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José Luis Medina: "A diabetes é uma pandemia mundial"

Tem efeitos na qualidade de vida das pessoas pois podem surgir complicações que obrigam a hospitalizações, ausências ao trabalho, reformas antecipadas. Estas situações podem repercutir-se na produtividade com as baixas médicas e interferências na capacidade de trabalho.

23 de Agosto de 2016 às 10:11
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Presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia, José Luís Medina, 70 anos, é professor jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) onde se licenciou em medicina e iniciou a sua carreira, como assistente de Química Fisiológica. Doutorou-se em 1988, com uma tese sobre "TRH- (Thyrotropin releasing hormone) - da Bioquímica à Clínica".

José Luís Medina dirige o Serviço de Endocrinologia da FMUP e o Serviço do Hospital de São João com o mesmo nome. É ainda membro do Colégio da Especialidade de Medicina Interna da Ordem dos Médicos e integra a direcção do Colégio de Endocrinologia.

Este professor catedrático desde 2003 vai ser um dos oradores da Be Well Global Health Conference que se vai realizar a 1 de Outubro no Meo Arena numa organização da MSD e do Negócios com o apoio da Fundação Gulbenkian e da Câmara Municipal de Lisboa.

Qual é a incidência da doença (diabetes tipo 1 e diabetes tipo 2) em Portugal? Porque uma incidência tão grande de pessoas com diabetes em Portugal?
Em 2014, estima-se a existência de 522 a 663 novos casos de diabetes por cada 100.000 habitantes; em 2014 foram detectados 17,5 novos casos por cada 100.000 jovens com idades entre 0 e 14 anos. A prevalência da diabetes em Portugal na população, no escalão 20-79 anos, foi de 13,1% (a prevalência da diabetes diagnosticada foi de 7,4% e a da não diagnosticada foi de 5,7%. Estes dados são do Observatório Nacional da Diabetes descritos no Relatório Diabetes - Factos e Números.

Quais são as principais causas para a diabetes? Quais são os principais custos? Quais são as consequências mais graves?
Estes valores elevados são, sobretudo, devidos ao aumento da prevalência da diabetes tipo 2 (o estilo de vida constituído por dietas hipercalóricas e sedentarismo em grupos de pessoas predispostos geneticamente para a diabetes, estão na base deste aumento).
A qualidade de vida pode piorar se se associarem complicações que podem estar na base de hospitalizações, ausências ao trabalho por doença, reformas antecipadas. Estas situações podem repercutir-se na produtividade (baixas médicas, complicações com interferência na capacidade de trabalho).
As complicações mais graves são a lesão da retina, do rim e dos nervos bem como as complicações cardiovasculares (enfarte do miocárdio, AVC e doença arterial periférica). As hipoglicemias são complicações a evitar.

É importante um diagnóstico precoce da doença? É uma doença provocada pelos estilos de vida ou pela idade?
O diagnóstico precoce da diabetes é fundamental para evitar o desenvolvimento de complicações. O estudo UKPDS, realizado em pessoas com diabetes tipo 2, demonstrou a existência de complicações microvasculares já no momento do diagnóstico (tardio). Isto quer dizer que a doença evoluiu silenciosamente durante tempo suficiente para o desenvolvimento destas complicações.
Os estilos de vida não saudáveis como o sedentarismo e a alimentação hipercalórica favorecem a obesidade que mostra uma evolução paralela à da diabetes tipo 2 (a resistência á insulina tem aqui um papel importante na causa da doença). A doença apresenta prevalência mais elevada no grupo etário dos 60 aos 79 anos.

Nos vários relatórios anuais do Observatório Nacional da Diabetes tem-se verificado um aumento da prescrição e dos custos com a medicação para a diabetes. A questão que sempre se coloca é a de saber se este aumento dos custos oferece uma contrapartida em ganhos de saúde?
O aumento da prescrição deve-se ao maior número de pessoas com diabetes, que tem aumentado todos os anos, com o consequente aumento de custos ( os custos também estão dependentes da despesa com novos medicamentos que se apresentam mais seguros desenvolvendo menos hipoglicemias e menos repercussões cardiovasculares; alguns desses medicamentos diminuíram o risco cardiovascular, por exemplo). Com os novos medicamentos, com a obediência às mais recentes recomendações e com melhores resultados de controlo metabólico, os ganhos em saúde são uma realidade (com menos hospitalizações por hipoglicemias e por insuficiência cardíaca, por exemplo). 

A influência de produtos químicos na diabetes "É cada vez mais evidente a associação entre diabetes e alguns disrruptores endócrinos químicos. A evidência mais forte está relacionada com arsénico e poluentes orgânicos persistentes" assinala José Luís Medina. Estes disrruptores endócrinos químicos estão presentes em produtos como garrafas de plástico, alguns metais, brinquedos, cosméticos e pesticidas. Estas substâncias interferem com a síntese, secreção, transporte e eliminação de algumas hormonas.

Segundo o professor da Faculdade de Medicina do Porto, a relação entre disrruptores endócrinos químicos e diabetes tipo 1 tem sido menos estudada e não existem ainda conclusões consistentes. Adianta que "uma revisão sistemática e uma meta-análise que envolveu 49 estudos realizados em várias populações demonstraram uma associação entre diabetes tipo 2 e disruptores endócrinos persistentes (como bifenilos policlorados conhecidos por PCB (polychlorinated biphenyl), dioxina e alguns pesticidas clorinados) e disruptores endócrinos não persistentes (bisfenol A e ftalatos)".

Refere ainda que foi encontrada uma associação entre estes disrruptores endócrinos químicos e a alteração da glicemia em jejum e resistência à insulina e admite-se que haja uma relação entre disrruptores endócrinos químicos com a aterosclerose e a doença cardiovascular. 


Há progressos  na luta mas muito a fazer ainda No Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes - "Diabetes: Factos e Números" -, referente a 2014 escreve-se que a prevalência da diabetes "continua a aumentar, o que significa que não podemos baixar a guarda na luta sem tréguas contra a pandemia da Diabetes". Para José Luis Medina, "tal como a obesidade, a Diabetes é uma pandemia mundial que preocupa as autoridades da saúde e as instituições (nacionais e internacionais) envolvidas na luta contra a diabetes e as suas consequências".

Há uns anos foi criado o Programa Nacional para a Diabetes (PND), que como estrutura da DGS representa a espinha dorsal orientadora das actividades a desenvolver no campo da organização da prevenção da doença, das suas complicações e da terapêutica com papel importante no desempenho dos profissionais da saúde e das estruturas da saúde. José Luís Medina destaca "o papel do PND e dos profissionais da saúde dedicados à Diabetes, nos resultados positivos obtidos no tratamento da Diabetes. Mas há muito caminho a percorrer no que respeita à luta contra a Diabetes sobretudo na prevenção das amputações e contra a doença renal diabética, por exemplo".

Mas neste combate cabe um papel relevante às associações de doentes cujo papel deve incluir também a informação aos doentes, às pessoas em risco de vir a ter diabetes e até à população em geral. Como refere José Luís Medina, "as pessoas com diabetes são por natureza importantes divulgadores das regras de uma alimentação saudável e de uma vida activa; também devem desempenhar papel de relevo no aconselhamento das pessoas com diabetes. Outras funções serão também muito importantes como a da defesa dos direitos das pessoas com diabetes perante a sociedade e as autoridades da saúde".