão mais protegidas."


"As pessoas não querem pagar comissões"

"A banca em Portugal continua a fazer parte da solução, como aconteceu durante a covid-19, e a apoiar as empresas, ao contrário do que tinha acontecido na crise financeira de 2011", sublinhou Paulo Macedo. "Consegue estar mais capitalizada, vai continuar nesta fase a ter melhores resultados e se o nível de taxas de juro se mantiver adequado conseguirá melhorar as suas solvabilidades, rentabilidades e continuará a ter liquidez. Esta continua a ser excessiva na Europa, mas se as taxas de juro continuarem a ser muito desequilibradas entre a Europa e os EUA e outros países credíveis, pode levar a que haja um fluxo de dinheiro a sair da Europa", salientou o presidente executivo da Caixa.

Na sua opinião, é preciso continuar a reduzir a base dos custos de serviço porque "as pessoas não querem pagar comissões", mas garantiu que o país tem uma banca com capacidade, como é o caso da CGD, "de continuar a apoiar as empresas mesmo nesta situação difícil e temos uma banca que, dependendo da situação do malparado, continuará a fortalecer-se nos próximos anos".

O gestor alertou ainda que, apesar dos aspetos positivos, "quase toda a banca europeia continua com cotações abaixo dos seus capitais próprios, o que não acontece em média nos bancos americanos".