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Líderes mundiais apostam na economia azul para combater emergência oceânica

A mensagem saída da Conferência dos Oceanos é clara: a par da proteção e restauração, a mudança para uma economia azul é vital para reverter a decadência dos oceanos. Os líderes assinaram a Declaração de Lisboa, mas a sociedade civil pede mais ação. Portugal mostrou-se ao mundo e demonstrou querer estar na liderança da nova agenda dos oceanos.

Sónia Santos Dias 05 de Julho de 2022 às 12:20
António Guterres, Marcelo Rebelo de Sousa e Uhuru Kenyatta, na abertura da conferência. Mariline Alves
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O mundo falou a uma só voz pela defesa dos oceanos. Na Conferência dos Oceanos, que decorreu em Lisboa, de 27 de junho a 1 de julho, partilharam-se alertas e assumiram-se compromissos pela proteção e gestão sustentável dos oceanos. António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), deu o mote, na abertura dos trabalhos, ao declarar que o mundo está em "emergência oceânica" e ao exortar os governos a fazerem mais para restaurar a saúde dos oceanos. A mensagem passou e em cada intervenção de oradores dos quatro cantos do mundo emergiram apelos à ação, à liderança e à colaboração para mudar o rumo destrutivo dos oceanos.
Os líderes políticos dos Estados-membros da ONU assinaram a Declaração de Lisboa, onde se comprometeram formalmente a proteger a saúde dos oceanos e a promover soluções baseadas na ciência para desenvolver a economia azul. Particularmente, cada país e diferentes "stakeholders" presentes também assumiram compromissos para salvaguarda dos ecossistemas marinhos e gestão dos oceanos de forma sustentável.

Ruben Eiras, secretário-geral do Fórum Oceano, faz um balanço positivo dos trabalhos: "Os objetivos gerais estão conseguidos. Houve um sinal de que algumas decisões já estão a sair da fase das declarações de princípios para as decisões a sério", destacando como exemplo o apoio do Presidente de França, Emmanuel Macron, à moratória que proíbe a mineração marinha. Também Emanuel Gonçalves, administrador e coordenador científico da Fundação Oceano Azul, diz que o balanço da conferência é positivo pela mobilização e compromissos, mas considera que "os oceanos não podem esperar" e os Estados têm efetivamente "de pôr mais ação nas suas palavras". Considera que "faltam planos concretos, faltam planos que tenham metas quantificáveis anuais", evidenciando preocupação sobretudo com a necessidade de se avançar com mecanismos de regulação do alto-mar e com "alguma incongruência" de alguns Estados que defendem a proteção marinha ao mesmo tempo que promovem a mineração no mar profundo.

Um mundo de promessas
Enquanto cá fora, ao longo da semana, várias manifestações de ativistas reivindicavam ações mais robustas para proteger os oceanos, dentro do recinto da Altice Arena várias decisões eram divulgadas. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou a "Promessa do Oceano", em que se comprometeu a ajudar 100 países costeiros a tirarem o máximo potencial da sua economia azul, através da promoção de soluções sustentáveis, até 2030. O PNUD reconhece que a ajuda pública ao desenvolvimento da economia azul tem sido baixa, não ultrapassando os 1,2 mil milhões de euros por ano, nos últimos 10 anos, e que a escala do investimento público e privado para a restauração e proteção dos oceanos permanece "lamentavelmente inadequada". O PNUD estima que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14 receba o nível de investimento mais baixo de todos os 17 ODS. Compromete-se, por isso, a apoiar a recuperação de quase 1 bilião de euros em perdas socioeconómicas anuais, causadas pela má gestão dos oceanos, e a expandir o seu apoio na ação climática, economia azul e transformação digital.

No decorrer dos trabalhos, a Comissão Europeia (CE) anunciou a criação de um Painel Internacional para a Sustentabilidade dos Oceanos (IPOS), para permitir a avaliação do estado atual e futuro do oceano. A CE anunciou também 50 contribuições voluntárias no valor de 7 mil milhões de euros, incluindo mil milhões de euros para proteger a biodiversidade do alto-mar.

Ao reunir mais de sete mil pessoas provenientes de mais de 140 países, a Conferência dos Oceanos foi também palco de inúmeras promessas destas nações. A China, por exemplo, comprometeu-se a lançar 31 projetos de preservação e restauração ecológica marinha nos próximos cinco anos e a prestar assistência aos países em desenvolvimento, através da iniciativa One Belt One Road. A Índia comprometeu-se a trabalhar para proibir os plásticos de uso único. A Austrália comprometeu-se a investir 1,1 mil milhões de euros para restaurar a Grande Barreira de Corais. A Suécia comprometeu-se a atingir 100% de produção renovável até 2040, incluindo a energia eólica offshore. O Panamá vai proteger 40% do seu oceano antes de 2024, sendo que o país alcançou 30% de proteção nove anos antes do prazo de 2030. E a vizinha Espanha anunciou um compromisso de proteger 30% da sua área marinha até 2030. Estes são alguns exemplos dos inúmeros compromissos assumidos em Lisboa.

