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E se a família empresária fosse “letra de lei”?

Especialistas defendem a criação de um regime jurídico de “family governance” para garantir as boas práticas neste tipo de empresas. O tema estará esta semana em debate numa conferência na Maia.

21 de Outubro de 2019 às 14:15
Fernando Freire
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As empresas são entidades devidamente institucionalizadas, enquadradas pelos Códigos Comercial e das Sociedades Comerciais, mas essa regulamentação, ao não considerar a existência da família empresária, ignora uma potencial atuação concertada por parte da família que controla a sociedade, mesmo que atualmente seja reconhecida a sua influência sobre a empresa ou sobre as pessoas que detêm o poder de decisão.

É neste pressuposto que se baseia o debate em torno da implementação de um regime jurídico do governo da família empresária ("family governance"), abrangendo a organização dos órgãos e da sua estrutura, que seja capaz de garantir as boas práticas de governação neste tipo de empresas, que representam mais de 70% do total em Portugal e que asseguram mais de metade do emprego privado no país.

"A institucionalização da família empresária implicará não apenas a criação de estruturas e órgãos próprios de governação - como será o caso da Assembleia da Família e do Conselho da Família -, mas sobretudo a sua adequada articulação com os órgãos da sociedade titular da empresa. Se esta institucionalização obtiver reconhecimento jurídico, a família empresária deverá poder ser identificada e atuar como uma entidade diferenciada dos indivíduos que a compõem e encontrar o lugar que lhe corresponde no âmbito do direito societário", resume António Nogueira da Costa.

O presidente da Efconsulting e Rita Lobo Xavier, professora catedrática da Universidade Católica e especialista nesta área, já desenharam inclusive um modelo de estrutura análoga ao de uma sociedade anónima, defendendo que ele deve ser "simples e de fácil apreensão, centrado no essencial". Pensado para constar de um diploma avulso, embora considerem "desejável" que futuramente venha a ser inserido no próprio Código das Sociedades Comerciais.

Virtudes e ação local
Este é um dos temas que estarão em destaque no III Fórum das Empresas Familiares, esta quarta-feira, 23 de outubro, na Maia, que terá como tema o contributo das famílias empresárias para a competitividade da economia. No Salão Nobre dos Paços do Concelho, vários empresários vão analisar, em particular, o papel destas sociedades enquanto dinamizadoras da economia e também a temática da diversidade de género nas administrações.

No tecido empresarial maiato há uma prevalência de empresas de matriz familiar, como a Sonae ou a Cerealis, dois casos de sucesso no que respeita à sucessão e à gestão de topo. E o presidente da câmara vê "claramente mais virtudes" do que inconvenientes nessa realidade. "É intrínseco ao espírito de sobrevivência e desejo de perenidade de toda a família, cuidar de garantir os meios económicos e financeiros para que isso aconteça. A grande dificuldade de algumas famílias é gerir o processo de sucessão, assegurando duas realidades futuras de forma pacífica e equilibrada, compaginando a sustentabilidade futura dos negócios e a coesão interna da família", aponta António Silva Tiago.

E se a iniciativa para uma economia local dinâmica e criadora de emprego duradouro, qualificado e bem remunerado é "do foro privado", a um município compete "ser ator facilitador proativo que crie condições ótimas para acolher" novos projetos. E o que os investidores e empreendedores procuram atualmente é "também, senão mesmo principalmente, boas condições de vida para os seus colaboradores", o que inclui a rede escolar e de saúde, infraestruturas de comunicação, segurança ou equipamentos desportivos e culturais.

"As condições de operação económica e a fiscalidade são dossiês importantes, mas tudo isto assume peso nas decisões finais. Já senti muitas vezes que o que a Maia tinha para oferecer [a este nível] jogou claramente a nosso favor", finaliza o autarca.

Cinco mitos sobre empresas familiares

A maioria das empresas morre na 3.ª geração
Na maior parte das vezes, as sociedades familiares sucumbem porque não se adaptam à realidade dos mercados, o que implica que essa terceira geração, por muita preparação e vontade que tenha, por vezes já pouco mais consegue fazer do que atuar como cuidador de uma entidade em cuidados paliativos e ocupado com a gestão da sua morte.

Os conflitos familiares ditam o fim
Os conflitos normalmente têm origem em divergências de opinião, pelo que, se forem bem geridos, podem redundar em soluções mais robustas. Pelo contrário, avisam o especialistas, se não forem devidamente tratados podem levar, de facto, a ruturas mais ou menos fraturantes.

A comunicação é um processo mais fácil
"Eu sei o que é e desejo o melhor para todos." Este é provavelmente o sentimento mais comum a qualquer membro da família. Contudo, é também um dos mais erróneos. Cada pessoa é única e tem o seu próprio contexto e interesses (em especial à medida que cresce e cria o seu próprio núcleo familiar), pelo que o ideal passa sempre por perguntar antes de decidir.

Vender a quota é um ato de traição
Ao vender a sua parte do capital na empresa, um membro da família está somente a deixar de ser proprietário da sociedade, mantendo as suas relações familiares de sempre. É melhor permitir e facilitar as operações de venda do que manter um acionista forçado na empresa. Considerando a questão nesta perspetiva, podem até criar-se condições para que os restantes familiares possam reforçar as suas posições e incrementar a coesão dos sócios.

Genros ou noras são problemáticos
O problema não está nas pessoas normalmente referenciadas como familiares não consanguíneos, mas sim nas decisões com eles relacionadas e que sejam assumidas pela via do laço familiar - em vez de ser pela racionalidade das necessidades. Há ainda outros dois aspetos relevantes: existem muitos exemplos de genros ou de noras que acabaram por ser os "salvadores" da empresa; e, por outro lado, sem estas pessoas será difícil assegurar o próprio crescimento da família.