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A banca enfrenta desafios como as baixas taxas de juro, moratórias e elevados custos operacionais, a emergência de novos atores na cadeia de valor, como a banca digital ou os pagamentos, além do legacy. Com a transição digital a banca poderá recolher dois benefícios. "O mais imediato, o esforço de modernização/automatização/digitalização dos processos visa a melhoria da eficiência e a redução do cost-to-serve dos clientes num contexto de grande pressão sobre a rentabilidade na banca de retalho em resultado das taxas de juro historicamente baixas. Por outro lado, a evolução digital dos processos de negócio será determinante para angariar a próxima geração de clientes e virtualizar a força de trabalho. A existência de barreiras à entrada na indústria permite ir reduzindo o peso do legacy de forma gradual", refere Miguel Morais, risk advisory leader da Deloitte.
Nos últimos anos, o sistema financeiro e em especial os bancos têm tido de se adaptar às mudanças em ondas sucessivas e que não se antevê que cessem. "A política monetária dos últimos anos e as exposições não produtivas nos balanços, decorrentes dos ciclos macroeconómicos e de políticas passadas nem sempre condizentes com um apetite ao risco robusto, têm reduzido consideravelmente a rentabilidade da atividade creditícia. Estes desafios têm levado os bancos a inovar e a focar-se em segmentos específicos de atividade e na prestação de serviços acessórios. O produto bancário é cada vez mais representado por comissões e menos por margem financeira", referem Paulo Costa Martins, sócio da Cuatrecasas, e Francisco Soares Machado, associado sénior da Cuatrecasas.
Por sua vez em termos de organização têm "feito um esforço notável no que diz respeito à eficiência da sua operação, com a racionalização dos seus recursos humanos e físicos e a adaptação ao mercado digital".
Mais regulação
Em termos de regulação, Paulo Costa Martins e Francisco Soares Machado não acreditam que "o pêndulo regulatório sobre o sistema financeiro já tenha iniciado a trajetória regressiva. Hoje, as instituições, e em particular os seus conselhos de administração, dedicam quase tanto ou mais tempo e recursos à regulação que ao negócio propriamente dito. Tem havido uma consciencialização da importância destes temas, até pelas consequências financeiras e reputacionais que podem advir do incumprimento normativo".
Umas das respostas para a banca do futuro são os denominados ecossistemas digitais e a colaboração entre bancos digitais e as fintechs. Miguel Morais reconhece que o potencial de colaboração é muito significativo. Sublinha que será através do foco em "domínios de negócio muito específicos até porque continuam a subsistir várias barreiras à entrada no core negócio bancário. Deste modo, áreas com maior potencial de colaboração são a criação de novos produtos de investimento, como por exemplo ETF baseados em crypto assets ou tokenização de ativos não bancários, o seu trading e custódia, e payments & settlements, ponte e conversão entre digital assets e moeda".
Esta colaboração entre fintechs, empresas de tecnologia e a banca tem vindo a contribuir para o desenvolvimento do mercado digital de serviços financeiros "Basta ver a evolução que o comércio eletrónico e os serviços de pagamento têm vindo a sofrer ao longo dos últimos anos para perceber como essa colaboração é do interesse de ambas as partes na equação", sublinham Paulo Costa Martins e Francisco Soares Machado.
É ainda uma forma de se preparem para a "‘ameaça’ da entrada das tecnológicas no mundo financeiro, em particular através da criação de fintechs como instituições de pagamento ou de moeda eletrónica, veja-se os casos da Apple, da Amazon ou da Google".
Mais colaboração
Mas como assinalam Paulo Costa Martins e Francisco Soares Machado, a evolução desta relação tem-se ficado pelos serviços de pagamento em que os maiores desafios se relacionam com a ligação à infraestrutura de pagamentos e a temas de privacidade, confidencialidade e segurança.
Referem que "a evolução tem sido mais tímida noutras áreas, como a concessão de crédito digital, atividade geralmente no monopólio dos bancos. Essas áreas apresentam um potencial elevado, mas também riscos de maior envergadura. Se os próximos passos neste percurso no seio dos ecossistemas digitais vierem a ser a expansão para outros serviços financeiros, os desafios regulatórios serão certamente diferentes e maiores".
Nesta relação entre a banca e as fintechs e outros desafiantes, "a regulação deve ser, por um lado, neutra de um ponto de vista tecnológico para permitir justamente a sua evolução e, por outro lado, suficientemente ágil e flexível para acomodar os serviços inovadores", dizem Paulo Costa Martins e Francisco Soares Machado.
Mas acrescentam que "se o serviço ou produto inovador objeto da regulação for materialmente idêntico a outros serviços e produtos já existentes é essencial que haja um level playing field regulatório. A regulação deve tratar de forma semelhante o que é semelhante. Assim, se os interesses que se pretendam proteger forem materialmente semelhantes, apenas com outra forma, seria injusto e discriminatório que a regulação se aplicasse de forma diferente a uns e a outros".