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Bancos centrais com resultados negativos

Os apoios à estabilidade financeira e à economia dos países, nomeadamente durante a pandemia, levaram os bancos centrais a aumentarem os balanços, que agora são fustigados pelas taxas de juro e os resultados.

Filipe S. Fernandes 01 de Março de 2024 às 15:30
Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal. David Cabral Santos
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"Seria desconfortável, e até alarmante para o país, se o Banco de Portugal tivesse resultados negativos muito significativos. Vamos ter resultados de exploração negativos, mas temos buffers financeiros para fazer estas coberturas", assinalou Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal, durante a conferência "O Futuro dos Mercados Financeiros", uma iniciativa integrada no Jogo da Bolsa, e que é uma parceria do Jornal de Negócios e do Banco Carregosa. É o resultado da política monetária não convencional que levou à compra de dívida pública portuguesa e de financiamentos às entidades de crédito entre 2014 e 2022, em que o balanço total do Banco de Portugal passou de 100 milhões em 2014 para mais de 220 mil milhões de euros, com cerca de 70 mil milhões de euros de dívida pública, em 2021. Esta a iniciar "um processo de redução destes programas, embora os títulos se mantenham até à maturidade. Foram programas massivos de financiamentos às entidades de crédito, TLTRO, que estão a começar a diminuir", referiu Hélder Rosalino.

Em 2023, o Banco de Portugal vai ter um resultado de exploração negativo, mas "vamos ter um resultado zero porque vamos utilizar buffers financeiros. Estamos preparados com os nossos recursos para cobrir os resultados de exploração e manter sem prejuízos nem lucros. Em 2024, os resultados de exploração já vão ser menos negativos e pode acontecer que em 2025 ou 2026 se possa regressar a resultados de exploração positivos, o que depende da evolução das taxas de juro de referência. Se estas baixarem, conseguimos ter custos de passivo equiparados às rentabilidades dos ativos", explicou Hélder Rosalino. Lembrou que, entre 2016 e 2021, o Banco de Portugal entregou cerca de 3 mil milhões de euros em dividendos ao Estado, e registou lucros recorde em 2018 e 2019. "Nessa altura, tínhamos passivos e ativos remunerados", lembrou Hélder Rosalino.

O impacto no BCE

Entre 2014 e 2021, o balanço consolidado do Eurosistema aumentou três vezes com grande destaque para os títulos de dívida pública dos Estados e tem cerca de 4 biliões de dívida pública. Esta intervenção permitiu sustentar as taxas de juro a níveis baixos, financiar em certa medida os Estados e apoiar as economias do euro que viviam tempos difíceis, em particular com a pandemia de covid-19. Esta atuação foi similar com o Banco do Japão, o Banco de Inglaterra, o FED, mas criou responsabilidades e riscos muito significativos que levaram a perdas nos seus balanços.

O BCE apresentou um resultado de exploração negativo de 7,9 mil milhões de euros em 2023 e só deverá ter resultados positivos em 2026, 2027. Está a acontecer na generalidade dos bancos centrais como o FED ou o Banco do Japão. Ativos de longo prazo com taxas reduzidas e passivos com taxas de curto prazo a preços de mercado, "um mismatching que leva tempo a resolver. Por exemplo, o Bundesbank esgotou as suas provisões e pode exigir uma recapitalização com fundos provenientes do Orçamento de Estado alemão, pois pode ficar com capitais próprios negativos", referiu Hélder Rosalino.

Na sua intervenção salientou o papel dos bancos centrais entre 2014 e 2022, "em que os bancos centrais quase se esqueceram do seu mandato principal que é o da estabilidade de preços, estiveram muito focados no apoio à economia e ao crescimento económico com a implementação de amplos programas de política monetária não convencional designadamente na cedência de liquidez ao sistema bancário e também na compra de dívida pública dos Estados".

Com a subida da inflação muito significativa em 2022, os bancos centrais tiveram de voltar a focar-se no seu mandato da estabilidade dos preços. "As fortes subidas das taxas de juro dos bancos centrais contribuíram e demonstraram que os bancos centrais tinham ainda a capacidade de atuar neste domínio. O BCE, criado em 1999, subiu entre julho de 2022 e setembro de 2023 as taxas de referências em 450 pontos base", salientou Hélder Rosalino.

Depois de um grande sincronismo a partir de 2022, na subida das taxas de juro, diversas autoridades monetárias em 2023 fizeram movimentos de descidas de taxas de juro, como se verifica na China, na América Latina e em alguns dos países do Leste. Cerca de 60% dos bancos centrais ainda estão em manutenção de taxas de juro alto, e não iniciaram as descidas, ao contrário de 40% dos bancos centrais, que estão a iniciar ciclos de descida.

"As expectativas para a área do euro de acordo com as taxas de referência do BCE deverão descer entre 1,25 e 1,5 ao longo de 2024, e no fim de 2024 talvez as taxas de juro de referência do BCE possam estar em 2,5% próximas de uma taxa que ancora a expectativa da inflação nos 2%. No FED, o que vemos é que há uma expectativa mais moderada de descidas entre 1 e 1,25 pontos percentuais baixando para 4% em 2024", previu Hélder Rosalino.