Economia azul como protagonista
Mas nada se faz sem investimento e a economia azul sustentável surge como uma das abordagens para salvar e desenvolver o potencial dos oceanos, conforme ficou bem patente no Fórum de Investimento em Economia Azul Sustentável (SBEIF, sigla em inglês), um dos eventos especiais associados à conferência e que, dada a elevada procura, terá uma nova edição em 2023. Presente neste fórum, John Kerry, enviado especial do Presidente dos EUA para o clima, destacou que o mundo não está a agir depressa o suficiente, mas estamos perante "a oportunidade económica mais empolgante das nossas vidas". Salientou também que nenhum governo tem dinheiro suficiente para acelerar a transição e que é preciso que o setor privado aposte em soluções criativas. "Segundo o Relatório Financeiro das Nações Unidas, esta transição precisa de 2,5 a 4,5 biliões de dólares [cerca de 2,4 e 4,3 biliões de euros] por ano, nos próximos 30 anos, e nós não estamos nem perto disso". Kerry falou num mundo de oportunidades à espreita para os investidores, destacando também o papel das seguradoras para ajudar a suportar os riscos. "Somos todos precisos para atingir o objetivo: governos, bancos, seguradoras e sociedade civil", salientou o enviado especial.

Logo de seguida, Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), destacou que "o setor privado está no centro da construção de uma economia azul sustentável", num mercado que vale 1,4 biliões de euros e que poderá chegar aos 2,8 biliões de euros em 2030.

Ngozi Okonjo-Iweala referiu também que "estamos a correr contra o tempo" na procura de soluções para resolver os problemas do planeta. "A rapidez e a forma como gerimos os recursos, bem como as decisões que todos tomamos agora, terão um grande impacto nas pessoas e no planeta durante décadas. Este é um momento para a cooperação global e para a solidariedade global", referiu, congratulando ainda a recente decisão histórica da OMC, após 20 anos de negociações, de acabar com os subsídios à pesca prejudicial.

Portugal quer estar na liderança
No decorrer desta semana, a oferta nacional ao nível da investigação, do conhecimento e de soluções práticas esteve no centro das atenções, sobretudo no evento paralelo organizado pelo Fórum Oceano, o One Sustainable Ocean, por onde passaram mais de 7.200 pessoas e foi feito muito networking com a oferta nacional como pano de fundo.

"Um sucesso", diz Rúben Eiras, acreditando que "Portugal pode liderar na economia azul, porque tem o talento, tem o conhecimento e tem o ativo nas suas diversas dimensões. Além disso, há investidores que querem investir". Mas, para isso, diz que "é preciso estruturar o ecossistema de inovação, através da rede Hub Azul", algo que acontecerá nos próximos três anos, bem como tornar mais ágeis os processos administrativos e de licenciamento para o investimento.

No decorrer da Conferência dos Oceanos, o primeiro-ministro, António Costa, assumiu quatro compromissos para salvar e gerir melhor os oceanos, assentes em soluções baseadas na ciência. Até ao final do ano, será criado o Gabinete da Década das Nações Unidas das Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável. Costa também se comprometeu em assegurar que 100% do espaço marítimo sob soberania ou jurisdição portuguesa seja avaliado em Bom Estado Ambiental e, até 2030, classificar 30% das áreas marinhas nacional. Para além disso, existe o objetivo de transformar a pesca nacional num dos setores mais sustentáveis a nível mundial, "mantendo 100% dos stocks dentro dos limites biológicos sustentáveis".

O terceiro compromisso do país passa por reconhecer o nexo entre clima e oceano. Nesse sentido, o país irá apostar na produção de energias renováveis oceânicas para atingir 10 gigawatts de capacidade até 2030. Por fim, a economia azul é vista como elemento central da estratégia de desenvolvimento de Portugal. Para isso, será criado um "Hub Azul, para duplicar o número de start-ups na economia azul, bem como o número de projetos apoiados por fundos públicos", avançou António Costa.

De salientar ainda a criação de uma rede de áreas marinhas protegidas nos Açores de grande dimensão, já em 2023, à semelhança da área já criada nas Ilhas Selvagens, na Madeira. Para Emanuel Silva, "Portugal pode liderar a agenda da conservação marinha", o que pode "trazer bem-estar às populações e uma economia que se baseia num oceano saudável, seja na área do turismo sustentável ou nas áreas científicas e biotecnológicas".

A 3ª Conferência dos Oceanos já está marcada. Vai decorrer em 2025, numa coorganização de França com a Costa Rica.