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Os caminhos da avaliação da inovação e a qualidade de vida

Portugal, a par da Inglaterra e do País de Gales, é um dos únicos países da Europa que integram o valor terapêutico da inovação no processo de avaliação de tecnologias de saúde.

Negócios 18 de Novembro de 2020 às 16:00
Ana Sampaio, Céu Mateus, Cláudia Furtado e Francisco Rocha Gonçalves durante o painel de debate DR
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"Portugal, Inglaterra e País de Gales são os únicos países na Europa que têm um processo de avaliação de tecnologias da saúde que tem em consideração quer o valor terapêutico da inovação quer a relação entre os ganhos que advêm da inovação, os resultados em saúde, e os custos dessa inovação", salientou Céu Mateus, coautora das novas orientações metodológicas e professora de Economia da Saúde da Universidade de Lancaster.

Adiantou que "o processo em Portugal acaba por ser mais explícito na consideração dos custos e dos resultados que podem resultar da inovação. Não há muitos países que tenham orientações metodológicas e que tenham feito a revisão. Considero que o sistema está bem delineado e é uma das coisas que funcionam de forma adequada para as necessidades que temos em Portugal".

Sublinhou que tem havido por parte do Infarmed a vontade de melhorar o processo e integrar as modificações da sociedade e em termos metodológicos na avaliação de tecnologias da saúde num processo contínuo. Céu Mateus destacou que "a parte dos medicamentos é bastante relevante no contexto da despesa do Serviço Nacional de Saúde em Portugal e, sabendo nós que os tempos que se avizinham vão ser tempos conturbados em termos de orçamento disponível, tem de haver um equilíbrio entre a inovação que chega e a capacidade que há para financiar essa inovação".

"O orçamento é finito e dentro do orçamento disponível qual é a inovação que tem capacidade para pagar e traz mais ganhos em saúde, e dentro da que já está há alguma que se possa descartar. Esse é o reverso da medalha. Está-se sempre a trazer inovação, o que continua no portefólio de tratamentos já não é tudo inovador e, portanto, pode haver coisas que já não vale a pena ter", considerou Céu Mateus.

O papel dos doentes

Ana Sampaio, presidente da Associação Portuguesa de Doença Inflamatória do Intestino, discordou desta visão, porque "olhar apenas para o SNS é uma perspetiva muito curta, deve-se olhar numa perspetiva da sociedade, que é muito mais alargada e abarca outras questões". Questionou se não seria mais compensador "um medicamento que é mais caro mas que permita que o doente continue a trabalhar e não esteja seis meses de baixa, que vai ser paga pela Segurança Social, e isto não entra na equação. Todos os pequenos ganhos que se vão conseguindo devem ser medidos e essa questão é premente".

A dimensão da qualidade de vida é integrada na avaliação farmacoterapêutica. Entra em consideração como os outros indicadores outcomes de mortalidade, morbilidade, segurança, etc., é a qualidade de vida. "É nessa área que queremos que as associações de doentes também contribuam com a sua opinião. Este processo já se iniciou mas tem de ser melhorado e compreendemos alguns aspetos que as associações têm referido sobre a eventual melhoria do processo de auscultação das suas preferências, das suas opiniões", diz Cláudia Furtado.

Ana Sampaio chamou a atenção para o facto de nas tecnologias da saúde haver uma preocupação de avaliação à entrada, mas depois não se avalia o percurso, "não avaliamos com dados da vida real, se aqueles medicamentos estão a ser efetivos para aquele doente e se estão a trazer ganhos e que ganhos. São coisas importantes para os doentes e, portanto, têm de ser ponderadas".

A monitorização da utilização após a decisão é um desafio, admite Cláudia Furtado. "Temos tentado melhorar com o registo oncológico nacional, o Infarmed tem feito a monitorização da efetividade e da segurança de alguns medicamentos oncológicos, mas não é algo sistemático. Também não sabemos ainda o modo mais eficiente de o fazer, o reporte dos doentes nesse processo de avaliação. Portugal não tem essa prática sistemática como nenhum dos países nossos parceiros a tem."