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A saúde do cidadão no centro do sistema

A lógica dos resultados em saúde com base no valor implica que o sistema de saúde esteja organizado para melhorar a experiência do cidadão, a promoção deste sector e se mova pelos resultados em saúde para os doentes, o que implica a participação destes nos processos de tomada de decisão.

15 de Novembro de 2017 às 10:12
Sara Matos
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"Nos sistemas de qualidade em saúde em todo o mundo, a grande maioria dos indicadores, entre 85 a 95%, têm que ver com processos, depois vêm as estruturas e só no fim estão os resultados, os 'outcomes'", refere António Vaz Carneiro. Para este professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a noção de cuidados de saúde baseados no valor de Michael Porter e Elizabeth O. Teisberg é uma espécie de revolução pois coloca o acento tónico nos resultados e os ganhos em saúde. Os "outcomes" que importam são os dos doentes e não segundo os médicos, até porque há diferenças "entre os resultados em saúde para os médicos e para os doentes".

Dá como exemplo a aprovação dada a quatro medicamentos inovadores para um tipo de cancro no pulmão. Segundo António Vaz Carneiro, do ponto de vista dos doentes com este tipo de cancro, é importante não ter dores e não sentir falta de ar. Em termos de eficácia, os quatro medicamentos são idênticos, mas um tem efeito no bem-estar e na qualidade de vida do doente aliviando as dores e a falta de ar, portanto, "só este devia ser comparticipado".

É fundamental o médico envolver o doente nas decisões e no percurso terapêutico.  Julian Perelman
Professor na Escola Nacional de Saúde Pública 

A Grã-Bretanha criou o primeiro modelo de pagamento na história do Serviço Nacional de Saúde em que remunera os resultados que mais importam aos doentes. "É uma ideia interessante a rede dos sistemas de saúde e em Portugal já se pratica em algumas unidades de saúde locais", refere Julian Perelman, professor na Escola Nacional de Saúde Pública. Considera que o financiamento, por exemplo, não pode depender unicamente desta premissa pois pode ter efeitos perversos. Defende que uma parte do financiamento do SNS possa ter e deva ser feita como base nos resultados para o doente. Para Julian Perelman, seria fundamental não só evitar o subfinanciamento do SNS como alterar a forma como está a ser gasto pois poderiam ser feitas poupanças, nomeadamente na área do medicamento e dos dispositivos, e fazer-se melhor do que está a ser feito.

O Value Based Healthcare representa uma mudança de paradigma. O modelo centrado no hospital com equipas especializadas e equipamentos sofisticados a fazer atendimento que podia ser prestado em centros de cuidados primários, com ganhos de saúde para os doentes e poupanças para os doentes, é que tem de ser alterado, defende Julian Perelman. Para este especialista, o centro do sistema deve ser a promoção da saúde e a prevenção.

A participação do cidadão na saúde

A mudança e a reorganização do modelo passam sobretudo por colocar o doente no topo do sistema de saúde. "Como é que conseguimos incorporar a opinião e a lógica do cidadão/paciente na forma de agir da organização, para dar uma boa experiência ao doente, que é a razão da existência do sistema?", refere Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares. Dá um exemplo prático: "Um sistema de saúde organizado para o cidadão permite que este num dia faça a consulta, os exames e as análises e em vez de fazer, por exemplo, as cinco deslocações que hoje por vezes faz com os mesmos objectivos."

Para Julian Perelman, "o médico envolver o doente nas decisões e no percurso terapêutico para uma maior adesão ao tratamento e à mudança de comportamentos é fundamental", mas não deixa de sublinhar que "há elementos científicos no tratamento e que o médico tem 'expertise', por isso temos de evitar uma subjectividade total, não se pode perder de vista a ciência e as evidências científicas".

"Tem vindo a ser reconhecido o direito à participação e envolvimento dos cidadãos com ou sem doença, nos processos de tomada de decisão em saúde", refere Elsa Frazão Mateus, presidente da Eupati. No entanto, em Portugal, a Organização Mundial de Saúde, que considerou essa participação como selectiva e insuficiente, recomendou um envolvimento mais eficaz das pessoas com ou sem doença na decisão em saúde.

Os representantes dos doentes devem ser envolvidos em comités e comissões de peritos (nas comissões de ética, nos conselhos consultivos, nas comissões que discutem prioridades e alocação de recursos, por exemplo), nos processos regulatórios, no planeamento, desenho e gestão das unidades de saúde, na formação dos profissionais de saúde, no desenvolvimento da investigação, no desenho de orientações para os cuidados de saúde e tratamento", defende Elsa Frazão Mateus. Por exemplo, o Infarmed já lançou o Projecto Incluir para alargar a interacção de doentes/associações de doentes no processo de avaliação de tecnologias da saúde e noutras áreas.

A organização Porter para a saúde

O ICHOM é a sigla de International Consortium for Health Outcomes Measurement e foi fundado pela Harvard Business School, o Karolinska Institutet e o The Boston Consulting Group. A medição dos cuidados de saúde baseada em valor pode ter impacto no financiamento e na gestão das organizações de saúde e para a escolha das opções terapêuticas, porque permite fazer escolhas mais informadas. Até ao fim do ano de 2017, o ICHOM pretende ter publicado um número suficiente de padrões de medição para cobrir mais do que 50% da carga global de doenças. Um dos projectos, para a hipertensão, tem a colaboração de Manuela Fiuza e António Vaz Carneiro. Tem por objectivo passar dos 200 "outcomes" detectados para entre oito e doze indicadores "que são verdadeiramente importantes e que devem passar a influenciar os estudos, medidas e políticas de saúde". Estas metodologias começam a ser aplicadas em alguns hospitais privados e públicos e a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia está a avaliar um conjunto de standards técnicos para as cataratas.