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Há brain drain nas especialidades do aparelho digestivo

A retenção de talento no SNS não passa apenas pelo “salário pecuniário” mas também pelo “no salário emocional: carreiras médicas com possibilidade de progressão, satisfação profissional, atenção à saúde mental dos profissionais, cuidar dos cuidadores, investir no bom ambiente, psicologia positiva, etc”.

30 de Setembro de 2021 às 14:00
Rui Tato Marinho fala da importância do “salário emocional” DR
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"Investir na captação e retenção dos recursos humanos é prioritária. A oferta de trabalho em instituições hospitalares e clínicas privadas é muito forte e competitiva. Diria que o "Brain Drain" na área do aparelho digestivo está por aí", alerta Rui Tato Marinho, diretor do Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN).

Na sua opinião, esta retenção de talento não passa apenas pelo "salário pecuniário" mas também pelo "no salário emocional: carreiras médicas com possibilidade de progressão, satisfação profissional, atenção à saúde mental dos profissionais, cuidar dos cuidadores, investir no bom ambiente, psicologia positiva, etc."

Rui Tato Marinho sublinha a mudança de mindset nesta especialidade médica, o que implica um investimento "na gestão profissional e eficiente de tudo que rodeia o médico", e considera que uma Unidade de Endoscopia se "reveste de uma elevada complexidade, em tudo semelhante a um bloco operatório".

Defice de anestesiologistas

"O SNS está muito deficitário em anestesiologistas nalguns hospitais. O que limita a prática e a oferta de exames endoscópicos. Não nos esqueçamos que estamos a falar do cancro mais frequente dos portugueses em termos de incidência. Esperam-nos 100 mil novos cancros do cólon e reto nos próximos 10 anos", avisa Rui Tato Marinho.

"São importantes investimentos, e vontade política, para retomar a atividade de rastreio oncológico, de forma organizada e centralizada, especialmente no CCR (cólon e recto) e hepatocarcinoma na Cirrose", afirma Paulo Caldeira, diretor do Serviço de Gastroenterologia do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA), sobre as principais necessidades de futuro nas doenças gastrenterológicas e hepatológicas, até porque "obriga a um investimento continuo em equipamentos na área endoscopia e ecografia, áreas de elevada diferenciação tecnológica, onde rapidamente os equipamentos se tornam obsoletos".Sublinha na área da endoscopia digestiva a evolução é constante, por exemplo, cromoscopia digital, endomicroscopia digital e endoteapia endoscópica.

Também Rui Tato Marinho refere o investimento na tecnologia, nos equipamentos de uma unidade de endoscopia é crítico, seja em aparelhos, máquinas de desinfeção, armários, fontes de eletrocirurgia, etc. "Temos que proporcionar cada vez mais qualidade aos nossos utentes", conclui.

Tecnologia disruptiva

Paulo Caldeira considera que a digitalização é especialmente importante na endoscopia digestiva como instrumento de auditoria e certificação de qualidade. "É este, endoscopia de qualidade, o grande desafio nos próximos anos, só possível de superar com registo padronizados de bases de dados nacionais. A teleconsulta (consulta digital) no seguimento de doença crónicas - DHC, DII - também terá um papel fulcral na melhor alocação de recursos".

"A transformação digital tem sido progressiva. A inovação tecnológica tem sido em muitos aspetos disruptiva", sublinha Rui Tato Marinho. "Foi não só a medicação para a hepatite C com 97% de cura, a elastografia hepática, a cápsula endoscópica para o intestino delgado, o transplante hepático, a abordagem multidisciplinar do carcinoma hepatocelular, os cuidados paliativos, entre muitas outras inovações. O paradigma mudou em muitas áreas",

"Esta área é um excelente exemplo do que se chama de cross-pollinating tecnológico em que o desenvolvimento humano e tecnológico é alimentado por várias áreas da ciência e do conhecimento, com uma evolução fantástica, no domínio do diagnóstico, rastreio, tratamento, prevenção e cura das doenças gastrenterológicas e hepatológicos", diz Rui Tato Marinho.

Em termos de inovação, Paulo Caldeira que nos medicamentos tem existido especial evolução no tratamento das doenças gastrenterológicas Inflamatórias Intestinal, "com o surgimento de vários novos tratamentos biológicos nos últimos anos, e que vai continuar, felizmente com facilidade de acesso a estas novas terapias. Na área da estatohepatite não alcoólica - inflamação do fígado associada a gordura - também se perspetivam vários tratamentos inovadores".

A visão dos doentes "O futuro do sistema de saúde passa pela reorganização do sistema em função das necessidades do doente. O cidadão/utente deve estar no centro do sistema. Isso implica uma reorganização total do sistema pois neste momento o sistema está desenhado para os profissionais de saúde e suas especialidades médicas", diz Ana Sampaio, presidente da APDI - Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino, Colite Ulcerosa e Doença de Crohn.

"Não faz sentido um hospital organizar-se por especialidades médicas e depois ser o doente o mensageiro entre os diferentes serviços por estas doenças terem complicações e manifestações em diferentes partes do corpo", observa Ana Sampaio.

Considera que deveriam ser criadas equipas multiprofissionais que se dediquem ao tratamento das pessoas que vivem com determinada doença. Por exemplo, no caso dos doentes de doença inflamatória do intestino, o doente deve ser tratado por uma equipa que reúna especialidades como gastroenterologia, nutrição, psicologia, cirurgia, reumatologia, dermatologia entre outras, pois esta doença manifesta-se também em outros órgãos do corpo que tem de ser tratadas em conjunto e de forma coordenada por um gestor de caso.

"Esta mudança é difícil de ocorrer, mas é necessária para ter efetivamente o doente no centro. O doente tem uma palavra a dizer na gestão da sua doença e deve ser respeitado quando tem uma opinião divergente da do profissional de saúde", refere Ana Sampaio.