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Carlos Carreiras: “Estamos numa luta contra o tempo”

São precisas pessoas, empresas e municípios, e uma mudança de mentalidades transversal para antecipar as metas climáticas. Pacto dos Autarcas compromete autarquias e ajuda a definir plano de ação.

15 de Junho de 2023 às 15:30
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"Só por falta de vontade ou de inteligência, cada um de nós, autarcas, não fará os investimentos necessários para cumprir as metas da descarbonização." A frase, proferida pelo presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras, encerrou, em jeito de provocação, o discurso de abertura que o autarca fez na conferência "Autarcas pelo Clima", que teve lugar na Nova SBE, em Carcavelos, depois de ter iniciado a sua intervenção com outro alerta: "Estamos numa luta contra o tempo."

Para o edil de Cascais, o relógio não pára de contar, e todos os esforços rumo à neutralidade carbónica são poucos para garantir o cumprimento das metas definidas pelo Acordo de Paris. Na sua opinião, é preciso investir porque "cada euro investido multiplica-se em muitos outros fatores" e, ao contrário de outros tempos, "não falta dinheiro para o fazer", assume. O autarca recorda que, "entre os programas Portugal 2020, Portugal 2030 e Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), há muitos milhões para investir e que esta é uma oportunidade única".

Envolver os municípios

Mas, mais do que dinheiro para investir, é preciso que os municípios estejam alinhados e envolvidos neste desafio de atingir a neutralidade carbónica. Como refere Francisco Teixeira, "enquanto municípios, é necessário fazer mais, e mais rápido". Para tal, acrescenta o diretor-geral da Get2C, é essencial que todos os 308 municípios adiram ao Pacto dos Autarcas, um compromisso que as autarquias signatárias assumem com vista a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 40% até 2030. Atualmente, apenas 184 municípios em Portugal já assinaram este pacto lançado em 2008 pela Comissão Europeia, e revisto em 2015 para tornar as metas ainda mais ambiciosas.

"Só com esta dimensão local vamos conseguir cumprir os objetivos", defendeu Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga, durante o primeiro painel de debate do dia, moderado por Francisco Teixeira, e que contou também com a presença de Ana Muller, project officer da Associação Zero. No entanto, salientou o autarca da cidade dos cardeais, que assinou este pacto em 2014, "ainda falta informação disponível a todos, e este deve ser um esforço coletivo para enriquecer a estratégia". Do lado da Zero, complementa Ana Muller, está a ser feito um trabalho de sensibilização dos municípios para a adesão ao Pacto dos Autarcas, que passa por explicar que o apoio financeiro está disponível.

Portugal tem todas as condições para montar um mecanismo que seja ‘gold standard’ na Europa. Nuno Lacasta
Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente
No caso da cidade minhota, nos últimos nove anos foram produzidos relatórios de sustentabilidade que permitiram identificar as áreas mais críticas, para atuar sobre elas. Ricardo Rio exemplifica: "Braga tinha a maior taxa de uso de veículos próprios e transportes públicos muito envelhecidos. Hoje, com a ajuda de vários programas de fundos europeus, foi definida uma estratégia de redução destas emissões, e 40% das viaturas municipais são elétricas."

Reduzir pela compensação

Quando o tema é a neutralidade carbónica e a descarbonização, fala-se muito em redução, mas é preciso lembrar a componente da compensação. "A neutralidade carbónica não consiste em ter zero emissões em 2050", recorda Pedro Barata. O partner da Get2C e vice-presidente da EDF explica que, mesmo cumprindo as metas, Portugal terá cerca de 10 milhões de toneladas de CO2 nessa data, emissões que terão de ser compensadas com sequestro florestal. E, como acrescenta Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), "Portugal tem todas as condições para montar um mecanismo que seja ‘gold standard’ na Europa a este nível".

O Mercado Voluntário de Carbono, uma proposta de decreto-lei da APA que visa a promoção de projetos de mitigação de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) no território nacional com o objetivo de facilitar o cumprimento dos compromissos assumidos por Portugal, é, na perspetiva do presidente daquele organismo, "uma tentativa de criar um ativo, que pode ser financeiro, para incentivar o sequestro de carbono florestal para mitigar os fogos, mas que também pode ser utilizado em projetos industriais". No fundo, acrescenta Nuno Lacasta, "trata-se de aliar um serviço de preservação do ecossistema para a captura de carbono". Este projeto permitirá ter um registo das metodologias e das ações e, acredita o responsável da APA, pode ser um piloto interessante para replicar noutros países. "Acredito que, desta forma, conseguiremos mostrar ao mundo que temos uma política credível para a energia."

Mas de que forma pode este sequestro de emissões ser potenciado? Esta questão foi o mote para o painel seguinte, que juntou responsáveis por diferentes entidades que partilharam as suas experiências a este nível, depois de Pedro Barata - que moderou a conversa - apresentar o case study do município de Gouveia. Em plena serra da Estrela, esta autarquia está a desenvolver um plano a 10 anos, que tem como principal objetivo construir uma floresta resistente ao fogo. Para tal, definiu uma zona de intervenção de plantação florestal com 100 hectares. Neste projeto, o primeiro ano será de preparação do terreno e de plantação da nova floresta para, no ano seguinte, serem repostas as árvores perdidas. Ao longo dos anos será feita a monitorização e supervisão desta floresta nova e, do sétimo ao décimo ano, voltará a ser reposta a floresta necessária. Este projeto será igualmente testado em versão piloto em Vila de Rei, um dos municípios mais afetado pelos fogos florestais dos últimos anos.

