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“O instinto é a nossa maior arma”

Luísa Almeida transformou uma quinta dedicada à monocultura de Pera Rocha numa produção agrícola biológica, vendendo agora os seus produtos diretamente aos consumidores.

28 de Outubro de 2024 às 07:07
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Jurista de formação, Luísa Almeida, 62 anos, é a convidada das 'Conversas de Inspiração', integradas no Prémio Portugal Inspirador, uma iniciativa do Negócios, Correio da Manhã e CMTV, com o apoio do Banco Santander e dos knowledge partners Informa DB, Accenture e Nova SBE. Em 1987, mudou-se para a Quinta do Arneiro, no concelho de Mafra, uma propriedade de 30 hectares que o seu pai, António Ferreira de Almeida, antigo industrial no Brasil, tinha adquirido em 1967, tendo arrancado as vinhas velhas e substituiu-as por pomares de pera.





A quinta, onde Luísa passava férias, tornou-se a casa de família, onde nasceram e cresceram os seus filhos. O ex-marido ajudava o pai na gestão da quinta, enquanto Luísa Almeida se dedicava à sua livraria, Index, em Torres Vedras, atividade que manteve durante 14 anos. Após o divórcio, em 2007, percebeu que não conseguia continuar a gerir a livraria e a quinta ao mesmo tempo. A decisão que tomou, de se dedicar à quinta, não foi fácil nem entusiástica, "porque era só Pera Rocha, uma monocultura", relembra.


No entanto, essa decisão resultou numa "reviravolta gigante na minha vida", confessa. Ainda hoje, surpreende-se com a paixão que desenvolveu pela agricultura e pela natureza, pois "não tinha qualquer apetência pela natureza, não me dizia nada, mas a maneira como as coisas acontecem, crescem e se desenvolvem, quando bem cuidadas, mostram que a natureza é a nossa principal aliada". Hoje, emociona-se com o que vê no campo: "Choro quando vejo uma árvore com muitos anos, com 100 anos, ser cortada, um tronco gigante." 

A transformação do negócio

O processo de transformação da Quinta do Arneiro começou com uma horta de um hectare, pois Luísa Almeida não tinha grande experiência em horticultura. Com o tempo e por etapas, conseguiu fazer a transição para o modo de produção biológica nos 30 hectares da quinta. Paralelamente, experimentava formas de fazer os produtos chegarem aos consumidores sem intermediários.

Começou por vender no mercado de Cascais, estando atualmente também presente no mercado do Jardim Príncipe Real e no mercado Agrobio do Parque das Nações. No entanto, a principal via de comercialização são os cabazes que fornece diretamente aos consumidores, cerca de 3.600 por mês. A Quinta do Arneiro organiza eventos, tem uma loja e um restaurante, e transforma produtos como molho de tomate, bolachas, pies, sopas, compotas, pickles, entre outros, todos com a assinatura: 'Quinta do Arneiro, biológico com amor.'

Como diz Luísa Almeida, "ser mulher, nesta área de negócio da agricultura e nas obras que é preciso fazer na quinta, torna as coisas mais difíceis. As pessoas não me levam muito a sério, apesar de tudo o que já mostrei. Talvez pela minha maneira de ser, mas também pelo facto de ser mulher num mundo muito masculino." 

O país da excelência

Luísa Almeida revela a sua angústia com o crescimento da empresa. "Antes, era mais despreocupada, mas, quando a empresa começou a crescer, senti o peso desse crescimento, o peso de ter muitas pessoas a trabalhar para mim, e a responsabilidade de ter investido tudo na quinta. Por isso, tem de correr mesmo bem. O crescimento foi orgânico, quase sem esforço da nossa parte. Não sou gestora, sou empreendedora, e não gosto muito de gerir."

Confia na sua resiliência e, em certa medida, na sua teimosia. "Se acreditarmos verdadeiramente e virmos que é o caminho certo, o instinto é a nossa maior arma", resume. Acrescenta ainda que "o passo mais importante é vender, porque ninguém consegue sustentar um projeto, por mais incrível que seja, sem ter rentabilidade."

"O meu pai, na vida, Guy Watson, no projeto, e os empreendedores que mantêm as suas convicções à frente do lucro" foram as suas maiores inspirações. No entanto, Luísa Almeida também se inspira nas "empresas que insistem em fazer diferente, que mantêm processos já raros e que não se juntam à carneirada, fazendo tudo da mesma forma. Assusta-me pensar que, dentro de 20 anos, só existirão duas ou três marcas de produtos alimentares."

Numa reflexão final, diz que "somos um país tão pequeno, poderíamos ser excelentes, mas andamos sempre a baixar o nível, a tentar copiar a maioria. Isto faz-me muita confusão", conclui Luísa Almeida.