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"Portugal tem feito um caminho no sentido de valorizar o que é a medição da qualidade, com práticas muito relevantes em várias componentes do VBH", afirmou Ricardo Mestre, vogal do conselho diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).
Referiu que os pagamentos aos hospitais, dos bundled-payments no caso da hepatite C, HIV, esclerose múltipla, oncologia, entre várias patologias, são modalidades de pagamento com partilha de risco e afastando-se do modelo baseado no volume de cuidados que são efetuados e focando mais no que é o acompanhamento do doente.
"Temos de ter cada vez mais e melhores indicadores da qualidade dos cuidados que são prestados para podermos incorporar nestas modalidades", disse Ricardo Mestre. Acentuou que "é importante que estes incentivos sejam partilhados com os profissionais", e investir na promoção da saúde e na prevenção da doença, o diagnóstico precoce.
Equipa e integração
Ricardo Mestre sublinhou ainda que "o trabalho em equipa tem vindo a ser muito aprofundado". Enfatizou que "hoje temos práticas nos nossos hospitais com equipas multidisciplinares". Na sua opinião tem de se "continuar a reforçar não só nos hospitais mas na rede de cuidados de saúde primários para serem mais resolutivos".
Maria do Céu Machado argumentou que "a integração de cuidados é mais importante do que a multidisciplinaridade". Referiu o caso da saúde materno-infantil em Portugal como "um exemplo de que quando se fez alguma integração o resultado foi fantástico, embora agora esteja um pouco periclitante."
Por sua vez Henrique Martins salientou o BI dos cuidados de saúde primários, "em que se mostram os dados sobre qualidade e prestação dos cuidados de saúde primários e que vão ser usados pelos financiadores para os remunerar". Quem fez esta exigência foi o Grupo da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, o que mostra, segundo Henrique Martins, "que há pessoas com vontade de ser avaliadas, não tanto pelo número de consultas, mas pelo número de coisas que fazem e pelo valor que aportam ao cidadão".
O MAIOR PROBLEMA É A FALTA DA AUTONOMIA DOS HOSPITAIS
Para se montar um sistema baseado na saúde em valor "tem de se ter autonomia organizacional e esta não existe na Administração Pública mas tem de existir.
"O maior problema é não haver autonomia dos hospitais, que não conseguem recrutar quem precisam, não conseguem comprar o equipamento de que têm necessidade, não conseguem fazer manutenção dos equipamentos", diz Maria do Céu Machado, professora catedrática jubilada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Mas como refere Maria de Belém Roseira, para se montar um sistema baseado na saúde em valor "tem de se ter autonomia organizacional e esta não existe na Administração Pública mas tem de existir. As regras da Administração Pública têm de ser próprias no caso da saúde porque esta lida com pessoas, não lida com papéis. Lida com a vida, a qualidade de vida e o impacto que essa vida tem em termos económicos, sociais, porque uma morte prematura tem disrupções sociais e, portanto, é tudo muito valioso".
Os desperdícios
"A falta de autonomia leva a um maior desperdício porque muitas vezes no que se pode gastar gasta-se para suprir as falhas onde não se pode. Os conselhos de gestão devem ser responsabilizados pelos gastos e pelos resultados mas para isso têm de ter a autonomia para fazer a gestão", considera Maria do Céu Machado, que presidiu ao Infarmed.
Alexandre Lourenço, administrador no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, segue a mesma linha e diz que "ninguém pede menos rigor nas contas da gestão pública, muito menos na saúde pública. Queremos rigor e que nos apoiem na redução do desperdício público".
Quando os hospitais no início de cada ano civil não têm capacidade para assumir os seus compromissos financeiros, têm prazos de pagamento que estão perto dos dois anos, "estamos a gastar mais porque o próprio fornecedor vai repercutir no preço praticado um custo adicional, é a suborçamentação". Esta situação leva a que se "gaste mais do que devíamos e são mais 10 ou 15% em consumíveis".
Para Alexandre Lourenço, hoje a "questão não é de autonomia dos hospitais mas de autonomia do Ministério da Saúde em relação ao ministério das Finanças, porque quando uma ministra da Saúde aceita que seja um secretário de Estado das Finanças a autorizar a contratação de um funcionário, não tem autonomia".
OPORTUNIDADE DE OURO PARA AS MUDANÇAS NA SAÚDE
É com os profissionais de saúde que se definem os melhores pathways, as melhores oportunidades de integração de cuidados dentro e fora dos hospitais para os doentes.
"O Serviço Nacional de Saúde é o principal interessado em avançar com o modelo de Valor em Saúde, até porque com condições únicas consegue a perspetiva de longo prazo, e a pool grande de doentes com os quais pode fazer prevenção, que é uma dimensão importante do Valor em Saúde, difícil de inserir quando se pensa apenas numa lógica de hospital", refere Francisco Rocha Gonçalves. "Quando pensamos numa lógica de sistema conseguimos acrescentar a prevenção e ir buscar valor à segurança social, à produtividade".
O processo de aplicação do modelo do Valor em Saúde tem, como primeiro momento, o registo de dados, é uma base para avançar, pelo que o sistema de informação ganha relevância. Mas, como diz Francisco Rocha Gonçalves, "vamos precisar de colocar os profissionais de saúde a liderar este processo, e é por isso que a liderança clínica aparece à frente dos processos de Valor em Saúde".
Contratos de incentivo
É com os profissionais de saúde que se definem os melhores pathways, as melhores oportunidades de integração de cuidados dentro e fora dos hospitais para os doentes. Adverte Francisco Rocha Gonçalves, que, para além da integração de cuidados, sistemas de informação, medição de resultados, tem de rever "os contratos de incentivo, com base em resultados em saúde, com os profissionais, os stakeholders, porque com os fornecedores já há contratos com base no Valor em Saúde".
Maria de Belém Roseira considera que não "há outra área em que se possa instalar uma administração deste género a não ser da saúde". Sublinha que há mais de 20 anos que defende "uma profunda reforma da Administração Pública na saúde, e algumas coisas de que se falaram começaram nessa época, como a necessidade de ter outra forma de prestação de cuidados de saúde, os modelos integrados, e os incentivos dos profissionais".
"Estes modelos são mais caros ao princípio, com custos diretos mais elevados, mas com custos indiretos muito mais baixos, o que significa que é preciso ter confiança e estabilidade nas políticas para poder investir para poder colher os frutos mais tarde", diz Maria de Belém Roseira.
A ex-ministra da Saúde no governo de António Guterres defende que, em termos da governação da saúde, é necessária capacidade de negociação e de concertação para obter os recursos requeridos para implementar o modelo, sobretudo com o Ministério das Finanças. Mas não fazer isto "seria perder uma oportunidade de ouro.
Como refere João Marques Gomes, CEO da NOVAsaúde - Value Improvement in Health and Care, "existe uma vontade do Portugal da Saúde para que se adote o modelo do Valor em Saúde. Não é a panaceia de tudo nem é a condição suficiente, mas é a condição necessária para a sustentabilidade do SNS. O que estamos a dizer é que é necessário ter uma gestão eficiente".