Os desafios de quem gere a floresta

A nível europeu está atualmente a ser criada uma certificação para a remoção de carbono que tornará mais atrativas as empresas que a possuam, mas, até lá, cabe às organizações serem criativas na forma de garantir a captação de CO2. Na Amorim Florestal, como explica o CEO, Paulo Américo, a matéria-prima está longe de ser ilimitada, pelo que os projetos que permitam o aumento da captação de carbono são muito importantes para a sobrevivência do negócio. "A indústria pode aportar grandes vantagens neste processo que pode igualmente ser uma excelente oportunidade para os proprietários florestais arrecadarem receitas, especialmente nas regiões centro e norte."

Com políticas públicas bem definidas, diz o CEO, será possível apostar no desenvolvimento da floresta de produção (que serve a indústria), mas também na floresta de conservação, que permite o equilíbrio ambiental e a captação de carbono. Estas políticas, acrescenta Paulo Américo, exigirão, contudo, um esforço conjunto e um trabalho de parceria entre autarquias, indústria e fundos de investimento que podem apoiar estes projetos. "O objetivo será a criação de parcerias público-privadas para o fornecimento de matéria-prima à indústria", explica, revelando que a Amorim Florestal está disposta a cofinanciar projetos de plantação com as autarquias, bem como a trazer fundos de investimento para estas apostas e para alavancar plantações.

Entre os programas Portugal 2020, Portugal 2030 e Plano de Recuperação e Resiliência, há muitos milhões para investir e que esta é uma oportunidade única. Carlos Carreiras
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Gonçalo Alves partilha de opinião semelhante. "Portugal tem um potencial de produção florestal que está subaproveitado", afirma o partner da Gkapital, uma empresa especializada na consultoria em gestão de recursos e investimento florestal, acrescentando que, "quanto mais viável for a floresta, mais fácil será captar CO2". No entanto, alerta que o grande desafio para o financiamento é a atualização dos cadastros que estão muito desajustados da realidade. "Temos todas as condições para ir às fontes de financiamento nacionais e internacionais, mas não são as verbas públicas que farão a revolução do território." A realidade, salienta, é que a floresta consegue ser rentável e dar boas rentabilidades aos investidores. "Mas tem de estar organizada", aponta.

Plantar as árvores certas nos locais corretos é, na opinião de Luís Calaim, fundamental para uma estratégia florestal bem-sucedida. Mas, alerta o administrador da Parques de Sintra, empresa responsável pela gestão e manutenção dos monumentos de Sintra, "o primeiro passo é o conhecimento do território". Além disso, aponta, "o trabalho de compensação deve ser feito em conjunto com os atores locais como, por exemplo, os do turismo". Luís Calaim cita o caso de Arouca, que considera um sucesso a este nível. "Uma ponte tornou-se uma atração mundial, valorizando o território e contribuindo para uma maior captura de carbono."

Mas verdadeiramente estruturante é, na opinião de Pedro Rocha, evitar que a floresta arda. "Sem resolver o problema dos incêndios não se resolve o aumento de sequestro de CO2", afirma o administrador da Herdade da Contenda, uma das maiores propriedades do país, com grande área de floresta, situada no município de Moura, no Alentejo. "Fizemos um grande investimento na florestação deste espaço", revela. Aquele responsável recorda que o Alentejo é composto por cerca de três milhões de hectares com declínio acentuado do montado, uma das principais barreiras de combate às alterações climáticas. "É preciso pensar seriamente o que vamos fazer em relação a este problema", conclui.

Fica o desafio, e a urgência de materializar soluções que consigam acompanhar a velocidade com que os ponteiros do relógio correm. Faltam duas décadas e meia, mas a verdade é que esta é uma luta contra o tempo que ninguém se pode dar ao luxo de perder.


Mapa de Ação Climática

É o retrato do trabalho dos municípios que pinta de amarelo o país. Isto significa, como explica Francisco Teixeira, que grande parte das autarquias ainda tem um longo caminho a percorrer, rumo à neutralidade carbónica. Segundo os dados revelados pelo diretor-geral da Get2C, dos 308 municípios nacionais, apenas 245 tinham no final de 2022 uma estratégia de adaptação às metas climáticas definida, enquanto 151 tinham uma estratégia de energia, 35 tinham um compromisso para a neutralidade, e três tinham uma estratégia de descarbonização.

Este mapa foi elaborado com base na resposta das autarquias a questões enviadas pela Get2C, com vista a apurar o cumprimento de quatro requisitos: ter uma estratégia ou plano para as alterações climáticas; ter uma estratégia para a energia; ter um compromisso para a neutralidade carbónica; e ter uma estratégia de descarbonização. "Ainda temos demasiado amarelo e 2023 é o ano-chave porque é o último disponível para a preparação dos planos municipais de ação climática, porque estamos no início do processo de revisão do PNEC2030, e porque em breve serão definidas as novas metas da UE para 2040", alerta o partner da Get2C.


Roteiro para a neutralidade carbónica
Portugal emissões de CO2
2005 86,7 milhões de toneladas de CO2
2020 Meta: 66,7 milhões de toneladas de CO2
    Real: 56,7 milhões de toneladas de CO2
2045 Meta: 13 milhões de toneladas de CO2